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Fidel entra para a história como o último revolucionário, mas sua morte não impacta o presente, dizem especialistas

Thiago Varella

Colaboração para o UOL

26/11/2016 19h45

A morte do líder cubano Fidel Castro marca o desaparecimento de uma figura emblemática do planeta no século 20, mas não terá nenhum grande impacto nas relações internacionais ou, até mesmo, na política interna de Cuba. Esta é a opinião de especialistas ouvidos pelo UOL.

Inegavelmente, Fidel foi o grande líder da revolução cubana, mas, devido à fragilidade de sua saúde, se afastou do poder em julho de 2006 e, desde então, não exercia mais tanta influência na política de seu país.

Para Luis Fernando Ayerbe, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor de um livro sobre a revolução cubana, a morte de Fidel não traz implicações imediatas nem mesmo dentro de Cuba.

"A morte de Fidel não é uma surpresa. Ele não morreu no exercício de seu poder e estava fora por questões de doença. Fidel tinha 90 anos e já não intervinha na política cotidiana de Cuba. Ele era importante por estar lá, por escrever artigos em jornais, mas sua morte não influencia em nada a política latino-americana", afirmou.

Mesmo em Cuba, um país comunista que gradativamente vem se abrindo ao capital estrangeiro, Fidel vinha fazendo exercendo muita influência ultimamente.

"Desde 1995, Fidel vinha instaurando reformas de abertura em Cuba e incentivando o turismo. Raul Castro aprofundou este processo com a atualização do modelo. Acredito que o país vai continuar seguindo esta guia com Raul e, depois dos Castro, conseguirão estabelecer uma sucessão. O partido Comunista de Cuba já se preparou para a transição futura", disse.

José Augusto Guilhon, professor titular de Ciência Política e Relações Internacionais da USP, concorda que Fidel já não exercia mais tanta influência em Cuba. Para ele, a falta de relevância do próprio país faz com que a morte de Fidel seja importante do ponto de vista histórico, mas sem implicações reais no presente.

"Fidel foi um líder importante que envelheceu no poder e foi colocado em uma posição secundária. Ele estava muito mais representado pelos movimentos bolivarianos na América Latina do que, de fato, em Cuba, que, para mim, não é mais significativa no mundo. Dentro da ilha, pouco vai mudar também já que um Castro continua no poder", afirmou.

"A importância de Fidel foi diminuindo muito antes de ele deixar oficialmente o poder. Nos últimos anos, ele esteve sempre com cuidados médicos e não tinha mais tônus para interferir. Esses grandes líderes que são colocados em papeis secundários perdem esse halo", completou.

Se no presente, a consequência da morte de Fidel é pequena, historicamente a morte do líder cubano marca o fim do "último revolucionário", para Ayerbe. Apesar de o poder em Cuba estar nas mãos de seu irmão, que também participou de todo o processo revolucionário com Che Guevara, Camilo Cienfuegos e tantos outros, Fidel era o último líder vivo das revoluções sociais comunistas do século 20.

"Como Lênin e Ho Chi Minh, Fidel está entre as figuras que tiveram sucesso na tomada do poder na via revolucionária e na implantação de um novo sistema político e econômico. Ele foi o último revolucionário. E, dentro desta perspectiva progressista, hoje não há mais ninguém. Mesmo dentro das lideranças dos processos conservadores, não há líderes que marcarão o século. Fidel representa um processo de um país que continua dentro da revolução. Ele conseguiu levar adiante essa utopia. Em vida, ele viu seu projeto se realizar", disse Ayerbe.

"Dentro de seu projeto, Fidel não fracassou. Ele morreu dentro de seu país e dentro do sistema político de seu país", completou.

Para Guilhon, é ainda muito cedo para afirmar que Fidel será lembrado como um líder libertador ou como um ditador assassino. O fato é que, o líder cubano já entrou para a história.

"Se você fizer um resumo do que os grandes líderes disseram, todos fizeram questão de se declarar amigo, elogiar como pessoa e reconhecer sua imagem como grande defensor dos pobres e oprimidos. Acho que isso vai continuar. Fidel tem uma aura neste sentido. Agora, a história vai dizer no futuro se a contribuição dele foi para a maior libertação dos oprimidos ou para a continuidade da opressão", opinou.