Hoje símbolo de luta ao terrorismo, Tintim já foi contestado por racismo

A criação máxima do quadrinista belga Hergé, pseudônimo de Georges Remi (1907-83), o personagem Tintim está sendo usado nesta terça-feira (22) como símbolo da resistência ao terrorismo e à intolerância após os atentados de Bruxelas, que mataram mais de 30 pessoas.
Hoje reconhecido mundialmente como um jovem e aventureiro Tintim que roda o mundo fazendo reportagens, o personagem tem suas primeiras obras marcadas por polêmicas.
A história de estreia do personagem, “Tintim no País dos Sovietes” (1929), apresentava um desenhista ainda em formação e uma história cheia de hiatos. Era praticamente um manifesto anticomunismo, com a União Soviética mostrada como um país artificial, onde nada era o que parecia.
Nesta aventura, Tintim viaja ao Congo Belga (que depois viria a se chamar Zaire e, atualmente, República Democrática do Congo), então uma colônia da Bélgica --na primeira edição portuguesa deste livro, o nome foi alterado e virou "Tim-Tim em Angola", então colônia de Portugal.
Tintim figura, no livro, como mais forte e inteligente que os africanos, retratados com inocência infantil. Em uma cena, o jornalista substitui o professor dos jovens africanos e leciona aos congoleses sobre a sua "pátria, a Bélgica". Quando Tintim volta à Europa, os africanos criam um ídolo de madeira para adorá-lo como se fosse um deus.
Biógrafos de Hergé apontam, para isso, a influência do artista chinês Zhang Chongren, amigo do quadrinista belga, que teria passado a criar histórias com um caráter mais humano e menos eurocêntrico. Chongren é a inspiração para Tchang.
"Tintim no Congo" foi publicada inicialmente em capítulos separados e reunida em livro em 1931. Em 1946, foi revisada por Hergé e relançada com alterações: não há mais a cena que Tintim explode um rinoceronte com dinamite e a aula sobre a pátria Bélgica é substituída por uma de matemática.
Processo e cinema
Quando "Tintim no Congo" foi lançada pela editora Egmont na Inglaterra, em 2005, trazia um aviso dizendo que o livro tinha estereótipos e que alguns leitores poderiam considerá-lo ofensivo.
Dois anos depois, “Tintim no Congo” foi retirado da Biblioteca Municipal do Brooklyn, em Nova York, devido a reclamações quanto ao teor racista da obra e por não ser adequada para crianças.
Em 2010, um congolês moveu, na Bélgica, uma ação contra “Tintim no Congo”, pedindo sua proibição devido a representações racistas. Após dois anos de processo, a Justiça belga decidiu que não havia intenção de racismo por parte de Hergé no quadrinho.
A polêmica não atingiu a reputação de Tintim em Hollywood: lançada em 2011, a animação “As Aventuras de Tintim” teve direção de Steven Spielberg, Peter Jackson na produção executiva e nomes como Daniel Craig e Simon Pegg no elenco.