Israel devolverá colônias quando houver "paz", diz cônsul; para palestinos, israelenses querem "ganhar tempo"
Os assentamentos judaicos em territórios palestinos ocupados na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental serão devolvidos aos palestinos “no dia em que se chegar a um acordo de paz” na região. É o que diz o cônsul de Israel em São Paulo, Ilan Sztulman.
Na última sexta-feira (30), um dia após a ONU (Organização das Nações Unidas) reconhecer a Palestina como “Estado observador não membro”, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou a construção de 3.000 casas em um novo assentamento.
“No dia em que se chegar a um acordo de paz nós vamos devolver todas as colônias. Apenas vamos construir as colônias, não quer dizer que elas serão anexadas. Se quiserem que a gente saia, que venham conversar e retomar o processo bilateral. As colônias nunca serão impedimento para a paz”, disse Ilan Sztulman.
Para Emir Mourad, secretário-executivo da Copal (Confederação Árabe-Palestina do Brasil), a declaração do cônsul não passa de “desculpa esfarrapada” para “desviar a atenção dessa grave ação de Israel”.
“Mais uma vez Israel está querendo ganhar tempo para tornar inviável o Estado palestino. Eles não estão cumprindo a lei internacional. A ONU já declarou que esses assentamentos são ilegais. Acho que a ONU precisa ser mais firme em suas decisões”, disse Mourad.
Cerca de 500 mil judeus vivem em assentamentos construídos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Os assentamentos são considerados ilegais segundo a lei internacional, e um dos principais embasamentos é a Quarta Convenção de Genebra, que proíbe forças de ocupação de "transferir partes de sua população civil para territórios ocupados". Israel, porém, argumenta que as convenções de Genebra não se aplicam ao conflito com os palestinos.
“Israel ocupa um território palestino e, nesse território, constrói colônias. Como é possível um Estado palestino soberano e independente nessas condições? É preciso, primeiro, acabar com as colônias, acabar com a ocupação”, continuou Mourad.
Nesta segunda-feira (3), Dinamarca, Reino Unido, Espanha, França e Suécia convocaram os embaixadores de Israel em suas capitais para criticar a decisão de Netanyahu ampliar os assentamentos. O apelo também foi feito pelos Estados Unidos, pela Rússia e pela Alemanha. O entendimento é que as construções prejudicam as negociações de paz. As críticas, porém, foram rejeitadas por Israel.
Para Emir Mourad, “Israel contrariou a opinião pública mundial”. Já o cônsul Sztulman afirma que, na prática, “esse protesto não tem valor”. “São países muito próximos de Israel, que tentaram barrar a Palestina na ONU”, disse o cônsul ao referir-se, por exemplo, ao Reino Unido, que se absteve na votação, e aos EUA, que votaram contra.
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Colônias como moeda de troca
De acordo com Mohamed Habib, professor titular da Unicamp, os assentamentos são usados por Israel como moeda de troca nas negociações.
“Com novos assentamentos, cria-se cada vez mais elementos de barganha na negociação, para que Israel consiga uma fatia de terra boa, em locais próximos a territórios palestinos nobres”, disse Habib, que já foi vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe.
Habib, no entanto, diz acreditar que o anúncio de novos assentamentos, feito pelo premiê Netanyahu, não passa de decisão eleitoreira.
“O governo israelense utiliza esse recurso porque estamos perto das eleições [em janeiro]. E Netanyahu tem interesse em ser reeleito. Então ele pode fazer uma declaração hoje e voltar atrás daqui a 50, 60 dias. Há reações mundiais contrárias a essa atitude. O discurso, hoje, é político de campanha. Mas eu acredito que ele está consciente”, disse Habib.
Mudança de status na ONU
O pedido apresentado à ONU pelo presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, foi considerado pelos israelenses uma tentativa “unilateral” de resolver o conflito. Para o cônsul Sztulman, o anúncio de novos assentamentos foi uma forma de dizer que a “metodologia dos palestinos, de brigar por fora, sem negociar, não vai dar resultado”.
“Nós vimos isso como uma coisa perigosa, como uma falta de vontade de negociar. Isso pode colocar todo o processo de paz em perigo. O que a ONU declarou não traz nada prático. A única forma [de resolver o conflito] é sentar e negociar”, disse o cônsul.
Para o representante palestino, porém, o reconhecimento na ONU foi “uma importante vitória do povo palestino e de todos os países que querem a paz”.
Abbas é recebido como herói
“Israel, agora, não disputa um território, ocupa um Estado. Se os israelenses estão desprezando e dando pouca importância a esse reconhecimento, devem ter suas preocupações. Se temem que os palestinos levem questões ao Tribunal Penal Internacional, que parem de cometer crimes”, disse Mourad.
O novo status garante o acesso dos palestinos às agências da ONU e a alguns de seus órgãos, como o Tribunal Penal Internacional. De acordo com o cônsul Sztulman, essa não é a preocupação de Israel. “Nós não temos crimes para esconder”, disse.
De acordo com Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais da PUC-SP, a decisão da ONU é “simbólica”. “A mensagem é a seguinte: a Autoridade Nacional Palestina está a caminho do reconhecimento como Estado”, disse.
Para Nasser, porém, a paz no Oriente Médio ainda depende de apoio externo à Palestina. “Será preciso que outras potências atuem como garantidoras e protetoras desse Estado, militar e politicamente. Nem os Estados árabes se mostram disponíveis a isso. É quase que uma regra geral da política internacional, é preciso construir alianças importantes. A Rússia, por exemplo, não deixa invadir a Síria. Mas ninguém enfrenta Israel e os EUA. Não pela Palestina”, disse Nasser.
“A Primavera Árabe está mostrando suas consequências. Se fosse Mubarak [no comando do Egito], isso não estaria acontecendo. A revolta interna mudou a política externa. Uma mudança nos países da região é essencial”, concluiu o cientista político.
A favor de dois Estados
Apesar da troca de farpas, tanto o representante de Israel quanto o da Palestina se dizem favoráveis ao reconhecimento mútuo.
“A solução para o conflito é criar um Estado Palestino do lado do Estado de Israel. Pra isso é necessário reconhecimento mútuo. E segurança. O que nós pedimos é que, quando houver esse acordo, ele responda aos nossos anseios de segurança”, afirmou o cônsul Sztulman.
“Israel tem que entender que os palestinos não querem tirar Israel do território, querem viver em paz com Israel. Queremos um Estado palestino soberano, laico, independente, sem os assentamentos, sem o muro”, disse Mourad.
(Com agências de notícias)
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