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Bolsonaro defende direito de ir e vir; Ciro Nogueira dá início à transição

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

01/11/2022 16h44Atualizada em 01/11/2022 19h19

O presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu na tarde de hoje o silêncio, que durava quase dois dias, desde que foi derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele afirmou que "manifestações pacíficas são bem-vindas" —referindo-se aos bloqueios nas estradas promovidos por apoiadores desde domingo (30). Por outro lado, criticou atos de violência e disse que "o direito de ir e vir" da população deve ser preservado.

O pronunciamento ocorreu no hall de entrada do Palácio da Alvorada, a residência oficial da chefia do Executivo federal, e durou cerca de dois minutos. Após o discurso, coube ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), anunciar o início do processo de transição de governo. Os trabalhos serão coordenados pelo vice-presidente eleito, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB).

O que o presidente disse em seu discurso (leia a integra):

  • Pediu que as manifestações respeitassem o direito de ir e vir;
  • Atacou o sistema eleitoral e não reconheceu a derrota para Lula;
  • Terceirizou para o ministro Ciro Nogueira o início do processo de transição;
  • Manteve o tom da campanha, atacou a esquerda e o presidente eleito;
  • Afirmou que "a direita veio para ficar" e destacou a vitória de aliados.

Bolsonaro chamou de "movimentos populares" os protestos de bolsonaristas que não aceitam o revés nas urnas. Para o presidente, os atos, em que os manifestantes defendem um golpe de Estado, são "fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral". Desta vez, ele não mencionou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nem os ministros da Corte — que foram reiteradamente atacados em discursos anteriores do chefe do Executivo.

Na sequência de sua fala breve, Bolsonaro mudou o tom e afirmou que "nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir".

Rivalidade ideológica. Assim como fez em toda a campanha eleitoral, Bolsonaro tentou associar à esquerda atos de violência e condutas antidemocráticas e disse que continuará a "cumprir todos os mandamentos da Constituição". Primeiro presidente na história a não se reeleger, ele ficará no cargo até o dia 31 de dezembro.

"Sempre fui rotulado como antidemocrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar a mídia e as redes sociais. Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição", disse hoje.

Aval para transição. Ciro Nogueira afirmou que deve começar o processo de transição na próxima quinta-feira (3) junto com vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). O ministro disse ter sido autorizado por Bolsonaro a assumir a função.

O presidente Jair Bolsonaro autorizou, quando for provocado, com base na lei, a iniciarmos o processo de transição
Ciro Nogueira (PP), ministro da Casa Civil

"A presidente do PT [Gleisi Hoffmann], segundo ela, em nome do presidente Lula, disse que na quinta será formalizado o nome do vice-presidente [eleito], Geraldo Alckmin. Aguardaremos que isso seja formalizado para cumprir a lei do nosso país."

Antes de iniciar o pronunciamento, Bolsonaro virou para Ciro e disse: "Eles vão sentir saudade da gente, né?". O candidato derrotado não parabenizou Lula, tampouco citou o nome do presidente eleito.

44 horas de silêncio. Às 16h de hoje, completaram-se 44 horas que o resultado da eleição foi proclamado. O pronunciamento se iniciou às 16h35 — a imprensa foi convocada às 14h37 para o discurso, cujo início estava previsto para 15h.

O período em silêncio do atual presidente serviu de munição para a continuidade dos bloqueios feitos por caminhoneiros bolsonaristas, que rejeitam o resultado da eleição e apoiam o golpe. Em grupos de trocas de mensagens, bolsonaristas defendem a continuidade dos protestos, afirmando que, "se o presidente disser para pararmos, ele quer que continuemos" e "não é para ninguém desistir".

Manifestação do STF. Depois de se pronunciar no Alvorada, Bolsonaro foi ao Supremo Tribunal Federal — dos 11 magistrados, 9 estavam presentes. Apenas Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se ausentaram, por estarem fora de Brasília.

