Família de dom Odilo se preocupa com "encargo massacrante" do papado
“São 9h30 e ainda não tomei café da manhã”, comentou o professor universitário aposentado Flávio Scherer, 67, que está de pé desde as 5h30 desta quarta-feira (13). Ele é irmão do arcebispo de São Paulo, o cardeal dom Odilo Scherer, um dos cotados para suceder o papa emérito Bento 16 no comando da Igreja Católica.
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Não dá tempo. Desde que dom Odilo despontou nas pesquisas e nas análises do conclave como um dos principais nomes a papa, a casa de Flávio, no centro de Toledo (543 km de Curitiba), transformou-se numa espécie de quartel-general da imprensa na cidade. Jornalistas fazem filas no local. Sobre a mesa da sala, um mosaico de fotos do irmão célebre é disputado por fotógrafos e cinegrafistas.
“Fui escolhido como porta-voz da família”, explicou Flávio, quinto dos 13 filhos dos descendentes de alemães Edwino e Francisca Wilma Steffens Scherer. “Quando veio a notícia da renúncia do papa Bento 16, começou o assédio da imprensa. Depois que dom Odilo voltou de Roma, na quarta-feira de cinzas, ninguém mais segurou. Até ponderamos, mas resolvemos que não havia como não passar as informações sobre a história da família, pois terceiros estavam fazendo isso de forma errada”, explicou.
“A cada dia chega mais gente. É algo inédito na cidade. [A possibilidade da eleição de dom Odilo] É um evento que chama atenção não só pelo aspecto religioso, mas pela dimensão política, social e econômica. Acaba tornando conhecida a nossa região. A BBC inglesa ficou encantada de saber que o município era a antiga Fazenda Britânia, uma concessão do estado ao governo inglês”, contou Flávio.
“Para a família, é uma grande honra ter um irmão eleitor do papa. Cuidamos para não nos exaltarmos nem criarmos expectativa para além disso. Mas sabemos que ele tem trajetória e preparo e eventualmente pode ser eleito”, ponderou.
“Diante disso, até nos preocupamos, pois [ser papa] é um encargo massacrante. De pensar nisso, chega a dar dó dele, pois a expectativa popular é de que o papa seja quase um milagreiro, tenha um toque mágico capaz de resolver todos os problemas da igreja católica, interferir em problemas econômicos e políticos. Mas o papa é só um ser humano, também. E, humanamente, há coisas que não tem como resolver”, argumentou o irmão de dom Odilo.
“Estamos pensando muito no day after, passada a euforia disso tudo. A pedido de dom Odilo, antes dele ir a Roma [para o conclave], fizemos reunião da família. Falamos muito em conter a euforia, nos prepararmos para seja qual for o resultado”, disse Flávio.
Mas ele sabe que, caso o irmão chegue ao topo da hierarquia da igreja, não há como esperar que a vida siga igual. “A cidade vai comemorar, festejar. Nós não vamos deixar de ser quem somos. Mas haverá mais cobranças, até indevidas, pedidos de mediações, algo que não é possível. Mas não vamos querer exercer esse tipo de papel. Não vamos nos exaltar, nem nos orgulhar. Não seremos mais do que ninguém. E vamos nos preocupar mais com ele, pois teremos menos chances de encontrá-lo, a não ser em raros momentos. A festa acaba, e daí começa o trabalho”, falou.
Gaúchos de Cerro Largo (498 km a noroeste de Porto Alegre), Edwino e Francisca emigraram em 1951 para Dois Irmãos, então um nascente distrito de Foz do Iguaçu – o município de Toledo só seria criado meses depois. Ali, Edwino comprara, em 1948, um lote de terras, que desmatou e preparou para instalar a família.
Fizeram um caminho semelhante ao de milhares de outros rio-grandenses, principais desbravadores do oeste paranaense.
Os Scherer foram a segunda família a chegar a Dois Irmãos. Além dos pais, vieram oito filhos – Odilo, o sétimo, tinha menos de dois anos de idade, à época. “Fui aluno da primeira turma da escola da vila, onde depois Odilo também estudou. Semana passada, comemoraram-se os 60 anos dela”, lembrou Flávio. A escola, aliás, leva o nome de Edwino Scherer, sinal evidente da importância da família na região.
“A família ficou em Dois Irmãos a vida toda. De lá, os filhos saíram para estudar. E meus pais viveram ali até morrer, estão sepultados ali”, contou o professor aposentado. Dos 11 filhos que sobreviveram, dez passaram na infância por seminários ou colégios religiosos.
“Até eu tenho foto de batina, ainda criança. Mas padre mesmo, só Odilo. Os outros seguiram profissões liberais”, disse Flávio, graduado em Pedagogia e História e professor emérito do setor de Educação da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná).
Flávio aposentou-se em fins de 2012. “Em janeiro, eu estava totalmente livre, prestando consultoria, fazendo algumas palestras, cuidando da minha chacrinha. Mas logo depois tudo mudou. Não deu para me sentir aposentado, ainda”, riu.
Agora, a família se alterna para dar atenção aos jornalistas, mantendo um olho na tela da televisão. “Vamos ligar para ver se não sai mais uma fumacinha”, disse, após a entrevista ao UOL.
Assim que a fumaça branca surgir, em Roma, os Scherer já sabem o que fazer, em Toledo. “Independente de qual for o resultado, vamos nos reunir na catedral para um comunicado à comunidade.” E, também, o que esperar de dom Odilo caso seja ele o escolhido. “Meu pai sempre falava: o que vocês assumirem, concluam, honrem até o final, concluam, nem que seja com muito sacrifício. Todos nós seguimos esse preceito.”
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