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Marca de Trump, narcisismo foi 'diagnosticado' em diversos presidentes dos EUA

Donald Trump durante campanha em Kiawah Island, na Carolina do Sul - Matt Rourke/AP
Donald Trump durante campanha em Kiawah Island, na Carolina do Sul Imagem: Matt Rourke/AP

Tatiana Pronin

Colaboração para o UOL, em Nova York

22/02/2016 06h01

Os discursos dos candidatos republicanos à Presidência dos Estados Unidos, em especial os do multimilionário Donald Trump, têm sido um prato cheio não apenas para comediantes, como também para estudiosos do comportamento humano. Em diversas reportagens publicadas recentemente, especialistas declaram que Trump é um típico exemplo de personalidade narcisista: possui o ego inflado e pouca empatia.

Entre eles está o psicólogo especializado em desenvolvimento humano Howard Gardner, famoso por sua teoria das inteligências múltiplas, publicada em 1983. "Notavelmente narcisista", diz ele sobre Trump, em declaração à revista "Vanity Fair". Ao UOL, o professor da Universidade de Harvard esclarece que não utiliza o termo para fazer um diagnóstico clínico. "Eu estou usando o sentido amplo [da palavra], que remonta aos gregos --alguém que tem uma noção exagerada de si mesmo, espera impressionar todo mundo e demonstra relativamente pouco interesse nos outros", explica. Para ilustrar o conceito, ele cita uma piada: "Nós falamos bastante sobre mim. Agora, vamos falar de você --o que você acha de mim?", diz o narcisista para um ouvinte.

É impossível não concordar com o psicólogo ao acompanhar o Twitter do candidato ou suas entrevistas: "Todas as mulheres de 'O Aprendiz' [reality show do qual ele já foi apresentador] flertaram comigo --consciente ou inconscientemente" e "Meu QI é um dos mais altos --todos vocês sabem disso!" são exemplos de declarações que não deixam dúvidas.

Presidentes narcisistas

Richard Nixon e Lyndon Johnson - AP - 6.nov.1968 - AP - 6.nov.1968
No ranking dos presidentes dos EUA mais narcisistas, Richard Nixon (à esq.) aparece em sexto, e Lyndon Johnson (à dir.) é o primeiro da lista
Imagem: AP - 6.nov.1968

Mas será que não é preciso ser meio narcisista, mesmo, para almejar o posto de presidente dos EUA? "Algumas pessoas querem ser líderes porque acreditam em alguma coisa, e querem conquistar algo --eu colocaria [Barack] Obama nessa categoria. Outros apenas querem ser o centro das atenções e exercer o poder, e eu colocaria vários dos candidatos republicanos nessa categoria", opina o professor de Harvard.

Artigos que analisam as semelhanças entre políticos e o jovem personagem da mitologia grega que se apaixona pela própria imagem são comuns no meio acadêmico, especialmente numa época em que até o presidente dos EUA publica selfies. Mas, apesar de a maioria das pessoas associar personalidades infladas e pobres em empatia a tiranos que deflagraram assassinatos em massa, como Hitler e Stalin, é preciso destacar que nem todo narcisista trabalha para o "lado obscuro da força".

Em uma pesquisa publicada em 2013, no periódico Psychological Science, psicólogos das universidades Emory e Geórgia destacam os presidentes dos EUA que reúnem mais traços de narcisismo. E os resultados mostram que alguns dos recordistas também estão entre os mais respeitados no país. O "número 1" da lista é Lyndon Johnson, famoso por sua contribuição aos Direitos Civis, seguido por Theodore Roosevelt, que ganhou o Nobel da Paz.

Mas também há nomes mais controversos. O terceiro é Andrew Jackson, o quarto, Franklin Roosevelt. Richard Nixon, famoso pelo escândalo Watergate, aparece em sexto, depois de John F. Kennedy. Bill Clinton vem em sétimo; George W. Bush é o décimo primeiro; e Ronald Reagan ocupa a décima quinta posição. George Washington, Abraham Lincoln e Jimmy Carter estão bem mais abaixo. Obama não foi avaliado porque ainda é governante.

Como comenta W. Keith Campbell, chefe do departamento de psicologia da Universidade da Geórgia e coautor do estudo, em entrevista ao UOL, o "pacote" é bem variado. "Pelas pesquisas que temos, os presidentes narcisistas são mais frequentemente julgados como grandes líderes --mas também são mais propensos a ser menos éticos", declara.

Pouco interesse nos outros

O pesquisador, autor do livro "The Narcissism Epidemic, Living in the Age of Entitlement" (A Epidemia do Narcisismo, Vivendo na Era da Titularidade, em tradução livre), entre outros sobre o tema, conta que, quanto maior o nível de narcisismo, menor o de empatia, a capacidade de se colocar no lugar dos outros.

As declarações ofensivas a muçulmanos, mulheres e mexicanos deixam essa característica evidente em Trump. Mas, embora colecione frases de efeito, o multimilionário não é o único candidato decidido a impor limites a imigrantes (mesmo tendo se casado duas vezes com modelos nascidas em outros países). Os republicanos Marco Rubio e Ted Cruz são filhos de cubanos, e, nem por isso, são a favor de abrir as fronteiras para os refugiados.

Quando questionado se isso não seria um sinal claro de falta de empatia, Campbell observa que existem outros aspectos a serem considerados, nesse caso. Defender o emprego e o salário dos trabalhadores que nasceram nos EUA também pode ser visto como um sinal de compaixão, assim como discursar a favor dos imigrantes pode ser apenas uma estratégia para conquistar mais votos.

Efeito "bolo de chocolate"

Em um de seus artigos científicos, Campbell pondera que boa parte dos narcisistas conquista as pessoas com facilidade num primeiro momento, por seu carisma e assertividade, mas tem problemas para manter seu favoritismo a longo prazo. Ele compara essas figuras a um bolo de chocolate: você devora o primeiro pedaço e, depois de terminar o segundo, promete para si mesmo que vai ficar um tempo longe da guloseima. Já quando se escolhe comida saudável, a recompensa pode não ser tão gratificante na hora, mas depois vale a pena.

O estudo de Campbell, publicado no periódico Self and Identity, mostra que os relacionamentos com narcisistas costumam ter duas fases: a inicial, chamada de "zona de emergência", e a segunda, de "resistência". Ou seja, depois da lua de mel aparecem os defeitos, como a agressividade e os abusos. Uma tática comum, descreve o psicólogo, é o narcisista dar um passo atrás e voltar à primeira fase, para voltar a ser admirado. No campo amoroso, isso pode se traduzir, por exemplo, em casamentos e divórcios sucessivos.

Howard Gardner também faz um comentário interessante sobre a chama transitória dos que aparecem demais, ao responder a pergunta sobre a presença de egos inflados em outros setores, como o mercado financeiro: "Certamente há narcisistas no mundo dos negócios e alguns deles são muito bem-sucedidos, pelo menos por um tempo. Mas outros  líderes de sucesso com frequência ficam longe dos holofotes e duram bem mais."

Quer dizer que os narcisistas acabam perdendo a popularidade com o tempo? De acordo com os estudos de Campbell, essa é a tendência, embora o psicólogo deixe claro que faltam dados para confirmar a hipótese na esfera política. Será preciso acompanhar as próximas primárias para ver se a fórmula se aplica a Trump.

Outras declarações polêmicas de Trump

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    o republicano, sobre implementar um sistema para rastrear dados de muçulmanos nos EUA
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