3D: armas fantasmas chegam ao crime e circulam em quatro estados do Brasil

Polícias de Rio Grande do Sul, Pará, São Paulo e Goiás já apreenderam armas produzidas com impressoras 3D; avanço preocupa por dificultar rastreamento e apontar lacunas na legislação.

O que aconteceu

Armas artesanais feitas com impressoras 3D foram apreendidas em quatro estados brasileiros nos últimos meses. Os casos, ainda pontuais, indicam que a tecnologia passou a ser usada fora do circuito experimental e já é alvo de ações das polícias estaduais e federal.

As ocorrências foram registradas no Rio Grande do Sul, Pará, São Paulo e Goiás. Em todos os casos, os policiais encontraram armamentos montados com peças impressas em 3D e componentes metálicos, além de computadores, cartuchos e arquivos digitais com instruções de montagem.

No Rio Grande do Sul, a Polícia Civil localizou uma fábrica clandestina de armas operando dentro de um condomínio em São Leopoldo. Segundo nota publicada pela Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul em 20 de março, quatro impressoras 3D, um computador e 59 carregadores de pistola foram apreendidos. O material era avaliado em cerca de R$ 30 mil.

No Pará, três fuzis fabricados com o auxílio de impressoras 3D foram apreendidos junto a 53 quilos de skunk. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, a operação ocorreu em 4 de abril, na BR-316, no município de Benevides.

Em São Paulo, um homem foi preso por fabricar armas de fogo caseiras em Araraquara. Segundo a Agência Brasil, a Polícia Federal apreendeu componentes impressos em 3D, além de arquivos digitais com instruções de montagem. O caso ocorreu em setembro de 2024.

Em Goiás, a Polícia Federal deflagrou a Operação Última Impressão, que identificou a produção de armas com impressoras 3D na capital. A ação foi divulgada no site oficial da Polícia Federal em dezembro de 2024. O suspeito também divulgava, pela internet, informações sobre a fabricação e aquisição de insumos.

Uso crescente da tecnologia

A produção de armas com impressoras 3D ainda é pontual no Brasil, mas representa uma ameaça real à segurança pública. Roberto Uchôa, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o uso da tecnologia tem crescido entre indivíduos e pequenos grupos, que veem no processo uma forma barata e silenciosa de fabricar armamento funcional.

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As impressoras são usadas para produzir principalmente peças plásticas, como coronhas e carregadores. Esses componentes são depois acoplados a partes metálicas, como canos e ferrolhos, comprados à parte ou produzidos em oficinas caseiras. O resultado é um armamento híbrido, com poder de fogo suficiente para uso em crimes, mesmo com durabilidade limitada.

Chamadas nos Estados Unidos de "ghost guns" (armas-fantasmas), a principal preocupação está na dificuldade de rastreamento. "A ausência de número de série impede o rastreamento tradicional, mas não totalmente. Análises forenses de materiais e dos arquivos digitais usados podem oferecer caminhos investigativos", explica Uchôa.

Segundo ele, ainda não há evidência de uso massivo das armas 3D por facções criminosas estruturadas. O crime organizado, por enquanto, continua preferindo armas convencionais, desviadas ou contrabandeadas, que têm maior durabilidade, confiabilidade e menor esforço logístico.

As armas impressas, no entanto, atraem pela facilidade de acesso e pelo custo reduzido. "A hibridização (cruzamento) das armas e sua baixa durabilidade tornam o modelo menos atrativo para o crime organizado estruturado, mas o avanço da tecnologia e o barateamento dos equipamentos ampliam o risco", diz o pesquisador.

Motivações ideológicas

Outro ponto de alerta é o potencial uso por indivíduos com motivações ideológicas. Apesar de ainda não haver registros confirmados no Brasil, Uchôa aponta o risco teórico de que lobos solitários ou extremistas possam recorrer à tecnologia para cometer atentados ou crimes políticos.

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Do ponto de vista legal, o país ainda opera com base em normas que não acompanham a evolução do problema. O Estatuto do Desarmamento proíbe a fabricação de armas sem autorização, mas não prevê a criminalização do compartilhamento de arquivos digitais nem oferece respostas claras para a impressão de peças avulsas em domicílio.

As forças de segurança também enfrentam um despreparo técnico para lidar com essa nova realidade. "Faltam recursos humanos especializados, protocolos padronizados e ferramentas adequadas para monitorar impressoras 3D, controlar o acesso a materiais e rastrear atividades suspeitas na internet", afirma.

Para Uchôa, a soma de lacunas legais e falhas operacionais cria um cenário de vulnerabilidade. "Há um descompasso entre o avanço da tecnologia e a capacidade do Estado de regulá-la e combatê-la", conclui.

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