Topo

Náufrago que ficou 14 meses à deriva nega ter praticado canibalismo

Do UOL, em São Paulo

25/04/2014 10h05Atualizada em 26/04/2014 16h47

O salvadorenho José Alvarenga, 37, que sobreviveu 14 meses à deriva no oceano Pacífico, disse nesta sexta-feira (25) estar furioso com as insinuações de que comeu seu companheiro no infortúnio. Ezequiel Cordova, 23, morreu 16 semanas após a dupla se perder.

Após o resgate, em 30 de janeiro deste ano, o pescador salvadorenho chegou a ser taxado de fraudulento e foi acusado de canibalizar  o colega.

Alvarenga concedeu sua primeira entrevista após o resgate ao tabloide britânico “Daily Mail” e afirma que "não teria feito isso, mesmo que isso significasse morrer de fome".

O náufrago relatou os momentos em que dormiram nos braços um do outro por conforto e disse que conversou com o corpo de Cordova por quatro dias antes que o jogasse ao mar.

Incapaz de tolerar os alimentos disponíveis - peixe cru, sangue de tartaruga e carcaças de gaivotas -, o pescador morreu após perder mais da metade dos seus 68 kg.

“Não sobrou nenhuma carne em seu corpo. Duvido que tenha servido de refeição até mesmo para os tubarões”, disse Alvarenga.

Ele relatou que sabia que teria de jogar o corpo ao mar, mas a perspectiva de ficar sozinho era tão dolorosa que ele se sentia incapaz e continuou agindo como se Cordova ainda estivesse vivo.

"O oceano tornou-se todo o nosso mundo e ele era o único amigo que eu tinha. Fizemos tudo para confortar um ao outro, até mesmo dormir nos braços um do outro."

"Foi apenas no quinto dia que retomei os sentidos e me perguntei: ‘O que estou fazendo, conversando com um cadáver?’", contou ele ao diário britânico.

Detector de mentira

Em seu país natal, onde vive com sua família - incluindo sua namorada e a filha de 13 anos -, Alvarenga foi homenageado como um herói nacional: o maior sobrevivente da história marítima moderna.

No entanto, ele se diz consciente dos rumores de que sua história é tão improvável que deve haver algum mistério.

No início de abril, determinado a acabar com as especulações, o salvadorenho se submeteu a um detector de mentiras que, segundo seu advogado, provou que sua história é verdade.

Alvarenga contou que, antes do naufrágio, bebia muito, era mulherengo e abandonadou a família, incluindo a filha recém-nascida, sem enviar dinheiro ou ligar para saber como estavam.

Mas disse que sua personalidade foi totalmente transformada pelos longos meses à deriva e que pretende dedicar o resto de sua vida à sua família.

Tempestade

Alvarenga e Cordova partiram do porto de Costa Azul, no México, no dia 17 de novembro de 2012. Segundo Alvarenga, eles não se conheciam antes da viagem e Cordova não tinha experiência com pesca em alto-mar.

O plano era passar um dia e uma noite no oceano. Ao cair da noite, o barco estava carregado com 90 kg de tubarão-martelo e 360 kg de dourado. Eles haviam parado o barco a cerca de 64 km da costa e estavam descansando para voltar ao amanhecer quando estourou uma tempestade.

Alvarenga contou que, por causa da inexperiência, Cordova não soube como reagir e "travou".

"Pedi-lhe para ajudar, jogando os peixes no mar para diminuir nosso peso, mas ele não conseguia, então tive de fazer tudo sozinho."

Para o pescador, os conhecimentos adquiridos em um curso de sobrevivência impediram o naufrágio.

"Se eu não tivesse feito tudo, nós certamente teríamos afundado e nos afogado. A tempestade durou quatro dias, e então, de repente, o mar ficou liso novamente.”

Alvarenga disse que logo percebeu que os dois enfrentavam o desafio de ficar à deriva de maneiras diferentes. Para sobreviver, o pescador teve até mesmo de beber sua própria urina e sangue de tartaruga. Ele disse estar “preparado para fazer o que fosse preciso”.

Já o companheiro teria levado metade de um dia para conseguir engolir seu primeiro pedaço de peixe cru. “Eu costumava cortar o alimento em pedaços pequenos e alimentá-lo como faria com uma criança pequena”, lembrou.

No entanto, à medida que os dias passavam e ficou claro que ninguém iria encontrá-los, Cordova parou de comer e de beber completamente e logo começou a delirar.

"Ele começou a dizer coisas loucas, como pedir para comprar-lhe comida no supermercado... Ele olhava para o mar e dizia: 'Olha lá, essa loja está vendendo mangas frescas e tortillas - você tem de ir e pegar algumas!’.”

O pescador disse ainda que um mês antes da morte de seu companheiro, ambos tiveram uma visão: uma mulher de branco que apareceu por duas noites ao lado do barco. “Mais tarde, cheguei à conclusão de que não era uma mulher – agora acho que era Jesus. Quando Ezequiel morreu, talvez tenha sido a figura de branco que o levou”, acredita Alvarenga.