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Entenda a crise que levou à destituição do presidente Lugo no Paraguai

Do UOL Notícias, em São Paulo

22/06/2012 23h06

O Senado paraguaio aprovou nesta sexta-feira (22) o impeachment do presidente Fernando Lugo. O vice-presidente, Federico Franco, que rompeu politicamente com Lugo, assumiu o poder pouco depois.

O Senado precisava de 30 votos (maioria de dois terços) para concretizar o impeachment. Foram 39 votos pela condenação, 2 ausentes e 4 senadores que se opuseram à destituição.

O julgamento político teve início após a Câmara dos Deputados ter aprovado a abertura do processo de impeachment na véspera, acusando Lugo de "mau desempenho" de suas funções. Cinco deputados atuaram como promotores e definiram cinco motivos (veja tabela abaixo) para destituir o presidente. O motivo mais recente, e estopim para a abertura do processo de impeachment, foi o conflito agrário sangrento em Curuguaty, que resultou em 17 mortos no dia 15.

Lugo teve cerca de duas horas para apresentar a sua defesa, composta por cinco advogados. Em seguida, houve duas sessões de uma hora cada. A primeira foi destinada à apresentação de provas contra o presidente e a segunda, para as considerações finais da acusação e da defesa.

Eleito presidente do Paraguai em 2008 com 41% dos votos, interrompendo uma hegemonia de seis décadas do Partido Colorado no país, Fernando Lugo enfrentou um "impeachment relâmpago".

Conhecido como o "bispo dos pobres" por seu histórico de liderança de movimentos sociais quando era bispo católico, Lugo assumiu a Presidência com uma ampla aliança. Porém, acabou governando sem maioria na Câmara dos Deputados e no Senado -- na Câmara, 76 deputados votaram a favor do processo de impeachment; apenas uma deputada apoiou Lugo e três se abstiveram.

Setores da oposição já tinham tentado, no passado, iniciar um processo político contra o presidente quando ele assumiu a paternidade de crianças geradas na época em que ainda era bispo, mas a iniciativa não prosperou devido à discordância de forças políticas da própria oposição.

Desta vez, o apoio do partido de seu vice-presidente, Federico Franco, do PLRA (Partido Liberal Radical Autentico), foi decisivo para que o processo de impeachment fosse iniciado. Lugo e Franco haviam rompido sua aliança recentemente.

Histórico de instabilidade política

No início de 2003, o presidente Luis González Macchi escapou de um processo de impeachment provocado por denúncias de corrupção – incluindo desvio de dinheiro para Nova York e a compra de um carro de luxo blindado que havia sido roubado no Brasil. E também motivado pelo isolamento político do mandatário, agravado pela crise econômica no país. A ação de impeachment teve 25 votos a favor, 18 contra e uma abstenção – eram necessários 30 votos para destituir o presidente.

González Macchi era presidente do Congresso quando assumiu a presidência, em 1999, depois da renúncia de Raúl Cubas Grau. Depois de eleito, o colorado ficou apenas sete meses no poder, até enfrentar uma crise com o assassinato de seu vice, Luis María Argaña. O episódio levou o povo às ruas, houve enfrentamentos e mortes. Cubas foi acusado de envolvimento na morte, por sua proximidade com o ex-general Lino Oviedo, que atuaria nos bastidores do governo, e de quem Argaña era inimigo. Após um período asilado no Brasil, Cubas voltou ao Paraguai em 2002.

Antecessor de Cubas, Juan Carlos Wasmosy assumiu o poder em 1993 como primeiro presidente civil eleito no país. Seu mandato foi marcado por desentendimentos com o então general Oviedo, que atingiram o ponto mais alto em 1996, quando o presidente passou para a reserva oito militares de alta patente. Oviedo reagiu com uma tentativa de golpe de Estado pela qual foi condenado dois anos depois, tendo seus planos de candidatar-se à presidência pelo partido Colorado interrompidos.

Cubas substituiu-o e elegeu-se. Oviedo passou cinco anos exilado no Brasil antes de voltar ao Paraguai, em junho de 2004. Pelo Partido União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), disputou as eleições de 2008 e terminou em terceiro lugar, atrás da governista Blanca Avelar.

Veja as cinco acusações que levaram ao impeachment de Fernando Lugo

Mau uso de quartéis militaresA primeira acusação é o ato político ocorrido, com a autorização do Lugo, no Comando de Engenharia das Forças Armadas em 2009. Grupos políticos da esquerda se reuniram no local, usaram bandeiras e cantaram hinos ideológicos. Segundo o deputado José López Chávez, no ato, as Forças Armadas foram humilhadas, além de terem sido hasteadas outras bandeiras, num desrespeito a um símbolo nacional.
Confronto em CuruguatyNum dos piores incidentes sobre a disputa de terras no Paraguai, Lugo mandou 150 soldados do Exército para desocupar uma propriedade rural numa área de fronteira com o Brasil. No confronto com agricultores, ocorrido na última sexta-feira (15), ao menos 17 pessoas morreram. Das vítimas, sete eram policiais.
ÑacundayOutro ponto está relacionado às invasões de terras na região de Ñacunday, distrito localizado no departamento (equivalente a Estado) do Alto Paraná, a 95 quilômetros da fronteira do Brasil com o Paraguai. O deputado Jorge Avalos Marín acusa Lugo de gerar instabilidade entre os camponeses na área ao incentivar os próprios “carperos”, como são chamados os que acampa sob lonas pretas, as ditas “carpas”, encarregados da demarcação de terras.
InsegurançaOs parlamentares acusaram ainda o presidente Lugo de não ter sido eficaz na redução da insegurança que assola o país, embora o Congresso Nacional tivesse aprovado mais recursos financeiros. Além disso, eles criticam os gastos com a procura por foragidos do grupo criminoso EPP (Exército do Povo Paraguaio). Segundo o deputado, nunca na história o EPP (Ejercito del Pueblo Paraguayo), o braço armado do Partido de Izquierda Patria Libre, fez tantas vítimas entre integrantes da Polícia Nacional. Apesar disso, a conduta do presidente teria permanecido inalterada, o que teria dado mais poder ao grupo.
Assinatura do Protocolo de Ushuaia 2A assinatura do polêmico documento Protocolo de Usuaia II é visto como um atentado contra a soberania da República. Segundo a acusação dos parlamentares, o presidente não foi transparente sobre a assinatura desse documento já que até a presente data não havia encaminhado uma cópia do Congresso. A oposição a Lugo afirma que a assinatura do protocolo poderia resultar no corte do fornecimento de energia ao Paraguai, além de atentar contra a população e ter um claro perfil autoritário. Eles alegam ainda que Lugo tentou incluir medidas para fechar as fronteiras.