De Marçal a desânimo com a política: SP teve a maior abstenção da história

O desânimo com a política, a facilidade para justificar ausência, a boa vantagem de Ricardo Nunes (MDB) sobre Guilherme Boulos (PSOL) nas pesquisas e até o fenômeno Pablo Marçal (PRTB) contribuíram para que o segundo turno da eleição municipal em São Paulo registrasse abstenção de 31,54%, a maior desde a redemocratização.

O que aconteceu

As abstenções foram maiores do que os votos em Boulos. Cerca de 2,9 milhões de eleitores não foram votar no domingo (27), mais do que os 2,3 milhões de eleitores do psolista, que recebeu 40,65% dos votos. Quando somadas as abstenções aos 665 mil votos brancos e nulos, o número supera os 3,3 milhões de votos recebidos por Nunes, que se reelegeu com 59,35%.

Abstenção é diferente de voto branco e nulo. Ela acontece quando o eleitor não comparece à urnas. No voto branco ou nulo, o cidadão precisa se deslocar até o local de votação. Ele pressiona a tecla "branco" na urna eletrônica ou anula digitando um número de candidato inexistente e pressionando a tecla "confirma".

O recorde de abstenções anterior era o da eleição passada. Em ano de pandemia, 30,8% dos eleitores não foram às urnas em 2020, quando Bruno Covas (PSDB) também venceu Boulos.

A abstenção este ano foi a maior desde a redemocratização. Em 1988, apenas 6,9% dos eleitores não foram às urnas. Desde então, a abstenção só cresceu:

  • 2024 - Guilherme Boulos X Ricardo Nunes: 31,54% (Nunes venceu)
  • 2020 - Bruno Covas X Guilherme Boulos: 30,81% (Covas venceu)
  • 2016 - Houve apenas primeiro turno: 21,8% (João Doria venceu Haddad)
  • 2012 - José Serra X Fernando Haddad: 19,99% (Haddad venceu)
  • 2008 - Gilberto Kassab X Marta Suplicy: 17,54% (Kassab venceu)
  • 2004 - José Serra X Marta Suplicy: 17,55% (Serra venceu)
  • 2000 - Marta Suplicy X Paulo Maluf: 15,16% (Marta venceu)
  • 1996 - Celso Pitta X Luiza Erundina: 18,11% (Pitta venceu)
  • 1992 - Paulo Maluf X Eduardo Suplicy: 12% (Maluf venceu)
  • 1988 - Luiza Erundina X Paulo Maluf: 6,98% (Erundina venceu)
Erundina, que venceu Maluf no segundo turno da eleição de 1988, voltou a enfrentá-lo em 2004, ele pelo PP e ela pelo PSB. Naquela eleição, José Serra (PSDB) venceu a disputa contra Marta Suplicy (PT) no segundo turno
Erundina, que venceu Maluf no segundo turno da eleição de 1988, voltou a enfrentá-lo em 2004, ele pelo PP e ela pelo PSB. Naquela eleição, José Serra (PSDB) venceu a disputa contra Marta Suplicy (PT) no segundo turno Imagem: Sergio Zacchi/Folha Imagem

Candidatos não animam

A periferia se frustrou com o PT desde que Fernando Haddad foi prefeito, diz o cientista político Rudá Ricci. "Naqueles anos, o PT abandonou a periferia, que se sentiu traída", diz o presidente do Instituto Cultiva. Quando Haddad tentou se reeleger, em 2016, o antes eleitor assíduo do partido —morador das zonas leste e sul— ajudou a escolher o então tucano João Doria já no primeiro turno.

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Em 2020, Jilmar Tatto recebeu 8,65% dos votos válidos, o pior resultado do PT em sua história na capital. Quem chegou ao segundo turno foi Boulos, cujo desempenho o cacifou para receber este ano o apoio —e verbas— do PT, que abriu mão de candidato próprio. "Mesmo assim, nem todo eleitor do PT engoliu o Boulos", diz Ricci. "Tanto que 48 mil eleitores cravaram 13 [número do PT] no primeiro turno. Não acho que foi apenas engano."

A frustração também é com a direita, diz Ricci. "Não é uma questão ideológica ou de personalidade política", afirma. "O eleitor que antes votava no PSDB também não encontrou substituto na capital."

Sem alternativas, "o eleitor está esgotado". "A questão é saber o que motiva o eleitor. Ele não está acreditando nas alternativas. Ele quer uma, mas não encontra."

Efeito Marçal?

Parte do eleitor de Marçal pode ter preferido não sair de casa. O próprio influenciador estava na Europa no segundo turno e não votou. "Se depois da live com o Boulos o eleitor do Marçal ficou em dúvida, ele preferiu se abster ou votar nulo", diz Ricci.

Live de Marçal com Boulos
Live de Marçal com Boulos Imagem: Reprodução/YouTube
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Além de desmotivado, o eleitor não precisa sair de casa para justificar sua abstenção. Desde 2020, o e-título permite justificar a ausência na votação pelo aplicativo da Justiça Eleitoral. A ausência pode ser justificada no dia da votação ou em até 60 dias após a data do pleito. Quem deixa de justificar no prazo paga multa de R$ 3,51 por turno não justificado. Se não pagar, a pessoa fica impedida de emitir documentos, efetuar matrícula em universidades públicas e receber salário em cargo público.

A mudança de domicílio eleitoral também derruba o comparecimento. "Muitas pessoas se mudam para São Paulo, não transferem o título eleitoral e continuam não votando", diz o cientista político Fábio Andrade, professor de Relações Internacionais da ESPM.

A vantagem de Nunes indicada pelas pesquisas pode ter desmobilizado parte do eleitorado. "Uma campanha acirrada faz com que haja a ampliação do interesse do eleitor pela disputa, e com isso se reduz a abstenção", diz Andrade.

A abstenção é historicamente mais baixa no primeiro turno. "Uma hipótese é que as campanhas de vereadores nas ruas mobiliza mais pessoas, e com isso a abstenção é menor", afirma.

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