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Por que Michelle é vista como 'carta trunfo' na campanha de Bolsonaro?

O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama Michelle Bolsonaro em culto evangélico Imagem: Isac Nóbrega/PR

Do UOL, em São Paulo

15/08/2022 04h00

"Muita gente não quer que você escute o que a primeira-dama falou", diz uma publicação nas redes sociais de um perfil evangélico com mais de dois milhões de seguidores. O vídeo, publicado no início da semana passada, traz a fala da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em um culto realizado no domingo (7), na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte.

Nas últimas semanas, a primeira-dama ganhou reações positivas com seus discursos. Como aconteceu ao falar durante a convenção do PL, que oficializou a candidatura de seu marido à reeleição. A presença de Michelle é importante, segundo especialistas, para a campanha do chefe do Executivo, e colabora para evitar que o seu principal concorrente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vença ainda no primeiro turno.

No domingo passado, na igreja Batista da Lagoinha, Michelle disse que podem chamá-la de "louca" e "fanática", mas que ela vai continuar "orando". "Falo para ele [Bolsonaro], quando eu entro na sala dele e olho para ele: essa cadeira é do presidente maior, é do rei que governa essa nação", afirmou a primeira-dama ao lado do lado presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).

O UOL falou com a bancada evangélica e especialistas para entender por que Michelle é considerada a "carta trunfo" na campanha de Bolsonaro.

Apelo evangélico. Levantamento feito pela Casa Galileia, organização que promove iniciativas democráticas e plurais para públicos católicos e evangélicos, mostra que, nas últimas semanas, vídeos com a primeira-dama e publicações feitas por ela mesma têm ganhado destaque entre o público evangélico.

Ela tem um discurso forte e que a coloca como uma mulher corajosa, autêntica e que performa a imagem da igreja evangélica mais conservadora
Andrea Santos, pesquisadora da Casa Galileia e doutoranda em sociologia

O grupo monitora 200 perfis nas redes sociais. Na última semana de julho, o post de Michelle apareceu em segundo lugar no ranking com mais de 167 mil interações (curtidas, compartilhamentos e comentários) —o primeiro lugar foi do vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PL), com 223 mil interações. O vídeo de Michelle era do seu discurso na convenção do PL.

O UOL analisou o perfil de Michelle Bolsonaro no Instagram por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle. Michelle tem pouco mais de 3,2 milhões de seguidores na rede.

Nos últimos três meses, a publicação que atingiu o pico de interações em seu perfil foi o vídeo que a primeira-dama publicou no dia do lançamento da candidatura de Jair Bolsonaro. Michelle falou durante 12 minutos e, em diferentes momentos, citou sua religião. Somadas, as interações como visualizações, likes e comentários chegam a 361,8 mil.

Multiplicadora de curtidas. Ao UOL, o deputado e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirma que a presença de Michelle é mais forte nas redes sociais. "Hoje, quando posto algo sobre Bolsonaro, recebo "x" curtidas, visualizações, mas, quando posto qualquer coisa da Michelle, tenho 20 vezes mais curtidas", exemplifica.

Para ele, a chegada de Michelle na campanha de Bolsonaro é a "mais grata surpresa", além de importante e decisiva.

Por que a chegada de Michelle é decisiva? Para o deputado, a figura da primeira-dama na campanha ajuda o público feminino a olhar de outra maneira para candidatura de Bolsonaro.

"Existe a resistência por causa da figura militar que o presidente traz, mas a Michelle diminui isso. E ainda ajuda a consolidar um pequeno público entre os evangélicos que ainda não apoia Bolsonaro", diz Sóstenes.

Na última pesquisa Datafolha, encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro aparecia com 27% das intenções de voto entre as mulheres. Seu rival, Lula, tinha 46%.

Carisma. Andrea analisa também a forma como o discurso da primeira-dama acontece. "Ela não é só essa mulher tradicional evangélica, mas é carismática e fala com um certo tipo de humor. Quando ela diz 'meu marido é lindo, mas me estresso com ele', ela se aproxima da realidade das pessoas também", argumenta a pesquisadora.

Eduardo Grin, cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas), analisa que Michelle afaga um público que é mais refratário a votar em Bolsonaro. "A mulher evangélica é a mais preocupada com cuidados da casa e da família. É a que mais sente na pele a dificuldade da compra do alimento, da carestia da vida", analisa.

Grin concorda que a imagem da primeira-dama ameniza Bolsonaro. "Ela é muito mais carismática que Bolsonaro, que é carrancudo, chulo, sempre usando palavrões, sempre virulento. Ela consegue passar uma ideia de que a campanha e a presença dela dá mais brandura, mais calma".

Conservadores. O discurso de Michelle ganha espaço também entre os eleitores que não são evangélicos declarados, mas são considerados conservadores.

Michelle é a carta trunfo da campanha do Bolsonaro. Ela consegue dialogar com as mulheres, comover o público evangélico e também as pessoas em geral, que defendem os valores conservadores. Acredito que o plano de campanha era Michelle aparecer agora, em um momento estratégico."
Andrea Santos, pesquisadora da Casa Galileia

Intolerância religiosa. Dias depois do discurso, Michelle compartilhou nas redes sociais uma publicação que afirma que Lula "entregou sua alma para vencer essa eleição". Ao compartilhar em seu perfil, a primeira-dama ainda escreveu: "Isso pode, né! Eu falar de Deus, não!".

No vídeo, o petista está em um encontro com lideranças de religiões de matriz africana. Para a pesquisadora, essa linha de publicações segue um modelo também compartilhado por grandes figuras evangélicas que atacam religiões como a umbanda e o candomblé.

"É importante dizer sobre o fundamentalismo que existe nas declarações da Michelle e como ela flerta com essa extrema direita evangélica. Ela reitera que a nação é Deus e nisso não cabe pluralidade religiosa", explica Andrea.

Eduardo Grin diz que Michelle consegue explorar a ideia de "bem contra o mal" na campanha bolsonarista. "Ela ajuda a demarcar um campo conservador: ela é também a proprietária do que é o verdadeiro Deus.

A figura dela representa a lógica da campanha de Bolsonaro, do Lula como demônio e Bolsonaro como o bem. Ela vai reforçar essa ideia da campanha do bem contra o mal
Eduardo Grin, cientista político

Cheques depositados por Queiroz: Michelle Bolsonaro apareceu envolvida no esquema das "rachadinhas" da família Bolsonaro. Fabrício Queiroz, amigo do presidente, depositou milhares de reais na conta da primeira-dama. Queiroz era assessor de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e foi apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como articulador do esquema de "rachadinhas".

Bolsonaro já reconheceu que os cheques depositados por Queiroz na conta da primeira-dama eram para ele próprio, afirmando serem pagamento de um empréstimo que teria feito a Queiroz. As investigações da rachadinha foram interrompidas após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anular as provas coletadas pelo Ministério Público.

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