Família de piloto morto pede norma contra drogas em aeronaves particulares

A família do piloto João Augusto Hjertquist Tremeschin, morto num acidente de helicóptero em 2022, questiona a ausência de uma norma nacional para controlar o uso de entorpecentes por pilotos de aeronaves particulares.

O que aconteceu

Tremeschin morreu após helicóptero cair na floresta do Parque Taipas, zona norte de São Paulo. A aeronave era comandada por Edison Alves, e João Augusto Tremeschin estava como copiloto. Eles partiram de um helicentro no Jaguaré, zona oeste de São Paulo, para buscar Guilherme Benchimol, presidente da XP, em Extrema (MG). O helicóptero pertence à empresa Majam, que tem entre os sócios José Berenguer, CEO da XP.

Comandante do helicóptero tinha 62 ng/ml de cocaína no sangue, revelou IML. O exame toxicológico de Alves realizado na necrópsia detectou cocaína e substâncias relacionadas a medicamentos como Clonazepam (ansiolítico), Venlafaxina (antidepressivo) e Zolpidem (usado para tratar insônia). O exame de Tremeschin deu negativo para todas as substâncias.

Foi instaurado inquérito policial, mas caso foi arquivado pelo MP. A perícia não conseguiu determinar a causa do acidente. "A atitude da aeronave ocorreu por fatores não determinados", diz o laudo. No fim de 2024, o Ministério Público decidiu arquivar o caso, por considerar que não é possível atribuir culpa criminal à Majam.

Atribuir culpa pelo acidente à empresa, sem a atribuição de uma autoria específica, séria e segura, é questão que foge à área criminal, devendo ser tratada no campo civil, ou seja, questão referente a eventual ilícito civil, passível de indenização

Marcelo Médici, promotor, no arquivamento dos autos

Anac não exige testes toxicológicos

Anac tem regras diferentes para aeronaves particulares. Para operações de transporte aéreo público vale o PPSP (Programa de Prevenção do Risco Associado ao Uso Indevido de Substâncias Psicoativas na Aviação Civil), que inclui iniciativas como exames toxicológicos. O programa não é exigido para aeronaves de uso privado.

Família pede mais controle de drogas pelas autoridades. Tânia Veiga Hjertquist e João Francisco Tremeschin, os pais do copiloto, tentaram responsabilizar a empresa por não verificar o uso de entorpecentes por Alves. Como o caso criminal foi arquivado, a família gostaria que autoridades como a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) endurecessem as regras.

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Tânia Veiga e o filho, o piloto João Augusto Hjertquist Tremeschin
Tânia Veiga e o filho, o piloto João Augusto Hjertquist Tremeschin Imagem: Arquivo pessoal

Nessa história, é como se Guto [Augusto] não tivesse existido, como se nunca tivesse passado pelo mundo. O que me traria um alento seria se a morte dele ajudasse a criar uma nova lei. Não culpo o comandante. A responsabilidade é do que permitiu que ele voasse: ele tinha acabado de voltar de uma licença longa e ninguém pensou se ele podia voar. Os pilotos merecem um olhar mais humanizado. É uma profissão de risco. Se não tiver um tratamento melhor, vão continuar caindo um atrás do outro

Tânia Veiga, mãe do piloto João Augusto Hjertquist Tremeschin

Anac informa que regulamento está sendo revisto. Ao UOL, a agência afirmou que atualmente não há exigência de exame toxicológico para o certificado, mas ponderou que o RBAC (Regulamento Brasileiro da Aviação Civil) passa por revisão, dentro da Agenda Regulatória da Agência para o biênio 2025-2026, para atualização das regras. "A inclusão de exames toxicológicos no processo foi abordada e será estudada ao longo do processo", afirmou.

De acordo com o estabelecido no regramento atual, não deve ser concedido CMA [certificado médico aeronáutico] a candidatos que possuam histórico médico ou diagnóstico clínico de transtorno mental e comportamental devido ao uso de substância psicoativa, o que inclui a síndrome de dependência induzida pelo álcool ou outras substâncias psicoativas

Anac, em nota ao UOL

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Acidentes aéreos no Brasil

Brasil teve 76 acidentes aéreos neste ano. Até junho, segundo dados do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Aeronáutica, 25 dos acidentes foram fatais.

Aeronáutica já fez recomendação à Anac ao avaliar outro acidente de aeronave particular. Num relatório de 2018, o Cenipa recomendou à agência acrescentar exames toxicológicos no processo para obtenção do certificado médico aeronáutico de pilotos, "visando prevenir o risco associado ao uso indevido de substâncias psicoativas na aviação civil".

Guto era responsável e dedicado. Era perito de acidente aéreo. Estudava, fazia treinamento todo ano. Ele tinha cumprido o dia dele, estava com o carro pronto para ir uma festa familiar, quando foi chamado para o voo. É preciso ter um atendimento humanizado, uma consideração de que o piloto é gente, de que ele é importante para uma mãe, um pai, os irmãos

Tânia Veiga, mãe do piloto João Augusto Hjertquist Tremeschin

Advogados da Majam e da JTBFly foram procurados para comentar o assunto. Majam encaminhou uma nota à reportagem, JTBFly, empresa que escalou Tremeschin como piloto, não respondeu.

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A Majam se solidariza com o luto das famílias dos pilotos envolvidos no trágico acidente aéreo, cuja real causa não foi identificada. Esclarece que o piloto já havia realizado outros voos no mesmo dia, sem qualquer intercorrência e a detecção de droga surpreendeu a todos. A empresa apoia toda e qualquer medida que vise aumentar a segurança dos voos particulares e comerciais em território nacional

Majam, em nota ao UOL

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