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Apoio à pena de morte mascara incompetência política, diz ativista da Indonésia

Rodrigo Gularte, brasileiro executado pelo governo da Indonésia em abril - Reuters
Rodrigo Gularte, brasileiro executado pelo governo da Indonésia em abril Imagem: Reuters

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

27/05/2015 06h00

O governo da Indonésia utiliza o apoio da população à pena de morte para desviar a atenção das críticas dirigidas ao presidente Joko Widodo, segundo o ativista de direitos humanos Haris Azhar. Catorze pessoas foram executadas por tráfico de drogas somente em 2015, entre elas 12 estrangeiros, incluindo os brasileiros Marco Archer e Rodrigo Gularte.

Azhar é diretor da Kontras (Comissão para os Desaparecidos e Vítimas da Violência), ONG indonésia que se dedica aos casos de violação de direitos humanos e inclusão social. Ele esteve presente no Brasil para participar do 14º Colóquio Internacional de Direitos Humanos pela Conectas, em São Paulo, nesta semana.

Segundo Azhar, Widodo, que assumiu a presidência em outubro de 2014, tentou aumentar sua popularidade utilizando uma tradicional propaganda de combate ao crime no país.

Esse artifício, no entanto, começava a se tornar incomum – entre 2009 e 2014, apenas quatro condenados foram executados na Indonésia, três por assassinato e somente um por tráfico de drogas. Nesse período, os brasileiros e outros estrangeiros ficaram presos por mais de dez anos tentando reverter a pena capital.

“Temos um novo governo cujas políticas não resolveram os problemas do país. Ele foi muito criticado pelo público e resolveu usar algo ‘novo’ para ganhar popularidade. Para isso, fez uso da pena de morte e os estrangeiros que cometeram o crime do tráfico, se aproveitando também do sentimento xenófobo de parte da população”, diz Azhar.

O ativista da Indonésia Haris Azhar, da ONG de direitos humanos Kontras - Conectas/Divulgação - Conectas/Divulgação
Haris Azhar, da ONG Kontras, em SP
Imagem: Conectas/Divulgação

Em contradição a esse apoio popular, o diretor da ONG afirma que a aprovação das pessoas à pena de morte – não apenas na Indonésia, mas também em países que não possuem o sistema como instrumento legal, como o Brasil – está ligada justamente à falta de confiança das pessoas no governo como agente de segurança pública.

“No mundo todo existe essa ideia de que a pena de morte vai resolver. Porque as pessoas desistiram do governo, não acreditam que ele vai conseguir aplicar uma punição. Então pensam: ‘Esqueça o governo, apenas mate os traficantes’, é mais fácil. Não sabem mais o que fazer. Depois, batem palma para esse governo. Que, ainda por cima, usa informações incorretas para justificar: diz que todos os dias 50 pessoas morrem por causa das drogas, mas isso não é real, não é estatístico. É baseado em amostras.”

Azhar também classifica de ineficaz o combate ao tráfico na Indonésia, cujos destinos turísticos, como Bali, são famosos pelo fácil acesso às drogas.

“O governo fala em guerra às drogas, mas só matam os ‘carregadores’ que foram pegos pela polícia. Não são os chefes, que estão tranquilos, fumando charutos e bebendo vinho. O sistema do tráfico é complexo, indo dos ‘cabeças’, passando pelos distribuidores e terminando no consumidor. E cada camada, de certa forma, está protegida por oficiais do governo.”

Segundo o ativista, o governo da Indonésia não imaginava, no entanto, o quão negativa seria a repercussão das execuções, que foram condenadas internacionalmente e causaram, inclusive, atrito entre o país e o Brasil.

“Nosso governo não sabe nada sobre direitos humanos ou relações internacionais, não pôde medir a pressão contrária. O presidente disse ‘não’ a todos os condenados, que foram julgados em diferentes circunstâncias. Não pode fazer essa ‘limpeza’ de uma vez, é como um genocídio. Acho que foi uma tentativa de afastar a Indonésia dos países ocidentais.”

“Sinto por Rodrigo”

Azhar aponta o caso do brasileiro Rodrigo Gularte, diagnosticado com esquizofrenia paranoide no ano passado, como um exemplo de que não houve cuidado nem mesmo com a legislação local.

“Rodrigo se mostrou claramente um portador de problema mental. Vi duas cartas de médicos apontando que ele tinha esquizofrenia. E, de acordo com a lei da Indonésia, alguém com esse tipo de doença não pode ser punido.”

A Kontras chegou a fornecer amparo a Gularte, pouco antes da execução, e Azhar conheceu o brasileiro, então afetado pela doença, na prisão, no ano passado. “Tentei me comunicar com ele, mas não funcionou, então perguntei ao guarda da prisão sobre suas condições. Ele contou que a embaixada brasileira levava comida a Gularte”, relata.

“Sinto muito pelo que aconteceu com Rodrigo e com os outros. Temos de continuar enfrentando isso, porque esse governo louco agora quer o segundo e o terceiro round [na execução de condenados]. É muito deprimente.”