Calor, barulho e tremedeira: como é andar pelo Tatuzão do metrô de SP
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Uma máquina do tamanho de um quarteirão fura o solo a uma velocidade menor do que uma tartaruga. Acompanhei o funcionamento do tatuzão, a tuneladora que abre caminho para as novas estações da linha 2-Verde do metrô da capital.
Como é estar 12 andares debaixo da terra
Andei pela máquina, batizada de Cora Coralina, pouco antes da chegada dela à estação Orfanato, no bairro da Vila Prudente. Por lá, o túnel é escavado a 36 metros de profundidade, com uma velocidade média de 4 centímetros por minuto, quase 20 vezes mais lento que a tartaruga-comum.
A viagem começou onde é construída a estação Santa Clara, uma das oito novas previstas na expansão do metrô. A projeção é de que, onde hoje vemos britas, um prédio em construção e muitos trabalhadores, em 2026 haja uma estação completa, com escadas rolantes, catracas, plataformas e trilhos em dois sentidos.

É preciso confiar demais na engenharia para entrar no tatuzão com tranquilidade. O primeiro passo para chegar à tuneladora é descer por um elevador de obras com capacidade para 14 pessoas. No ponto final dele, estacas, canos e poças sinalizam uma obra em andamento.
Após descer os 12 andares, caminhei cerca de 800 metros no túnel recém-escavado pela própria máquina. Seguimos em fila em uma plataforma metálica estreita. Por cerca de 15 minutos, só a poeira, o barulho dos meus passos e a lembrança de que eu estava em um terreno recém-desbravado por uma máquina gigante me acompanhava.
O primeiro sinal de que estava perto do tatuzão é o barulho forte de muitas peças trabalhando ao mesmo tempo. Enquanto uma parte do equipamento raspa a areia, outra carrega os detritos retirados, outra empurra a máquina e outra posiciona anéis de concreto no solo recém-escavado [veja mais sobre o funcionamento da máquina abaixo].

Em pouco tempo fica claro que a minha presença, como parte de uma equipe que não faz parte da rotina do tatuzão, torna o trabalho de quem está por lá mais difícil. Todos os funcionários estão ocupados com atividades específicas, que vão desde a aplicação de água para resfriamento de anéis recém-instalados, até o controle da máquina em computadores. Ao todo, 150 pessoas se revezam em três turnos diferentes de oito horas, já que o equipamento funciona sem intervalos.

No comando da máquina, de olhos fixados em telas indecifráveis para pessoas comuns, encontrei Sherry Romanholi, a primeira operadora mulher de uma tuneladora na América Latina. O trabalho dela na sala de controle, porém, não pôde ser interrompido pela nossa reportagem. Acreditava que os tremores que senti enquanto caminhava pelo tatuzão eram normais, mas, segundo os representantes do metrô que me acompanhavam, eles eram atípicos, sinais de que aquele era um momento delicado da escavação.
Colete, botas, capacete, óculos, máscara e tampões de ouvido são obrigatórios. Dá para entender bem o motivo de cada um deles durante nossa visita: a poeira é constante e deixa os corrimões, antes amarelos, cinzas. Há muitos objetos sendo soldados, ajustados e encaixados. Alguns equipamentos estavam na altura da minha cabeça. Os EPIs, porém, tornam o ambiente ainda mais quente. Tive a sorte de ir até o tatuzão em um dia de temperatura mais amena. Ainda assim, dentro da planta industrial, os termômetros ficaram acima dos 30ºC.
Meu tempo dentro do tatuzão foi rápido: em pouco mais de uma hora subi de volta ao canteiro de obras da estação Santa Clara. Em terra firme, com as roupas molhadas de suor, entendi que a claustrofobia d andar por um espaço tão recém-criado se equipara à satisfação de ver, de alguma forma, a gênese de algo grandioso.
Como o tatuzão funciona
De forma resumida, a tuneladora é uma broca gigante que raspa a terra para que o túnel do metrô seja formado. Ela vem acoplada com uma "planta industrial", de onde os trabalhadores controlam a escavação. De ponta a ponta, o tatuzão tem 91 metros. O buraco que ele abre na terra tem 11,6 metros de largura, o maior entre as linhas de metrô da América Latina.

