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Fachin vê risco de violência política e limita decretos de acesso a armas

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

05/09/2022 13h41Atualizada em 05/09/2022 20h19

O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou ver risco de violência política nas eleições deste ano e determinou hoje a suspensão de trechos de decretos em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) facilitou a compra e o porte de armas de fogo.

Além disso, o magistrado restringiu os efeitos de uma portaria conjunta em que os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Defesa liberam a compra mensal de até 300 unidades de munição esportiva calibre 22 de fogo circular, 200 unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm, e 50 unidades das demais munições de calibres permitidos.

A decisão ocorre dentro de três processos em que PT e PSB dizem que os atos de Bolsonaro violam dispositivos do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. "Deve-se indagar se a facilitação à circulação de armas, na sociedade, aumenta ou diminui a expectativa de violência privada", questiona o ministro.

O advogado Angelo Ferraro, que representa o PT na ação, comemorou a decisão de Fachin. "Diversos estudos livres de ideologia mostram que a afirmação de que o maior número de armas reduz a criminalidade não é verdadeira, lembra.

Demora de Nunes Marques

Os julgamentos começaram em março de 2021 e foram suspensos três vezes, pelos ministros Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Kassio Nunes Marques -esse último não destravou a continuidade das ações desde setembro, quando pediu mais tempo para analisar o caso.

Além do risco de violência política, Fachin afirmou que, por mais que seja recomendável aguardar o voto de Nunes Marques, indicado ao STF por Bolsonaro, a decisão deve ser tomada porque se passou mais de um ano desde o início das deliberações, além do risco de violência política.

"Conquanto seja recomendável aguardar as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar a fim de resguardar o próprio objeto de deliberação desta Corte. Noutras palavras, o risco de violência política torna de extrema e excepcional urgência a necessidade de se conceder o provimento cautelar", escreveu Fachin.

Com a determinação de Fachin, tomada em regime de urgência, a decisão, que começa a vigorar nesta segunda-feira (5), fica válida mesmo com novos pedidos de vista no plenário virtual, em que os magistrados inserem votos no sistema eletrônico do STF. Ainda não há data marcada para o início do julgamento.

O que determina Fachin

Em sua determinação, o ministro Edson Fachin afirma que a posse de armas de fogo só pode ser liberada para pessoas que comprovem ter efetiva necessidade por motivos profissionais ou pessoais. Ele determina ainda que a aquisição de armas de uso restrito só deve ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional —não em razão do interesse pessoal. Quanto à quantidade de munições adquiríveis, o magistrado determinou que elas se limitem àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta o necessário à segurança dos cidadãos.

Um dos decretos derrubados é o que inclui moradores de áreas urbanas consideradas violentas entre os grupos de pessoas aptas a pedirem autorização para obter armas de fogo sem precisarem comprovar a necessidade.

O ministro lembra que as normas editadas pelo governo federal dão aos chamados CACs (colecionadores, atiradores e caçadores certificados) permissão para adquirir até 60 unidades de armas de fogo. O número, segundo o ministro, é "absolutamente incompatível com as realidades fática e normativa do Estado brasileiro".

Ex-ministro obteve acesso a arma das Forças Armadas

A arma do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que fez um disparo acidental em abril deste ano num aeroporto em Brasília, só foi liberada para o uso de qualquer cidadão com autorização de porte após decreto editado por Bolsonaro. A PF (Polícia Federal) emitiu autorização para porte de arma de fogo ao ex-ministro em dezembro de 2020 —cinco meses depois de ele ter assumido o comando da pasta no governo Bolsonaro. Indicado ao posto por sua formação religiosa, o pastor presbiteriano tem em seu nome uma pistola Glock, calibre 9mm, com licença válida até 2025

Documentos aos quais o UOL teve acesso mostram ainda que a PF deferiu o pedido de porte duas semanas depois de o então ministro ter protocolado requerimento pela internet. O tempo médio estimado para a prestação desse serviço é de 31 a 60 dias, segundo o governo federal.

Certificado de porte de arma do ex-ministro Milton Ribeiro. A licença foi concedida 5 meses depois de o pastor ter tomado posse no MEC - Reprodução - Reprodução
Certificado de porte de arma do ex-ministro Milton Ribeiro. A licença foi concedida 5 meses depois de o pastor ter tomado posse no MEC
Imagem: Reprodução

As ações do PT e do PSB

A norma questionada pelo PT é o Decreto 10.030/2019, que alterou os Decretos 9.845/2019 e 9.847/2019, e a Portaria Interministerial 1.634/2020 dos Ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública e ampliaram de 200 a 600 por ano para 550 a 650 mensais a quantidade de munição permitida por arma de fogo no Brasil.

Segundo a sigla, um dos resultados desse aumento de até 3.200% é que o crime organizado e as milícias podem passar a "se abastecer de artefatos bélicos adquiridos regularmente por pessoas registradas", para alimentar as redes de tráfico de drogas e outros crimes.

Na avaliação do partido, conceder maior acesso a armas de fogo não significa um aumento do controle dos índices de criminalidade. "De igual forma, não representa uma maior segurança do cidadão armado", argumenta o PT.

O pedido do PT é que o ato questionado seja interpretado com base no pressuposto da proteção à vida e à segurança da população e na garantia do monopólio do uso legítimo da força pelo Estado, a fim de que a aquisição de armamento se restrinja a quantidade suficiente à proteção do particular. A interpretação conforme a Constituição Federal visa a reafirmar que a segurança pública é dever do Estado, vedando-se a banalização do armamento da população.

O PSB pede que se estabeleça a interpretação segundo a qual a posse de armas de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem, por razões profissionais ou pessoais, possuir efetiva necessidade. No pedido, o partido questiona edição do Decreto 9.785/2019, que, ao revogar a norma anterior, passou a dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição.

Também nesse processo, há pedido de interpretação conforme a Constituição a dispositivo do Estatuto do Desarmamento. Entre outros pontos, o PSB afirma que o decreto, ao estender o porte para diversas categorias profissionais, viola os princípios do direito à vida e da proporcionalidade.