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Moradores fazem homenagem ao guardião espiritual do Merapi, morto durante a erupção

Pessoas jogam pétalas de flores sobre o túmulo de Mbah Marijan, o "guardião espiritual" do vulcão - Dwi Oblo/Reuters
Pessoas jogam pétalas de flores sobre o túmulo de Mbah Marijan, o "guardião espiritual" do vulcão Imagem: Dwi Oblo/Reuters

Do UOL Notícias*

Em São Paulo

28/10/2010 22h46

Os moradores do vilarejo de Umbulhardjoda, na ilha de Java (Indónesia), fizeram nesta quinta-feira uma última homenagem a Mbah (avô) Marijan, o guardião espiritual do Merapi, escolhido para personificar e acalmar o vulcão. Pétalas foram espalhadas sobre o túmulo, em um cerimônia privada dedicada ao homem de 83 anos que se recusou a abandonar a casa em que morava próxima ao monte e morreu vítimas das cinzas escaldantes.

O vulcão entrou novamente em erupção nesta quinta-feira (28), dois dias depois que sua primeira erupção levou à morte 35 pessoas, voltando a expelir grandes nuvens de cinza e jatos de gás. Mais de 40 mil pessoas deixaram a área ao redor do vulcão ou foram removidas pelas autoridades antes da primeira erupção, mas muitos moradores da região haviam começado a retornar para casa, depois que o Merapi pareceu mais calmo, na quarta-feira.

O corpo de Marijan foi retirado na manhã desta quarta-feira (27) dos escombros de sua casa, a quatro quilômetros da cratera. O telhado e tudo que havia dentro estava coberto por um manto de cinzas.

O ancião de rosto magro estava de cócoras, em uma posição de oração, como se tivesse tentado até o final acalmar a fúria do vulcão. Junto a ele estava o corpo de um jornalista, que correu até a casa do guardião para pedir que ele fugisse, seguindo a ordem de evacuação emitida na véspera pelas autoridades. Marijan se recusou a abandonar a casa: "É melhor ficar aqui e rezar", respondeu, segundo um socorrista que tentou levá-lo para um local seguro antes da erupção.

Marijan era uma figura muito respeitada em Java, ilha dominada pelo misticismo, onde o Merapi é ao mesmo tempo sagrado e temido.

O velho sacerdote havia sido nomeado pessoalmente por Hamengkubuwono IX, sultão de Yogyakarta, maior cidade aos pés do vulcão, para zelar pelo respeito às tradições e costumes ligados ao Merapi.

Ele coordenava a cerimônia anual do Labuhan, durante a qual são feitas oferendas ao vulcão para confirmar a aliança entre o palácio do sultão e o mundo dos espíritos que habitam a montanha.

As superstições são importantes entre os javaneses, a maioria muçulmanos cuja fé representa um sincretismo que mescla o islã a outras tradições, como a animista, a budista e a hinduísta.

Para prever uma erupção, os moradores frequentemente confiam mais na observação do nascer do sol e na interpretação de sonhos do que nos cientistas. E quando o vulcão de 2.914 metros começa a rugir, as mulheres cozinham doces envoltos em folhas de coqueiro para oferecê-los nas portas e tentar acalmar sua fúria.

Na erupção anterior, Marijan havia subido ainda mais perto da cratera para dois dias de meditação, apesar dos rios de lava e das nuvens ferventes. "Ele considerava que seu mandato era cuidar da montanha. Às vezes, perguntava: 'De que serviria um guardião que abandona seu posto?'", explicou Damarjati Supajar, professor de filosofia de Yogyakarta, que estudou as relações entre os homens e o Merapi.

Mais de 10.000 pessoas vivem nas imediações do vulcão --e, apesar do risco, são gratos a ele pela terra fértil onde plantam frutas e verduras. "Para nós, Marijan era tão importante quanto o Merapi. Agora que ele já não está, quem vai cuidar do vulcão? O que vai acontecer se houver uma nova erupção?" indagava Wanto, agricultor de 56 anos.

  • USGS/GOOGLE EARTH/UOL

    Mapa da Indonésia indica localização aproximada das tragédias naturais que atingiram o arquipélago