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Leia o texto do jornalista do caso Snowden sobre a prisão de seu namorado

Do UOL, em São Paulo

19/08/2013 13h38

O texto abaixo é a tradução do texto do jornalista americano Glenn Greenwald, do "The Guardian", sobre a detenção de seu namorado, David Miranda, pelas autoridades do Reino Unido nesta segunda-feira. Os trechos em itálico são do UOL, para facilitar a compreensão. 

O texto original em inglês pode ser lido aqui. Confira a tradução: 

“Às 6h30 desta manhã no meu horário - 5h30 na Costa Leste dos EUA - eu recebi um telefonema de alguém que se identificou como “um agente de segurança no aeroporto de Heathrow”. Ele me disse que meu parceiro, David Miranda, foi “detido” no aeroporto de Londres “pelo artigo 7 da Lei de Terrorismo de 2000.”

David passou a última semana em Berlim, onde ficou com Laura Poitras, a cineasta americana que trabalhou extensivamente comigo nas histórias da NSA (sigla em inglês da ASN, a Agência de Segurança Nacional dos EUA). Um cidadão brasileiro, ele estava voltando para nossa casa no Rio de Janeiro nesta manhã pela (companhia aérea) British Airways, voando primeiro para Londres e, então, para o Rio. Quando ele chegou a Londres nesta manhã, foi detido.

Na hora em que o “agente de segurança” me ligou, David estava detido havia três horas. O oficial me disse que eles tinham direito de detê-lo por até nove horas para interrogá-lo, e que depois eles poderiam prendê-lo e acusá-lo ou pedir a um tribunal que prorrogasse o tempo de interrogatório. O oficial - que se recusou a me dizer seu nome mas se identificou apenas por seu número: 203654 - disse que David não era autorizado a ter um advogado presente, nem eles me deixariam falar com ele.

Imediatamente eu contatei o “Guardian”, que enviou advogados ao aeroporto, assim como várias autoridades que eu conheço no Brasil. Em uma hora, várias autoridades brasileiras estavam envolvidas e indignadas com o que estava sendo feito. “O Guardian” tem a história completa aqui.

Apesar de tudo isso, mais cinco horas se passaram e nem os advogados do “Guardian” ou as autoridades brasileiras, inclusive o embaixador britânico em Londres, conseguiram alguma informação sobre David. Passamos a maior parte do tempo analisando as acusações que ele poderia sofrer depois das nove horas de interrogatório.

Segundo um documento publicado pelo governo do Reino Unido sobre o artigo 7 da Lei de Terrorismo, “menos de três pessoas em cada 10.000 são examinadas ao passar pelas fronteiras britânicas” (David não estava entrando no Reino Unido, mas sim fazendo uma escala a caminho do Rio). Além disso, “a maioria das averiguações, mais de 97%, duram menos de uma hora”. Um anexo deste documento diz que apenas 0,06% das pessoas detidas são mantidas por mais de seis horas.

O objetivo declarado desta lei, como o nome sugere, é questionar as pessoas sobre terrorismo. O poder de detenção, alega o governo do Reino Unido, é usado para “determinar se uma pessoa está ou esteve envolvida no cometimento, preparação ou incitação de atos de terrorismo.”

Mas eles obviamente tinham zero suspeitas de que David estava ligado a uma organização terrorista ou envolvido em um complô terrorista. Em vez disso, eles passaram esse tempo interrogando-o sobre a reportagem que Laura Poitras, o “Guardian” e eu estamos fazendo, assim como o conteúdo de produtos eletrônicos que ele (David) levava. Eles abusaram completamente sua própria lei de terrorismo por razões que não têm nada a ver com terrorismo: um poderoso lembrete da frequência com que governos mentem quando dizem que precisam de poderes para parar “os terroristas”, e de quão perigoso é acobertar poder descontrolado nas mãoes de autoridades políticas.

Pior, mantiveram David detido até o último minuto: durante nove horas, algo que eles rararamente fazem. Só no último minuto finalmente o soltaram. Nós passamos o dia - cada hora - preocupados de que ele seria preso e acusado com base em um estatuto terrorista. A ideia obviamente foi mandar um recado de intimidação àqueles de nós que trabalham como jornalistas escrevendo sobre a NSA e sua equivalente britânica, a GCHQ (sigla em inglês de Government Communications Headquarters, o Quartel-General de Comunicações do Governo do Reino Unido).

Antes de deixá-lo ir, eles apreenderam vários de seus pertences, inclusive seu laptop, celular, vários consoles de vídeo-game, DVDs, cartões USB e outros materiais. Não disseram quando o entregariam nada, ou sequer se devolveriam as coisas.

Esta é obviamente uma profunda escalada nos ataques deles no processo de apuração noticiosa e no jornalismo. Já é ruim o bastante perseguir e aprisionar fontes, e pior ainda aprisionar jornalistas que noticiam a verdade. Mas começar a deter parentes e entes queridos de jornalistas é simplesmente despótico. Mesmo a Máfia tinha normas éticas contra atacar familiares de pessoas pelas quais ela se sentia ameaçada. Os fantoches do Reino Unido e seus donos do estado de seguança nacional dos EUA obviamente não se constrangem sequer diante desses mínimos escrúpulos.

Se os governos britânico e americano acreditam que táticas como essa vão parar ou nos intimidar de continuar a reportar agressivamente o que estes documentos revelam, estão mais que iludidos. Caso tenha algum efeito, isso fará o oposto: nos encorajará ainda mais. Além disso, toda vez que os governos dos EUA e Reino Unido mostram seu verdadeiro caráter ao mundo - quando eles proíbem o avião do presidente boliviano de voar em segurança para casa, quando ameaçam jornalistas, quando agem como fizeram hoje -, tudo o que fazem é ajudar a mostrar por que é tão perigoso permitir a eles que exerçam nas sombras poderes tão vastos e sem controle.

David não pôde me contatar porque seu telefone e laptop estão agora com as autoridades do Reino Unido. Então, ainda não sei o que disseram a ele. Mas o advogado do “Guardian” conseguiu falar rapidamente com ele após sua libertação, e me disse que, mesmo um pouco estressado com a situação, ele (David) estava animado e até provocador, e pediu ao advogado que expressasse esse espírito para mim. Eu já estou compartilhando-o, como estou certo de que as autoridades dos EUA e do Reino Unido verão em breve.”