Aos 16, vi o papa e entendi que a Jornada só foi como foi por ter Francisco
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Comecei o ano de 2013 com uma expectativa: ir à Jornada Mundial da Juventude, que aconteceria no Rio de Janeiro.
Na época, eu integrava a Pastoral da Juventude da Paróquia Santa Rita de Cássia, em São Paulo. Tinha 16 anos e uma participação ativa na igreja, apesar de não concordar com muitas coisas e ter uma visão mais progressista.
Por meses, vendemos doces no fim da missa com o objetivo de arrecadar dinheiro para viajar. Tivemos a confirmação da viagem em fevereiro, poucos dias antes da renúncia de Bento 16.
Eu não tinha muita noção do que ter um papa como Francisco representava. Lembro apenas de enxergá-lo como uma figura mais carismática do que a do antecessor.
Na semana anterior à Jornada, minha igreja se uniu a outras duas (Paróquia Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora Aparecida de Moema) para receber peregrinos do mundo todo.
Ali conheci franceses, italianos e moçambicanos. Com alguns, tenho contato até hoje. Por uma semana, apresentamos a cidade de São Paulo para eles: Catedral da Sé, Pateo do Collegio, Edifício Martinelli.

'Era a minha primeira vez no Rio'
Chegamos ao aeroporto do Galeão na quinta-feira, dia 25 de julho, no início da tarde. Era minha primeira vez em um avião e a minha primeira vez no Rio de Janeiro. Só considerando estes dois pontos, já sabia que aquela viagem marcaria minha vida. Éramos um grupo de 15 pessoas, e eu estava com duas das minhas melhores amigas.
Com a arrecadação de dinheiro que fizemos meses antes, conseguimos ir de avião e nos hospedamos em um hostel no centro da cidade —a grande maioria das pessoas viajou de ônibus e dormiu em acampamentos montados em escolas, igrejas ou casas de família.
A gente não sabia, mas essa decisão nos livrou de alguns perrengues: quem conhece o Rio sabe que a infraestrutura de trânsito é complicada, e aquela semana foi bastante chuvosa.
'O papa vai passar'
Na sexta, tivemos nosso primeiro compromisso com o papa, a Via Sacra em Copacabana.
Não tínhamos a menor expectativa de vê-lo tão de perto, mas aconteceu. Francisco chegou ao Posto 6 e percorreu a Avenida Atlântica até o Leme, onde o palco estava montado. Só lembro de ser empurrada pela muvuca e ouvir: 'o papa vai passar'.
Liguei minha câmera digital e consegui gravar o momento em que ele passou, no papamóvel, acenando para todos. Eu estava encostada no cordão de isolamento, mesmo sem ter me programado para isso, e tive uma visão melhor do que pessoas que passaram horas ali em pé esperando um tchauzinho —e nem sequer o viram.
'Trocávamos bandeiras'
No dia seguinte, sábado, a vigília que estava programada para acontecer em Guaratiba foi transferida para Copacabana por causa das chuvas. A ideia era ir andando, em peregrinação, pelos quase 50 quilômetros que separam o centro do Rio do bairro da zona oeste. O caminho foi encurtado para cerca de 10 quilômetros com a mudança.
Chegamos em Copacabana mais ou menos no meio da tarde e, apesar do frio, estendemos nossas cangas no calçadão. Andávamos em pequenos grupos, conversando com pessoas de todas as partes do mundo e trocando objetos e bandeiras. Até hoje guardo uma bandeira da Argentina fruto desse escambo.

Próximo da meia-noite, pedimos uma pizza com endereço de entrega na... praia. Foram horas felizes e de caos organizado, cheias de momentos como os que a gente se acostumou a dizer que só acontecem no Brasil. Apesar da alegria, com a madrugada adentrando, a gente decidiu voltar ao hostel.
Descemos na Central do Brasil próximo das 3 horas da manhã e caminhamos, sem medo, até onde estávamos hospedados. Esse é o tipo de segurança que só a Jornada Mundial da Juventude podia proporcionar, além do metrô funcionando 24 horas e policiamento reforçado.
'Espírito do evento era traduzido em choro e abraço'
No dia seguinte, voltamos ainda cedo para Copacabana para assistir à missa de envio. Não dá para mentir: era muita gente e muito barulho. Apesar dos inúmeros telões e caixas de som, não dava para ouvir o que Francisco falava.
As coisas ao pé da letra a gente só ficou sabendo depois, mas o espírito do evento era traduzido em choro e abraço.

A fé é algo particular. Iniciada no catolicismo desde pequena, foi a partir da Jornada Mundial da Juventude de 2013 e das seguintes afirmações do papa Francisco que passei a me questionar sobre a igreja.
Posso dizer que ele tornou o peso da religião mais leve e que, para mim, seu papado foi muito mais sobre amor, respeito e caridade do que sobre a Igreja Católica em si.
Hoje, 12 anos depois, tenho completo entendimento de que a Jornada só foi como foi porque foi com ele: um papa latino, cheio de analogias com o futebol e que escolheu ouvir as novas gerações em vez de repreendê-las.
Nunca mais fui a uma Jornada Mundial da Juventude e hoje quase não assisto mais às missas. Os ritos ganharam novos significados e minhas orações são diferentes. Mas sigo os conselhos de Francisco, ditos naquele sábado de julho de 2013, que deixam meu coração em paz. Afinal, segundo ele, o diálogo com Jesus acontece:
Através do amor fraterno, do saber escutar, do compreender, do perdoar, do acolher, do ajudar os demais, qualquer pessoa sem excluir nem marginalizar ninguém.
Papa Francisco, no Rio, em 2013