Juíza decide manter solto PM que atirou em repórter e mototaxista no RJ

Quase dois meses após o MP (Ministério Público) acusar o subtenente reformado da Polícia Militar Carlos Alberto de Jesus, 61, de dupla tentativa de homicídio, a Justiça do Rio recebeu a denúncia, mas decidiu manter o réu solto.

O MP havia pedido a prisão preventiva do PM, que assumiu ter atirado contra o repórter esportivo Igor Melo de Carvalho, 32, e o mototaxista Thiago Gonçalves Marques, 24.

O que aconteceu

Magistrada considerou que o MP havia retirado pedido de prisão, o que não aconteceu. O UOL teve acesso à decisão da juíza da 1° Vara Criminal da Capital, Alessandra da Rocha Lima Roidis, de 12 de maio de 2025. Ela pontuou que vai aguardar a folha de antecedentes criminais do PM ser juntada aos autos e escreveu erroneamente que o MP havia retirado o pedido. No entanto, o MP não retirou em nenhum momento o pedido, feito no fim de março.

Acusado pensou que vítimas haviam roubado celular. As investigações concluíram que, na madrugada de 24 de fevereiro de 2025, Igor e Thiago foram confundidos com dois assaltantes que roubaram, horas antes, o celular da amante do policial aposentado, a cabeleireira Josilene da Silva Souza, 42, por vestirem camisetas que tinham as mesmas cores das camisetas que os ladrões usavam. Carlos Alberto perseguiu, emparelhou o carro à moto e atirou duas vezes.

Pedido de prisão de Igor e Thiago, que são inocentes, ocorreu rapidamente; análise de tentativa de homicídio pelo PM se arrastou. Após serem reconhecidos na delegacia por Carlos e pela amante do policial como autores do roubo do celular, a Justiça do Rio decretou a prisão preventiva de Igor e de Thiago no dia seguinte ao fato. Igor recebeu voz de prisão no hospital, Thiago passou uma noite na cadeia. A decisão sobre a possível prisão de Carlos Alberto, que tentou matá-los, demorou 45 dias.

Amante foi indiciada por falso testemunho, mas sem pedido de prisão. Na noite de 23 de fevereiro, a cabeleireira Josilene teve o celular, de fato, roubado por dois criminosos, segundo a Polícia Civil. "A mulher, contudo, passou informações erradas [para Carlos Alberto], produzindo efeito em processo penal", diz a polícia. A Justiça também recebeu a denúncia contra ela, que se tornou ré, mas sem pedido de prisão.

Relatório final da Polícia Civil descarta que Josilene tenha incitado o crime. De acordo com o inquérito, "a conduta de Carlos Alberto de Jesus foi espontânea, sem qualquer notícia de incitamento por parte de Josilene. Desferiu disparos de arma de fogo contra duas pessoas que não esboçaram nenhum ataque ou reação, com base na suposição dos mesmos serem roubadores da madrugada, terroristas do cotidiano".

Relembre o caso

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A cabeleireira Josilene teve o celular roubado na Penha, zona norte do Rio, às 23h do dia 23 de fevereiro. De acordo com o boletim de ocorrência, Carlos Alberto havia deixado a mulher na rua Irani, pouco antes, e saiu para comprar uma pizza. Quando voltou, ouviu da mulher que assaltantes tinham apontado uma pistola contra seu rosto e levado seu celular.

A mulher afirmou que os assaltantes estavam em uma moto azul. Josilene afirmou que o motorista estava com uma camiseta preta, e o comparsa, que apontou a arma, estava com uma roupa amarela. Duas horas depois, Josilene apontou para o marido dois homens com características semelhantes no mesmo bairro: Thiago, de camiseta preta, e Igor, de amarelo.

O PM perseguiu e emparelhou seu carro, um Golf prata, à motocicleta pilotada por Thiago. Igor estava na garupa. Hoje, ele atua como repórter esportivo. Na ocasião, voltava para casa após ter trabalhado durante toda a noite como garçom em uma casa de samba na região. De dentro do carro, Carlos Alberto atirou duas vezes. Um dos disparos atingiu as costas de Igor, que ficou internado, mas se recuperou do ferimento.

Thiago Marques Gonçalves (esq.) e Igor Melo de Carvalho (dir.) foram alvos de tiros disparados por PM aposentado
Thiago Marques Gonçalves (esq.) e Igor Melo de Carvalho (dir.) foram alvos de tiros disparados por PM aposentado Imagem: Arquivo pessoal

Josilene e Carlos afirmaram na delegacia que o PM só atirou porque viu que Igor tentou sacar uma arma. Nem a suposta arma nem o celular roubado de Josilene, porém, foram localizados. Pelas denúncias do casal, Igor e Thiago receberam voz de prisão. Ferido, Igor ficou internado sob escolta de PMs e sem poder receber visitas, enquanto Thiago dormiu uma noite no presídio de Benfica. Eles foram inocentados após pressão social e reportagens que esclareceram os fatos.

Reconhecimento foi feito por fotografias. Os reais autores do assalto, não identificados até hoje, usavam capacetes. Igor e Thiago também. Na delegacia, porém, nove fotos, de nove homens com características físicas semelhantes, foram colocadas em um papel para que Josilene reconhecesse quem roubou seu celular. Ela reconheceu Thiago como o piloto e Igor como quem puxou seu telefone.

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Igor e Thiago apresentaram provas evidentes de que não eram os assaltantes do celular de Josilene. Thiago trabalhava desde as 22h como motorista de aplicativo. Igor, como garçom em uma casa de samba na Penha até 1h. Imagens do circuito interno do estabelecimento mostram Thiago buscando Igor em sua moto para levá-lo para casa.

Câmera de casa de samba mostra Igor saindo do trabalho na madrugada de 24 de fevereiro de 2025
Câmera de casa de samba mostra Igor saindo do trabalho na madrugada de 24 de fevereiro de 2025 Imagem: Reprodução

Igor estava com uma camiseta amarela, justamente o uniforme da empresa onde trabalhava aos finais de semana para complementar renda. Thiago tinha carteira registrada como auxiliar de açougueiro até o fim do ano passado. Desde então, passou a alugar uma moto para trabalhar em média 17 horas por dia como motorista de aplicativo.

Moto de vítima era alugada e ficou destruída. Estudante de publicidade em uma universidade privada do Rio, Igor foi contratado como repórter esportivo pela Rádio Craque Neto após a repercussão do caso. Thiago criou uma vaquinha na internet para conseguir pagar o conserto da moto e comprar outra para voltar a trabalhar.

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