Topo

Fã de "Star Trek" e casado com rainha pop, rei da Jordânia escapa da Primavera com reformas

Rei Abdullah 2º, ao lado da mulher, a rainha Rania - AFP
Rei Abdullah 2º, ao lado da mulher, a rainha Rania Imagem: AFP

Armando Pereira Filho

Do UOL, em Amã (Jordânia)

12/06/2012 06h00

O rei da Jordânia, Abdullah 2º, 50, é pop. Pilota motocicletas, é casado com a rainha Rania (considerada uma das mulheres mais bonitas do mundo e ativista social) e até fez uma ponta na série de TV "Star Trek Voyager" (uma das continuações da clássica "Jornada nas Estrelas", do capitão Kirk e do sr. Spock). O rei é fã da série.

Ele herdou o trono de seu pai, o rei Hussein, em 1999, e completou no sábado (9), sob pressão, 13 anos de reinado. A Jordânia foi um dos raros países do Oriente Médio que escaparam da Primavera Árabe -série de revoltas populares que derrubou governos, como o do Egito, e que ainda gera conflitos sangrentos, como na Síria.

Não que a onda de mudanças não tenha chegado à Jordânia. Houve protestos no país no ano passado, mas o rei Abdullah agiu rapidamente, prometeu reformas e já mudou o primeiro-ministro três vezes em pouco mais de um ano.

Isso acalmou um pouco os manifestantes, conforme registrou Arlene Clemesha, diretora do Centro de Estudos Árabes da USP (Universidade de São Paulo), numa entrevista ao UOL no ano passado.

Mas a situação não está completamente sob controle. O país enfrenta problemas econômicos e políticos, como alto desemprego (a taxa oficial é de 13%, mas números alternativos indicam que pode chegar a 30%, segundo dados da CIA, a agência americana de inteligência), déficit público de 2,9 bilhões de dinares, pobreza, inflação, preço de combustíveis e energia em alta, denúncias de corrupção e disputas sobre a nova lei eleitoral.

Além disso, diferentemente da maioria dos países árabes, a Jordânia não tem petróleo suficiente nem para seu consumo interno, muito menos para exportar.

Ou seja, se vivesse no universo ficcional de sua série preferida, Jornada nas Estrelas, o rei Abdullah 2º poderia estar enfrentando uma situação similar à de quem encontra os borgs -seres poderosos, parte orgânicos, parte máquinas e que, como uma Primavera Árabe ainda mais radical, passam por cima e absorvem o que veem pela frente, subjugando a cultura original e transformando todo mundo em mais borgs. Seu terrível slogan é: "Nós somos os borgs. Vocês serão assimilados. Resistir é inútil".

Rei promete melhorar economia e criar mais empregos

Reforma é a palavra-chave que o rei tem usado para tentar demonstrar que as mudanças vão acontecer mesmo.

No domingo (10), durante as comemorações da Grande Revolta Árabe e do Dia do Exército, o rei disse que vai tomar medidas para reduzir a pobreza e criar mais empregos.

Segundo o jornal "The Jordan Times", Abdullah também se preocupou em mostrar a existência de um canal para ouvir as demandas populares. Ele afirmou que os governadores das províncias são importantes para estar em contato e ouvir as necessidades da população.

Em julho do ano passado, o rei mandou criar um fundo de desenvolvimento regional de 150 milhões de dinares para tentar equilibrar o crescimento e atender as regiões mais pobres do país.

Câmara da Jordânia prepara nova lei eleitoral com atraso

A Jordânia é uma monarquia parlamentarista, mas, diferentemente de países como o Reino Unido, aqui os primeiros-ministros não são escolhidos pelo Parlamento, e sim pelo rei.

Há uma Câmara de Deputados, eleita diretamente pelo povo, e um Senado, cujos membros também são indicados pelo rei.

Uma comissão da Câmara começou a estudar mudanças na legislação eleitoral nesta semana, com grande atraso.

A repórter jordaniana especializada em política local Khetam Al Malkwawi, do "Jordan Times" e do "Al Ahram Weekly" (ambos em inglês), diz que o processo foi atrapalhado pelas mudanças sucessivas de governo.

Segundo ela, em fevereiro do ano passado, quando houve as primeiras manifestações, aconteceu a mudança número um de primeiro-ministro.

As reformas prometidas não andaram tão rapidamente e, em novembro, aconteceram mais manifestações, e o rei decidiu mudar de novo o governo.

"O rei pediu que o novo primeiro-ministro acelerasse as reformas", diz Al Malkwawi. Mas, novamente, as coisas não andaram como o esperado. Esse novo ministro renunciou por conta própria, em abril, apenas cinco meses após ter assumido.

O atual primeiro-ministro, Fayez Tarawneh, assumiu no mês passado. "Esse gabinete agora é chamado de governo de transição", diz Al Malkwawi. Isso acontece porque a ideia é eleger um novo governo até o fim do ano, já sob as novas regras políticas.

Segundo ela, a população não contesta a monarquia. "É o melhor modelo para o nosso país." Mas como já houve tantas mudanças, nada é certo. Na semana passada, o preço dos combustíveis aumentou na Jordânia. Nesta semana, foi a vez da energia elétrica.

VEJA PARTICIPAÇÃO RELÂMPAGO DO REI ABDULLAH 2º EM "STAR TREK"

Mesmo que as novas regras sejam aprovadas, a oposição reclama que uma coisa não vai mudar: o poder do rei de indicar o primeiro-ministro e derrubar governos por sua própria vontade.

Apesar de não haver protestos violentos, quase todas as sextas-feiras o regime jordaniano tem de conviver com manifestações. Sexta é um dia importante nos países da região. O povo para e vai rezar. Depois das orações do meio-dia, muitos jordanianos vão às ruas pedir que as mudanças se efetivem.

É um protesto constante, que não sai na imprensa ocidental. Os olhos da Jordânia estão sobre o rei e o governo provisório até o fim do ano. Resistir [às mudanças] é inútil?

(O jornalista Armando Pereira Filho viajou a convite do Comitê de Turismo da Jordânia)