Por que 'cracolândia' está vazia? Prefeitura não diz onde estão usuários

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O principal ponto de venda e consumo de drogas a céu aberto da região conhecida como 'cracolândia', no centro de São Paulo, amanheceu vazio na manhã de ontem.
O que aconteceu
Prefeitura não diz para onde foram dependentes químicos. Ruas onde usuários costumavam se concentrar estão esvaziadas. Nas proximidades da rua dos Protestantes e dos Gusmões, pontos onde o grupo costumava ficar, não havia ninguém. Na tarde de ontem, havia apenas duas viaturas da Guarda Civil Metropolitana, uma em cada extremidade da rua.
Estimativa é de que cerca de 200 dependentes químicos se amontoavam no local. ONGs que atuam na região dizem que a política de dispersão dos usuários se tornou mais violenta nos últimos meses. "A Prefeitura de São Paulo passou a adotar nos últimos dias a política de dispersar na pancada os grupos de pessoas em situação de rua e que consomem drogas na região da cracolândia, centro da cidade. Foi essa ação que provocou o esvaziamento do fluxo que estava concentrado na rua dos Protestantes", segundo nota publicada pela organização Craco Resiste.
Houve uma orientação para que a GCM aumentasse a violência nas abordagens, segundo a ONG. "As pessoas ouvidas afirmam categoricamente que os guardas passaram a bater mais no rosto e na cabeça das pessoas, para além das outras agressões já cotidianas, com uso de spray de pimenta e apropriação de pertences pessoais, como roupas e dinheiro".
Gestão municipal nega uso de violência. Orlando Morando, secretário de Segurança Urbana da cidade de São Paulo, negou o uso de violência. "Não removemos ninguém à força. Não fizemos nenhuma abordagem violenta, não há nenhuma imagem ou denúncia contra a GCM", afirmou Morando ao Estadão.
Nunes disse estar surpreso com o "sumiço"
Prefeito se diz surpreso com queda no fluxo. Ricardo Nunes (MDB) declarou estar surpreso com o esvaziamento. O vice-prefeito, coronel Mello Araújo, no entanto, coordenou ação na 'cracolândia' ontem. Mello e o secretário estadual da Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, comemoraram o esvaziamento do local, em publicações nas redes sociais.
Questionado, Nunes não informou para onde os usuários foram. "A gente tem informações de que existem uma movimentação para um outro local", afirmou o prefeito, sem dar mais detalhes. Ele ressaltou, no entanto, que a diminuição no fluxo da cracolândia tem sido gradativa. "Todos os dias vinha reduzindo a quantidade de pessoas lá. Pessoas indo para tratamento, voltando para seus estados, aceitando internação".
Situação não foi resolvida, destacou Nunes. "A gente tinha lá, em 2016, 4 mil usuários. Foi fazendo um trabalho, começamos mais fortemente em 2021, em 2022 reforçamos bastante, com ampliação da presença assistência social, equipe de saúde, polícia municipal, Polícia Militar e Polícia Civil. E aí foi gradativamente diminuindo. Não quer dizer que resolveu, não vamos ter essa ilusão que resolvemos", disse o prefeito.
Gestão atribui esvaziamento às ações de demolição na favela do Moinho. "A gente vai acompanhar mais uns dias, ver se alguém retorna para lá, se a gente ainda está tendo aí uma ação por conta dessa questão da favela do Moinho. Eu preciso ter sempre com vocês uma transparência, senão a gente perde a credibilidade. A transparência é o seguinte, pode ser que o movimento da favela do Moinho tenha feito alguma ação que zerou, que vai tirar 43 pessoas na sexta-feira, no sábado aparece praticamente sem ninguém".
Governo de São Paulo cita que ações integradas alteraram o panorama da área. Segundo a gestão estadual, a explicação passa por uma série de ações integradas desencadeadas, entre elas estão o combate ao crime organizado, com prisões, apreensão de drogas e o fechamento de estabelecimentos usados para lavar o dinheiro obtido com a venda de entorpecentes.
Como surgiu a cracolândia

O problema começou na década de 1980, durante o governo do Paulo Maluf. A inauguração do Rodoviária do Tietê causou a desativação do Terminal da Luz, e consequentemente um esvaziamento da região central da cidade. Comércios viram queda de faturamento e os hotéis abaixaram seus preços para não ficarem vazios.
Preço menor e pouco movimento atraíram o crime. O cenário se tornou favorável ao tráfico e a prostituição, espantando ainda mais a classe média que costumava frequentar a região.
O termo 'cracolândia' foi usado pela primeira vez em 1995. Foi uma reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" que descreveu a região da Santa Ifigênia desta maneira. "As ruas do bairro da Santa Ifigênia conhecidas como Cracolândia continuam sendo percorridas pelos policiais. Os antigos casarões vêm sendo usados por traficantes para preparar pedras de crack", dizia um trecho da reportagem sobre a prisão de traficantes após a inauguração da Delegacia de Repressão ao Crack em São Paulo.
O baixo movimento de pessoas desvalorizou a região e atraiu quem não tem para onde ir. A prefeitura, com o passar dos anos, tentou outras ações para atrair a classe média para o centro, como a inauguração do Museu da Língua Portuguesa e da Sala São Paulo, mas não obteve sucesso.

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