Todo o funcionamento da máquina é operado da sala de controle. Em telas táteis, engenheiros conseguem controlar a velocidade de avanço da máquina, a retirada da terra de e a aplicação dos aneis de concreto que impedem a escavação de desmoronar.
Na parte operacional, a roda de corte é a peça principal do tatuzão. Ela fica na parte da frente da tuneladora, em contato direto com a terra. Girando nos dois sentidos enquanto é empurrada para frente por pistões, ela faz o trabalho de "raspagem" do solo. A roda de corte solta uma espuma biodegradável que funciona como um lubrificante, amolecendo o material a ser escavado.

A roda de corte tem uma abertura por onde a terra é "puxada" por um parafuso para dentro da máquina. De lá, ela é transportada por esteiras e posteriormente descartada.
Os cilindros empurram a máquina para frente, fazem força para ela poder pressionar o solo. A roda de corte tem várias ferramentas de corte na frente dela, girando tanto no sentido horário quanto no sentido anti horário. Ela vai roendo, raspando o solo, para que ele fique mais fácil para ser escavado.
Thiago Pires, engenheiro do Metrô de São Paulo
Para evitar a instabilidade do solo, a cada "avanço" de 1,5 metro, a máquina aplica anéis de concreto nas paredes. Cada anel é formado por sete peças diferentes, com oito toneladas cada. Essas peças são fabricadas em um canteiro de obras no bairro do Tatuapé e levadas por túneis em veículos com rodas até chegarem no tatuzão. Lá, elas são posicionadas em esteiras, sendo rotacionadas e encaixadas nas paredes pela própria máquina.

Para garantir que os anéis fiquem firmes, uma espécie de "calda de concreto" é aplicada assim que as peças são posicionadas na parede. No caminho que fizemos andando até o tatuzão, passamos por anéis aplicados menos de uma semana antes.

Durante a visita, conseguimos nos aproximar da câmara hiperbárica do tatuzão. Este espaço é o "ponto final" de acesso dos humanos, que é acessado por trabalhadores que precisam fazer reparos na roda de corte.

Em caso de acidentes, os trabalhadores devem seguir para uma câmara de refúgio, com reservatório de comida e água. O local tem oxigênio suficiente para abrigar 20 pessoas por 24 horas. Ele nunca precisou ser usado na obra da linha 2-Verde e, no histórico de tuneladoras ao redor do mundo, nunca foi usada para um soterramento. "Historicamente ela foi usada poucas vezes, em caso de incêndio dentro do túnel, ou em algum equipamento", explica o engenheiro Thiago Pires, do Metrô de São Paulo.
Terra escavada faz viagem de esteira e caminhão

Um sistema complexo de esteiras é responsável por levar a terra escavada do tatuzão até o seu ponto final de descarte. Assim que sai da máquina, a terra passa por um detector de metais, que se certifica que nenhum objeto vai atrapalhar o caminho.
Como a esteira tem diversas conexões, uma peça metálica pode travar ou rasgar a esteira. Colocamos este detector para, caso a máquina verifique a presença de algum metal, retiremos este equipamento manualmente.
Thiago Pires, engenheiro do Metrô de São Paulo
Ela segue por quatro quilômetros dentro do túnel cavado até chegar no Complexo Rapadura, uma espécie de "quartel general" das obras de expansão da linha 2-Verde. Lá, cai em uma "piscina de lama".
De dentro da piscina de lama, os detritos seguem por 30 quilômetros de caminhão até um aterro em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Em média, 170 metros cúbicos de terra - o equivalente para carregar 250 caminhões - são retirados do local todos os dias.
Máquina gigante não é reaproveitada após uso
Isso acontece porque cada tatuzão é projetado para uma obra específica, pensando no tipo do solo e no tamanho do túnel a ser cavado. No caso da expansão da linha 2-Verde, assim que a máquina chegar à estação Vila Prudente ela vai ser desmontada e remontada para a escavação da segunda parte da obra, que fará o túnel da Penha até a futura estação Dutra, em Guarulhos.
Em algumas obras, o tatuzão é estacionado e abandonado no "fim do túnel". No caso do Cora Coralina, porém, a maior probabilidade é de que todas as peças sejam desmontadas e sucateadas.
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