Versão comportada de Boulos é concorrente ao prêmio Picolé de Chuchu 2024

Até onde se sabe, Geraldo Alckmin, hoje no PSB, jamais esperneou quando chamado de "Picolé de Chuchu".

Num tempo em que a palavra "ressignificar" nem existia, o ex-tucano fez da hortaliça uma paleteria mexicana e, com o carisma de quem vai fazer a plateia dormir nos primeiros oito minutos de conversa, conseguiu se eleger governador em São Paulo em 2002, 2010 e 2014.

Em 2006, o pin-da-mo-nhan-ga-ben-se competiu ombro a ombro com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial — e só começou a perder voto quando rasgou o figurino e partiu para cima do então oponente. Na época, palavrão era vetado em TV aberta.

Quem assiste aos embates daqueles tempos ainda corre risco de concussão ao imaginar que um seria vice do outro na chapa vitoriosa de 2022.

O fato é que Alckmin atravessou a maioridade do novo século com o mesmo figurino. Por cerca de 18 anos sobreviveu não apesar do jeito insosso de falar e mostrar trabalho, mas por causa disso.

Por alguma razão, parte do público (nossos avôs e avós, por exemplo) associavam aquele jeito polido, monocórdico e sem sangue nos olhos a uma certa credibilidade na gestão da coisa pública. Uma linguagem parecida ainda hoje com o grego — em contraste com a paixão emanada por lideranças já na época chamada de "radicais", geralmente vindas do meio estudantil ou operário.

Alckmin, por sua vez, era o chefe de repartição que por trás dos óculos de aro fino e dos oito fios de cabelo sobreviventes em uma testa avantajada comunicava que nunca iria atrasar mais de dois segundos para bater o ponto no Palácio dos Bandeirantes.

A tática funcionou até 2018, quando Jair Bolsonaro surgiu no cenário e engoliu tudo o que via pela frente — inclusive a carcaça do velho PSDB, onde os eleitores conservadores se aninharam, convictos ou a contragosto, por anos.

Sob a cartilha de Steve Bannon, o estrategista por trás de Donald Trump, a política passou a ser pautada por sentimento e emoção. Não que não estivesse em cena nos tempos em que o polido Alckmin conquistava mentes e corações pelo interior paulista, mas o sentimento ali era outro. Algo como: política é para os especialistas, e delegamos a caras como ele o trabalho que ninguém quer fazer.

Continua após a publicidade

A mudança no espírito do tempo fez Alckmin colher traços de audiência na eleição vencida pelo ex-militar que prometia botar bomba em quartel general no Rio.

Desde então, "polarização" entrou no léxico do eleitor. Vence quem fala mais alto. Sempre? Mais ou menos.

Na eleição paulistana, o que mais chama a atenção é a postura de candidatos à esquerda de quem se esperava um enfrentamento, digamos, com mais decibéis em relação aos postulantes do campo conservador: um falso bolsonarista abraçado por Bolsonaro e um bolsonarista-raiz rejeitado pelo líder da tropa.

Enquanto este último esperneia, Boulos faz o papel de bom moço da campanha. Parece o tempo todo disposto a provar que não é o "invasor" malvado retratado por adversários.

Prova disso é a postura do candidato do PSOL em sabatina promovida pelo UOL e a Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira (9). "Desde que jogava futebol, quando moleque sempre fui um jogador disciplinado, nem cartão amarelo tomava, quanto mais o vermelho", disse ele já no início da conversa, ao prometer respeitar as regras do bloco.

Continua após a publicidade

A estratégia parece clara: com os votos do campo progressista relativamente assegurados em torno de 20%, ele joga de olho em uma eventual participação no segundo turno, quando precisará reduzir a rejeição (hoje em 37%) para conquistar uma outra fatia do eleitorado.

Para isso, precisa provar que por trás da voz grossa e da barba por fazer está um candidato disciplinado, que já liderou ocupação, vestia jaqueta preta, mas hoje fala manso, recebe visitas de presidente e da família para café com bolo, só veste branco e azul claro e sorri o tempo todo.

O risco é que, nessa conversão, o outsider da campanha de 2020, que soube usar as redes para falar com o público mais jovem (e que hoje, quatro anos mais velho, está no colo da novidade da vez, Pablo Marçal), se transforme em um novo picolé de chuchu.

Neste quesito Boulos tem uma concorrente à altura.

Apoiada oficialmente por Geraldo Alckmin, o patrono do gelato sem gosto, Tabata Amaral (PSB) até arriscou um samba quando decidiu atacar Marçal de frente. Mas basta ver um microfone na frente e já corre para mostrar tudo o que sabe sobre números, projetos e projeções. Difícil é a melhor aluna da sala fazer os meninos do fundão fazerem silêncio enquanto tira outro 10 no seminário.

O problema é que este jogo é definido pelos picolés da emoção. Os sabores favoritos são a raiva, o medo e o deboche.

Continua após a publicidade

Tabata é um programa educativo do Canal Futura tentando falar a um público viciado na dopamina dos filmes de ação e terror exibidos por Marçal, Bolsonaro e companhia. E com eles não há meio termo se não amor ou ódio.

Boulos, com sua versão bem comportada, tenta tomar caminho distinto do radical que muitos esperavam entrar em cena. O que é postura insossa hoje pode ser o trunfo de amanhã.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes