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Falar sobre "Charlie" é motivo de tabu e irritação em reduto muçulmano de Paris

Stephane Mahe/ Reuters
Imagem: Stephane Mahe/ Reuters

Gabriela Fujita

Do UOL, em Paris

17/01/2015 06h00

Antes de a entrevista começar, Mnakbi Mehrez recita um trecho do Alcorão, faz uma pequena oração em árabe para que a conversa corra bem. Vestido em trajes islâmicos, ele concorda em falar com a reportagem ao ser abordado em uma loja de pães e doces no bairro de Belleville, no 11º distrito de Paris. A região é um dos redutos da comunidade muçulmana na cidade.

Comerciante, o tunisiano de 46 anos contou que não gosta das manifestações da revista satírica "Charlie Hebdo" e diz que desaprova a última edição do semanário, publicada nesta quarta-feira (14), uma semana após o ataque a sua sede. Na capa, Maomé chora ao segurar uma placa com a frase "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie).

"Você aceita isso, você diz que isso é liberdade? É o profeta de um mundo inteiro, é o profeta de uma comunidade. Não se deve tocá-lo", ele diz. "Não estou de acordo, e eles ainda continuam."

Mehrez explica que sua religião não discrimina. "O profeta não escolheu nem negro nem vermelho nem branco. Alá não olha sua imagem, ele não olha seu corpo, suas roupas, ele olha como você pensa, ele olha seu coração."

O comerciante, no entanto, questiona os limites da liberdade de expressão defendida na França. "Nós podemos escrever, desenhar, nós podemos transmitir as coisas, podemos exprimir as coisas como queremos, mas há limites. Se eu digo para você que suas roupas não são de uma mulher correta, você aceita isso? E se hoje nós tocamos no profeta, que foi enviado por Alá, com uma mensagem que será transmitida ao mundo inteiro, nós o tocamos com fotos, caricaturas sexuais, perversas, como irão reagir [os muçulmanos]?"

Assim que fala sobre o "Charlie", Mehrez é repreendido por um homem mais velho, ao seu lado, visivelmente irritado, como se não devesse comentar o assunto com um jornalista. "É isso tudo que posso dizer, a discussão não se faz dentro de um lugar assim, porque você tem muitas perguntas e nós temos muitas respostas. Alá que nos guie a todos", ele diz, encerrando a conversa.

Não foi fácil conseguir que algum outro morador do bairro desse sua opinião sobre os últimos acontecimentos no país. O Belleville não é exclusivo dos muçulmanos, também tem muitas famílias judias e chinesas reunidas ali, mas a região do metrô Goncourt tem uma concentração maior de islâmicos, com várias lojas de livros e roupas no padrão religioso, e pequenas lojas de alimentos e suprimentos árabes, onde é comum que atendentes e clientes falem em idioma diferente do francês.

Em cinco estabelecimentos comerciais ninguém aceitou dar entrevista. Alguns balconistas explicaram que eram muçulmanos, mas que prefeririam falar fora do horário de trabalho. Outros simplesmente responderam que não.

Na rua, em um ponto de menos movimento, duas mulheres concordaram em conversar. Sem dar seu nome, uma delas disse que há uma "confusão total" entre as pessoas muçulmanas e os irmãos Kouachi, que mataram 12 pessoas na redação do "Charlie Hebdo" e gritaram que "o profeta foi vingado" após cometerem o crime. "A situação pode dar uma má impressão do que é o Islã", ela lamenta. "Eles se diziam muçulmanos, mas não são."

Para Nadia, 39, "o Islã é como todas as outras religiões, sempre pede a paz". Ela afirma que agora tem medo, após tudo o que aconteceu. "Quem fez isso não é muçulmano."

Nascida na Argélia e cidadã da França, onde mora há 12 anos, Nadia usa o véu sobre a cabeça quando está em público. Casada com um francês, diz que prefere não se manifestar sobre a postura do "Charlie" quanto à sua religião e a Maomé. "Francamente, nós não temos interesse pelo jornal. Nós preferimos nos retirar, não falar sobre isso. A religião, nós praticamos em casa. No exterior, nós somos franceses."

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