Por meio de nota, o STF destacou a "importância do pronunciamento do presidente da República em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios" nas estradas.

A Corte também observou que o atual governo determinou início da transição, assim reconhecendo o "resultado final das eleições".

Entra e sai de autoridades. Antes do pronunciamento, uma série se autoridades foi chamada ao Palácio do Alvorada. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) chegou por volta das 14h10 acompanhado do ministro da Casa Civil (PP). Ambos estão entre as principais lideranças do centrão.

Dos 23 ministros, 20 estavam presentes, entre os ministros presentes estavam Paulo Guedes (Economia), Anderson Torres (Justiça) e Marcelo Queiroga (Saúde) — um dos ausentes foi Fabio Faria (Comunicações). A primeira-dama Michelle Bolsonaro e os filhos Flávio e Carlos Bolsonaro também não acompanharam o discurso no Alvorada.

Pouco antes dos ministros de Bolsonaro chegarem, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, deixou o local. Ele também está entre os principais nomes do centrão.

Também foram ao Alvorada o assessor Filipe Martins e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente.

Reuniões e suspense. O salão do Palácio do Planalto estava preparado desde o começo da manhã de segunda-feira para um pronunciamento do presidente. Mas até que a manifestação ocorresse, uma série de reuniões foi realizada para que o presidente definisse qual resposta daria à derrota.

As primeiras ocorreram na residência oficial da Presidência, o Palácio do Alvorada. Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chegou às 7h35. Na sequência, houve um encontro com o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general Braga Netto (PL), que entrou no Alvorada às 9h04. Meia hora depois um comboio de quatro carros levou o presidente para o Palácio do Planalto.

No novo local e outros personagens surgiram. O deputado Ricardo Barros (PP-PR) apareceu no final da manhã, subiu e saiu sem falar com a imprensa. O senador eleito Magno Malta (PL-ES) chegou num Porsche e entrou sem dar entrevista.

No começo da tarde, foi realizada mais uma reunião. Como publicou a colunista Carla Araújo, participaram os ministros próximos a Bolsonaro como Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Célio Faria (Secretaria de Governo). O encontro ajudou a decidir o tom a ser usado.

Na sequência, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio foi convocado a comparecer no Planalto por volta das 15 horas. Isto ocorreu quando o resultado das eleições havia sido proclamado havia quase 20 horas e o presidente continuava em silêncio.

Silêncio recorde. Antes de Bolsonaro, nunca um candidato derrotado no segundo turno de uma corrida presidencial terminou o domingo das eleições sem falar à população brasileira. Ele ficou em silêncio desde as 19h57 de domingo, hora em que foi definida a vitória de Lula.

A postura do presidente contraria a informação inicial da Secom (Secretaria Especial de Comunicação) de que Bolsonaro se manifestaria ao final da apuração. Na noite de domingo, o isolamento voluntário de Bolsonaro chegou ao nível de não receber nem mesmo ministros. Os que foram até seu encontro, como Adolfo Sachsida, das Minas e Energia, ouviram a resposta de que o presidente estava dormindo.

Aliados de Bolsonaro reconheceram derrota. Alguns aliados mais próximos fizeram posts nas redes sociais reconhecendo a vitória de Lula. A ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) fez uma publicação no Instagram admitindo a derrota.

"Perdemos uma eleição, mas não perdemos o amor pelo país. Bolsonaro deixará a Presidência da República em janeiro de cabeça erguida".

O senador eleito Sergio Moro (União-PR) também reconheceu a derrota. Ele foi aos debates com Bolsonaro no segundo turno e assumiu posição contrária a Lula.

"A democracia é assim. O resultado de uma eleição não pode superar o dever de responsabilidade que temos com o Brasil."

Bolsonarista das mais engajadas, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) também admitiu a derrota. Ela prometeu uma oposição ferrenha aos governos petista. "E lhes prometo, serei a maior oposição que Lula jamais imaginou ter".