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Itamaraty apura se diplomatas cometeram assédio moral na Jamaica

Ana Paula Rocha*

Do UOL, em São Paulo

22/08/2013 06h00

A corregedoria do Ministério das Relações Exteriores analisa denúncias de assédio moral feitas contra o embaixador do Brasil em Kingston, na Jamaica, Antônio Francisco da Costa e Silva Neto, e contra a mulher dele, Sylvia Ruschel de Leoni Ramos, que é ministra-conselheira. As queixas foram recebidas no fim de julho e no início de agosto.

O Itamaraty informou que recebeu “inúmeras” denúncias -- sem especificar a quantidade -- feitas por pessoas que atuavam na residência dos diplomatas e de outras que nunca tiveram nenhuma relação com a embaixada. Embora o ministério confirme que há denúncias de assédio moral feitas contra o embaixador, as queixas ouvidas pelo UOL se referem apenas à ministra-conselheira Sylvia Ruschel.

Denúncias afastaram diplomatas brasileiros de consulado na Austrália

Em maio deste ano, o Itamaraty abriu um processo administrativo disciplinar contra o cônsul-geral do Brasil em Sydney (Austrália), o embaixador Américo Fontenelle, e o adjunto dele, Cesar Cidade, após denúncias de funcionários envolvendo assédio sexual, moral, homofobia e desrespeito.

Após três denúncias feitas ao Itamaraty, oito funcionários do Consulado Geral do Brasil em Sydney apresentaram um abaixo-assinado pedindo a abertura de um processo administrativo disciplinar contra os diplomatas.

Segundo as denúncias, o comportamento "agressivo, discriminatório e humilhante" dos dois diplomatas, transferidos para Sydney em 2010, fez com que oito funcionários do consulado pedissem demissão e seis solicitassem transferência do quadro permanente nos últimos dois anos.

Conforme o Itamaraty, o processo aberto em relação à conduta dos dois foi prorrogado em 1º de julho por mais 60 dias e também tramita em sigilo.

De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores, os detalhes do processo são protegidos por lei. Por isso a instituição pode confirmar a existência das denúncias, mas não detalhar os casos.

A reportagem do UOL ouviu três ex-funcionárias que contam que ouviam xingamentos durante o expediente. Neucimar do Nascimento, 43, brasileira que vive há cinco anos em Kingston e que trabalhou como cozinheira por um mês na casa, diz que ouvia xingamentos como “burra” e “incompetente” a todo o momento.

“Fui obrigada a dar baixa no meu trabalho por maus-tratos. O que ela fez comigo foi tortura psicológica. Era começar o dia tremendo e terminar chorando”, relembra. “Ela não podia me ver que me ofendia. É inconcebível que uma pessoa trate seus funcionários dessa maneira”, diz.

Duas colombianas que trabalharam como empregadas domésticas na casa também reclamam da forma como a ministra as tratava. Esther Cabarcas, que trabalhou lá por quase dois anos, diz que era humilhada e chamada de "idiota e imbecil".

Yaneth Garcia, que atuou na mesma função, diz que ouvia o mesmo tipo de xingamentos. O marido dela, Alexander Sierra, afirma ter registrado reclamação no Itamaraty. Ele alega que a mulher desenvolveu problemas de saúde após trabalhar na casa e que era humilhada por ser de condição social inferior. Ele também fala que Yaneth estava com excesso de trabalho em função do desligamento de outra funcionária.

Outro lado

O embaixador e a ministra dizem que Alexander foi contratado para trabalhar na casa por indicação da mulher dele e que foi combinado que o casal dividiria as funções domésticas. Os diplomatas afirmam que percebiam que Yaneth parecia sobrecarregada por não haver uma divisão justa de função entre os dois.

“Em diversas ocasiões, insisti com ambos para que assegurassem uma adequada divisão de suas responsabilidades, mas nunca pude monitorar o efetivo cumprimento dessa instrução, na medida em que permaneço na Chancelaria da Embaixada a maior parte do tempo, ademais de outras ausências relacionadas com o cumprimento de minhas funções profissionais. E todas as vezes que insisti nessa instrução, o senhor Alexander Sierra sempre respondeu, em nome do casal, que ambos se entendiam perfeitamente entre eles”, explicou o diplomata em resposta ao UOL.

O embaixador afirma que as acusações feitas pelo casal são “falsas e difamatórias”. Silva Neto acredita que o casal possa ter denunciado na tentativa de conseguir permanência na Jamaica. Como eles foram ao país com contrato de trabalho com a embaixada, só poderiam permanecer legalmente lá se continuassem trabalhando para a instituição. Os diplomatas dizem que o casal abandonou o emprego e por isso foi repatriado para a Colômbia. Os colombianos, por sua vez, alegam terem deixado a casa por não suportarem o tratamento que recebiam. 

A ministra-conselheira Sylvia declarou que se sente ingênua ao ter aceitado a indicação de Sierra apenas por ser casado com Yaneth, uma vez que não sabia se ele teria o perfil necessário para as atividades domésticas.

“Neste caso, quem está sofrendo assédio moral sou eu”, disse Sylvia. Ela questiona como ele pode fazer denúncias contra ela, já que trabalhou na casa do casal por cerca de cinco semanas, sendo que, durante esse período, ela ficou pelo menos 15 dias fora da casa, em férias.

A diplomata nega as acusações do casal de colombianos, bem como as outras relacionadas à forma como trataria os funcionários. “Essas acusações são levianas e difamatórias. Tenho 30 anos de carreira, já trabalhei com pessoas de diversas nacionalidades e é a primeira vez que tenho um problema deste tipo”, conclui.

Conforme a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores, após a análise, a corregedoria define se averiguações devem ser feitas. Estas averiguações geram um relatório, que fundamenta se é necessária ou não a instauração de um processo administrativo disciplinar, que pode ser arquivado se não houver evidências de irregularidades, ou resultar em advertência, suspensão ou exoneração de funcionário, entre outras punições.

*Com colaboração de Rodrigo Bertolotto