Por que reduto do CV no Rio virou abrigo de foragidos de todo país?
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A Vila Cruzeiro, favela na zona norte do Rio apontada como o QG do Comando Vermelho, é citada em investigações policiais por abrigar procurados por envolvimento na morte do delator do PCC e líderes de facções criminosas de todo o país.
Fuzis e geografia impactam atuação da polícia
Poder bélico dificulta a entrada das forças de segurança. A grande quantidade de fuzis na região torna a comunidade apta para receber foragidos de todo o país. Isso porque o volume de armas permite ao CV se proteger das ações policiais e de ataques de facções rivais, dizem especialistas consultados pelo UOL.
Localização é favorável para fugas. A Vila Cruzeiro é uma das 13 favelas que formam o Complexo da Penha, que abriga cerca de 70 mil famílias. O conjunto de favelas fica a apenas 5 km do Complexo do Alemão, também apontada como base estratégica do CV. Além disso, as duas regiões são separadas por estradas de terra e morros de mata fechada propícias para serem usadas como rotas de fuga em perseguições policiais.
Criminosos constroem blocos de concreto para obstruir a passagem da polícia. Assim, os agentes precisam descer dos chamados caveirões, veículos blindados em operações perigosas, ficando na mira de traficantes na parte alta do morro. "Isso ocorre quando a policia está tentando entrar na favela por baixo, por causa da restrição do uso de helicópteros nas operações", diz o promotor Rodrigo Merli, do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo), responsável pela denúncia do caso Gritzbach.
Há uma área de mata na parte alta da favela, que é favorável para eventuais fugas em uma área de tráfico também beneficiada por outras atividades criminosas, como casos de extorsão e sequestro.
Delegado Marcus Amim, ex-secretário da Polícia Civil do Rio
O fato de a Vila Cruzeiro não estar localizada na zona sul do Rio também faz com que ali possa ocorrer uma ocupação por parte do tráfico com maior naturalidade em comparação com áreas mais elitizadas.
Mario Brum, professor da UERJ

Mais de 300 foragidos abrigados na Vila Cruzeiro

Líder do Comando Vermelho na Vila Cruzeiro tem perfil violento. Edgard Alves de Andrade, o Doca, um dos principais nomes do CV na região, lidera ações de enfrentamento contra as forças de segurança, atraindo apoio de aliados de outras regiões do país, explicam especialistas em segurança pública.
Mais de 300 criminosos de outros estados estão escondidos na Vila Cruzeiro, segundo relatórios da polícia. A informação da inteligência é de que o Doca aceita criminosos de outras facções do país e cobra por esse abrigo. "Seria uma outra fonte de renda ali da Vila Cruzeiro. Então, ele [Doca] cobra para esses outros criminosos se esconderem ali e com isso ganha mais recurso para comprar mais armas para eventualmente expandir o poderio bélico e o seu território", diz Rodrigo Merli.

Operação para prender dupla procurada por morte de delator do PCC precisaria de quase mil policiais, estima o MP de São Paulo. O narcotraficante Emilio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreiro, 44, é acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Vinicius Gritzbach, morto a tiros no aeroporto de Guarulhos (SP) em novembro de 2024, e teria se escondido no local. Além dele, Kauê Amaral, olheiro do PCC, também estaria escondido na Vila Cruzeiro.
Histórico de ajuda a criminosos procurados em outros estados. Um dos chefões do tráfico de Manaus vivia em uma casa confortável na Vila Cruzeiro. Em 2021, as polícias de Pará, Amazonas e Bahia se uniram em uma megaoperação que mirava prender Marcelo da Silva, o Jogador, apontado como líder do CV no Amazonas. Ele foi capturado em uma ação que resultou em 15 prisões e em três mortes.
Outro chefe do CV no Amazonas foi morto em ação policial na Vila Cruzeiro em maio de 2022. Condenado a sete anos de prisão por tráfico e investigado por um triplo homicídio em Manaus, o narcotraficante Roque de Castro Pinto Júnior morreu em uma operação policial que deixou 25 mortos.
Traficantes constroem casas de luxo na favela, com piscina, hidromassagem e áreas de churrasqueira. Uma operação da policia, em dezembro de 2024, revelou que criminosos foragidos estavam em locais assim, como o olheiro do PCC, que foi visto escondido em uma casa com essas características, segundo o Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa de São Paulo.
Quilombo deu origem à favela

Antes de virar favela, o local era conhecido como Quilombo da Penha. Diferentemente de outras favelas do Rio, que surgiram a partir dos anos 1970, a Vila Cruzeiro já era ocupada desde o fim do século 19. À época, um padre abolicionista cedeu o espaço para que pessoas escravizadas formassem um quilombo, sendo ainda hoje um polo de resistência cultural, conta Mario Brum, professor do Departamento de História da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Aumento da violência nas últimas duas décadas. Um dos casos de grande repercussão foi a morte do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, em 2002. O repórter apurava a atuação do crime organizado na Vila Cruzeiro quando foi capturado, torturado e morto por traficantes.
Fuga cinematográfica marcou história da região em 2010, quando as polícias do Rio de Janeiro realizaram uma operação para ocupar a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão. Na época, os traficantes fugiram a pé por uma estrada de terra e as imagens ganharam repercussão internacional como símbolo da retomada de um território até então ocupado pelo crime organizado.
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