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Dez anos após captura de Saddam: especialista cita farsa em ação, e filme com Pattinson atrasa

Cartaz do filme sobre a captura de Saddam, que deve estrear em 2015; Pattinson fará papel de interrogador - Reprodução
Cartaz do filme sobre a captura de Saddam, que deve estrear em 2015; Pattinson fará papel de interrogador Imagem: Reprodução

Débora Melo e Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

13/12/2013 06h00

Há exatos dez anos, o ex-ditador do Iraque Saddam Hussein era capturado por soldados norte-americanos em um esconderijo subterrâneo próximo à cidade de Al Daur, a cerca de 15 km de Tikrit, sua cidade natal, no norte do país. A história, que ainda está envolta em mistérios --como uma possível farsa na divulgação da data da captura--, vai virar filme.

Por imprevistos na produção e uma repentina troca de diretores, as filmagens atrasaram, e "Mission: Blacklist", como será chamado o longa, deve ser lançado apenas em 2015. O filme será estrelado pelo astro de Hollywood Robert Pattinson, o vampiro Edward Cullen da saga Crepúsculo.

Pattinson viverá a história do interrogador norte-americano responsável pelo sucesso da missão no Iraque, Eric Maddox, que é autor do livro homônimo que deu origem ao roteiro do longa e narra os bastidores da operação. O autor afirma em seu site que conduziu mais de 300 interrogatórios para, junto aos serviços de inteligência, chegar ao esconderijo do ditador Saddam Hussein.

Maddox diz, ainda, que já realizou mais de 2.500 interrogatórios desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, em locais como Iraque, Afeganistão, América do Sul, sudeste da Ásia e Europa, naquilo que chama de “apoio à guerra global contra o terrorismo”.

Mas as imagens divulgadas em dezembro de 2003 do momento em que Saddam Hussein foi encontrado em um buraco --em uma operação que contou com mais de 600 homens-- não mostram apenas o trunfo dos serviços de inteligência norte-americanos.

“As imagens mostram uma chácara, uma casa simples, pobre. Ao redor aparecem tamareiras repletas de tâmaras amarelas e maduras. Mas, um fato que todo mundo sabe no Oriente Médio, é que as tamareiras só produzem seus frutos entre julho e agosto, ou seja, no verão. Elas não dão tâmaras no inverno, que no Iraque é em dezembro”, afirmou o egípcio naturalizado brasileiro e professor titular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Mohamed Habib, ex-diretor do Instituto de Biologia da instituição e atual conselheiro do Instituto de Cultura Árabe, que viveu mais de 30 anos no Oriente Médio.

A razão para a divulgação das fotos apenas em dezembro, segundo o professor, pode ter tido motivação política. “Eles [os EUA] podem ter segurado a informação para fazer a divulgação em uma data conveniente politicamente. As imagens foram feitas pelo próprio Exército norte-americano, eles detinham a informação”, afirmou.

Farsas, democracia e ditadura

Habib diz acreditar que essa foi apenas uma das três farsas inventadas pelos norte-americanos para o controle do Iraque. “A primeira foi o que motivou a invasão em março de 2003, de que havia armas de destruição em massa, o que foi desmentido depois pela ONU [Organização das Nações Unidas]; a segunda é a data da captura; a terceira foi o pretexto de eliminar o ditador para instalar a democracia no país.”

Quando o ex-ditador do Iraque foi enforcado, em 30 de dezembro de 2006, após ser sentenciado pelo Tribunal Especial Iraquiano, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, declarou que esse era um marco para a construção de uma democracia iraquiana.

Segundo Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e das Faculdades Integradas Rio Branco, apesar dos quase dez anos de ocupação norte-americana no Iraque (2003-2011), as instituições democráticas criadas só funcionam no papel. “Foram necessários dez anos para ver que não houve qualquer lado positivo na intervenção dos Estados Unidos. A democracia não foi consolidada, ao contrário, as instituições que existiam estão hoje menos sólidas.”

Ainda para Casarões, a dicotomia entre ditadura e democracia não funciona tanto para os árabes como para os ocidentais. “Elas são opostas para nós, porque aprendemos a lidar dessa maneira com esses conceitos. Mas, no caso do Iraque, não existe essa mesma lógica. E essa é uma discussão crescente nos dias de hoje, principalmente com a derrubada do presidente do Egito, Mohammed Mursi. Em muitos casos, se a ditadura for estável, a situação política, social e econômica do país pode ser melhor do que se ele estivesse em uma democracia”, afirma.

Sem instituições democráticas eficazes e sem a figura de um ditador capaz de controlar grupos rivais, várias forças políticas acabaram florescendo dentro do país. Guilherme Casarões afirma que, com o enfraquecimento do nacionalismo, identificado com a figura de Saddam Hussein, houve a radicalização dos movimentos ligados à religião.

“Sunitas e xiitas acabaram polarizando o poder e ainda há uma terceira força política, os curdos, que possuem um papel importante nessa nova configuração de poder no Iraque. Em suma, grandes grupos étnicos e religiosos conduzem atualmente a política do país”. O resultado é “um Estado falido, com grandes dificuldades de tomar decisões e de marcar eleições, com um alto índice de violência sectária e atentados terroristas”, nas palavras do professor.

Este ano, o Iraque voltou a assistir à escalada da violência, com ataques direcionados principalmente às comunidades xiitas. Durante a ditadura de Saddam, a minoria sunita detinha o poder e hoje, com o controle nas mãos dos xiitas, os sunitas se sentem marginalizados. E esses atentados são muitas vezes atribuídos à rede extremista Al-Qaeda, que tem ampliado sua presença no Iraque.

Para o professor de direito internacional da FGV-SP Salem Nasser, a atuação de grupos radicais nos países árabes torna o momento particularmente perigoso. “A ação de extremistas tipo Al-Qaeda está em praticamente todos os lugares. O grupo multiplicou muito sua ação, por exemplo, no Iraque. São grupos nômades e praticamente multinacionais, que também estão agindo na Síria, na Líbia, no Iêmen e agora no Líbano”, afirmou Nasser.

A atual situação de falência do Iraque não se iniciou, no entanto, com a intervenção norte-americana em 2003. Ela remonta ao ano de 1991, com a guerra Iraque-Kuait e a primeira intervenção dos Estados Unidos no país. “Os EUA conseguiram destruir as forças armadas do Iraque, que acabou sofrendo um forte embargo econômico. Uma situação dramática se instalou no país, conhecido por ser um dos mais desenvolvidos economicamente do Oriente Médio, mesmo sob uma ditadura militar.”