Passageiros do AF 447 não tiveram consciência da queda do avião, confirma relatório da Justiça francesa
Falhas técnicas, erros da pilotagem, mau gerenciamento da situação e condições meteorológicas ruins são as causas apontadas pelo relatório definitivo dos especialistas judiciais franceses sobre a tragédia do voo AF 447 da Air France, apresentado nesta terça-feira (10), a portas fechadas, no Palácio da Justiça de Paris aos familiares das vítimas.
O acidente, ocorrido em junho de 2009, matou todos os 228 ocupantes da aeronave, que fazia o trajeto entre Rio de Janeiro e Paris. A Justiça francesa está investigando as responsabilidades penais da tragédia e já indiciou a Airbus (fabricante da aeronave) e a Air France por homicídio culposo.
A novidade do documento em relação ao relatório divulgado na semana passada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) –o órgão público francês que recomendou medidas para evitar futuros acidentes– são informações sobre a inconsciência dos passageiros em relação aos problemas da aeronave no momento do acidente. As vítimas teriam morrido com o impacto da aeronave no mar.
ACIDENTE MATOU 228 PESSOAS
Os problemas no avião começaram poucos minutos depois de o principal piloto começar o seu descanso regulamentar. Segundo o BEA, o comandante foi descansar sem deixar "claras recomendações" aos dois copilotos que ficaram no controle.
Os documentos mostraram que os pilotos levaram o Airbus para uma região de tempestades --apesar dos copilotos terem feito um desvio de 12º na rota-- e a baixa temperatura acabou por congelar os sensores de velocidade, dificultando o trabalho da tripulação.
A incoerência nas informações de velocidade provocou o desativamento do piloto automático. Segundo os documentos, o copiloto mais jovem iniciou uma manobra equivocada --elevando o bico da aeronave, quando o recomendado é abaixá-lo. De volta à cabine, o piloto não conseguiu reverter a situação. Falhas mecânicas podem ter dificultado as respostas da tripulação.
A aeronave caiu durante três minutos e trinta segundos antes de tocar a superfície do oceano. Em nenhum momento a tripulação avisou os passageiros sobre os problemas enfrentados na cabine, segundo relatórios anteriores.
Entre as provas apontadas pelo documento estão o fato de as máscaras de oxigênio não terem caído, não haver registro de chamada dos comissários de bordo e de nem todos os passageiros estarem com o cinto de segurança atado –o que é um procedimento normal quando o avião passa por uma zona de turbulência. Segundo o documento, os passageiros já teriam finalizado sua refeição e muitos estariam dormindo.
A informação parece ter causado alívio para os familiares, que foram unânimes em destacá-la na saída da sala onde os resultados do documento foram apresentados. “Os especialistas dizem que não houve despressurização da aeronave, o que significa que os passageiros não puderam sentir a queda do avião”, afirmou o integrante da associação francesa AF 447 Ajuda Mútua e Solidariedade, Laurent Lamy, que perdeu o irmão no acidente.
No entanto, Lamy ressalta que as telas à frente dos assentos do avião funcionaram normalmente no momento da queda, e há a possibilidade de alguns passageiros terem acompanhado as informações sobre o voo, sua queda súbita de altitude e o seu aumento da velocidade antes da colisão com o mar.
“Os especialistas afirmam claramente que a morte das vítimas se deve ao choque da aeronave com o mar. Resumidamente, não houve pânico, gritos, luzes piscando ou esse cenário caótico que vemos em filmes hollywoodianos”, afirmou um dos advogados da organização dos familiares, Alain Jakubowicz.
Para Jakubowicz, o documento divulgado hoje é o mais importante de todo o caso, já que ele apresenta a análise definitiva sobre as questões técnicas da catástrofe e que responde às regras dos processos penais. “É a luz sobre as circunstâncias nas quais este drama foi possível, o que é fundamental para revelar às famílias o que se passou nos 4 minutos e 30 segundos, no meio da noite, no meio do oceano”, resumiu.
O conteúdo do relatório de 356 páginas já havia vazado para a imprensa francesa na semana passada quando o documento da BEA foi divulgado. As informações já divulgadas sobre falhas mecânicas, a resposta equivocada da tripulação à ocorrência, assim como a má formação dos pilotos, foram ratificadas hoje.
Penalização dos responsáveis
Embora o sentimento de alívio dos familiares parecesse ser geral, a inconformidade também era dominante no final da reunião. Diferentemente das informações sobre o acidente divulgadas nos últimos anos, as causas apontadas pela Justiça são mais técnicas e menos humanas.
“Temos o espírito mais sereno hoje porque conseguimos finalmente nos aproximar da verdade e das causas majoritariamente técnicas. Infelizmente, os pilotos não poderiam ter feito mais nesta situação. E agora o que queremos é conhecer e penalizar os responsáveis”, disse Danièle Lamy, vice-presidente da AF 447 Ajuda Mútua e Solidariedade, que perdeu sua filha no acidente.
“Os culpados continuam sentados em suas cadeiras exercendo as mesmas funções”, completou o presidente da Associação alemã HIOP AF 447, Bernd Gans, cuja filha estava na aeronave. Ele é categórico em apontar os executivos da Air France, Airbus e da Easa, a Agência Europeia de Segurança Aérea, como os principais responsáveis pela tragédia. Esta última é alvo de muitas críticas por parte das famílias das vítimas devido do silêncio dos dirigentes da organização, que se negam a responder as perguntas dos juízes franceses sobre o caso.
Tanto Air France como Airbus foram indiciadas em 2011 por homicídio involuntário. A juíza responsável pelo relatório, Sylvia Zimmermann, deve apontar oficialmente os culpados antes de dar partida a um processo judicial. Segundo outro advogado da associação das vítimas francesas, Sébastien Busy, este processo pode durar até dois anos.
"O dossiê não está fechado com a entrega deste último relatório", afirmou Jakubowicz. Ele aposta em novos indiciamentos por parte parte de outras autoridades jurídicas ou de pessoas físicas nos próximos meses.
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