OPINIÃO
Por que até bolsonaristas evitam camisa amarela da seleção na eleição 2024?
Da última década para cá, nenhum item dos clichês da identidade nacional passou por mais processo de ressignificação do que a camisa amarela da seleção.
Até os 7 a 1 contra a Alemanha, aquele era o uniforme que fazia tremer as bases e as pernas de adversários do mundo todo.
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Desde então os canarinhos e canarinhas sequer passaram das quartas-de-final dos Mundiais. E, conforme a camisa perdia prestígio esportivo, ganhava aura de símbolo político em protestos/micaretas contra tudo e contra todos.
Parecia um caminho sem volta: o patriotismo pedia um símbolo, e a camisa tão maltratada por Tite e Felipão era resgatada por quem jurava reerguer também os valores esquecidos em alguma aula de educação moral e cívica dos tempos da ditadura.
O que era piada em ano de Copa se tornou, assim, um ativo de candidatos que não tinham ideias, programas ou identidade partidária. Mas tinham um símbolo, e em tempos de comunicação visual é o que importa.
Jair Bolsonaro foi eleito assim em 2018. Com ele, uma multidão de patriotas que não gostam de samba nem de qualquer outro ritmo, filme ou livro produzidos no país. Mas que aprenderam com os Teletubbies que cores primárias têm poder.
O figurino amarelado deixava entrever uma mensagem subliminar: se visto as cores da bandeira e da CBF é porque sou o verdadeiro brasileiro; os demais são isentões ou comunistas, não exatamente nesta ordem. Nem em tourada vestir vermelho representou tanto risco como em ano de eleição.
E isso alterou todo o jogo.
A lavada foi tanta que, em 2022, quem torcia o nariz para o pachequismo alheio decidiu disputar as cores da bandeira e re-ressignificá-la às vésperas de outra eleição - e outra Copa.
Dois anos depois, a tão disputada amarelinha parece ter sumido da propaganda de candidatos e candidatas. Mesmo dos mais identificados com o bolsonarismo.
Em São Paulo são dois, e nenhum deles parece disposto a fazer cosplay de Neymar para pedir votos.
Ricardo Nunes (MDB), que tem o apoio oficial (ou nem tanto) de Bolsonaro, não larga o terno escuro sobre a camisa azul clara (ou vice-versa).
E Pablo Marçal (PRTB), que disputa a preferência da direita com o atual prefeito, passa longe do padrão patriota. Prefere o blazer estruturado e o boné azul faria limer.
Talvez a história fosse outra se eles disputassem votos no interior, onde o bolsonarismo verde-amarelo tem ainda mais apelo do que a moda de viola.
Bolsonaro teve mais votos do que Lula no estado de São Paulo em 2022, mas perdeu na capital. Hoje 60% dos paulistanos, segundo o Datafolha, dizem que não votariam de jeito nenhum em um candidato apoiado pelo ex-presidente - 16% dizem o contrário.
Usar o mesmo figurino do aliado tóxico, portanto, não é lá muito inteligente nos arredores do rio Pinheiros. Principalmente depois da prisão daquele parente que invadiu a sede dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
A juventude pode até ser mais conservadora hoje do que em outros tempos, mas a rejeição à estética paterna é a lógica em qualquer geração.
Marçal sabe disso. Sabe também que de 2018 para cá o tiozinho patriota envelheceu (mal) e que o novo sempre vem.
Só precisa, portanto, vender a mesma proposta com uma embalagem mais moderna.
Não é só em São Paulo que isso acontece.
Nas cinco maiores capitais do país, Alexandre Ramagem (PL), no Rio, é um dos poucos candidatos bolsonaristas que veste o figurino do ex-patrão. Mesmo assim, não é sempre.
Colar e vestir, literalmente, a camisa de Bolsonaro foi única forma encontrada para sair do traço de audiência e disputar com Eduardo Paes (PSB) a preferência dos que apertaram 22 há dois anos. Hoje ele tem 47% de apoio dos eleitores bolsonaristas, segundo o Datafolha (eram só 22% em agosto).
Bruno Engler (PL), candidato bolsonarista em Belo Horizonte, também não aposentou de todo a camisa, ostentada por ele em carreatas e atos ao lado do próprio ex-presidente ou lideranças como o conterrâneo Nikolas Ferreira (PL).
Dessa maneira, ele cresceu entre eleitores conservadores e passou a ameaçar o favoritismo de Mauro Tramonte (Republicanos), candidato que busca o voto conservador moderando o radicalismo disfarçado nas cores verde e azul claro.
O mesmo não acontece em Salvador e Fortaleza, as maiores cidades do Nordeste.
A popularidade do presidente Lula (PT) por lá levou os candidatos Bruno Reis (União Brasil) e André Fernandes (PL), ambos apoiados por Bolsonaro, a deixarem a amarelinha no armário para não assustar os eleitores.
Na capital baiana, segundo pesquisa Quaest, 44% dos eleitores gostariam que o futuro prefeito fosse aliado de Lula, enquanto só 12% dizem o mesmo de Bolsonaro.
Em Fortaleza, o racha do PT com o PDT de Ciro Gomes fez os candidatos progressistas perderem espaço para o candidato oficial do bolsonarismo. Mas mesmo assim Fernandes evita o figurino do padrinho na cidade onde Lula obteve 60% dos votos no segundo turno de 2022. Prefere, a exemplo de Marçal, o blazer estruturado e o boné azul.
Pois é. O bolsonarismo sem Bolsonaro é jovem, aprendeu técnicas de coaching e parece ter candidatos a herdeiro espalhados nas disputas municipais. O ídolo dos acampados que se cuide. A amarelinha também.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL