Quem é o social-democrata que ameaça pôr fim a 12 anos de "reinado" Merkel
Em um referendo realizado em junho de 2016, eleitores britânicos decidiram que seu país deixaria a União Europeia, um passo no sentido do isolamento que ficou conhecido como Brexit. Cinco meses depois o povo americano elegeu como presidente Donald Trump, após este ter conduzido uma campanha fortemente contrária a estrangeiros.
As duas vitórias inesperadas levantaram a dúvida: as eleições que ocorrem em diversos países europeus em 2017 também vão abrir espaço a líderes populistas dispostos a aventuras?
Em setembro, o povo alemão renovará o comando da maior economia europeia. No país, até o momento a grande surpresa é, no entanto, Martin Schulz, do SPD (Partido Social-Democrata), 61.
O ex-presidente do Parlamento Europeu tem sido descrito como o primeiro candidato de centro-esquerda com uma chance realista de substituir Angela Merkel, do partido de centro-direita CDU (União Democrata Cristã). No poder há 12 anos, a chanceler era até pouco tempo considerada imbatível.
Na Alemanha, a população não elege diretamente o chanceler, mas elegem os representantes no Parlamento que, em seguida, efetivamente escolhem o líder. Mas como uma eleição determina o resultado da outra, os partidos mais importantes apresentam antecipadamente quem seria o seu candidato ao posto, o que por sua vez influencia as votações para os parlamentares.
Em janeiro de 2017, o SPD apontou Schulz como seu escolhido. Inesperadamente, isso fez com que a proporção de pessoas dispostas a votar no partido para as eleições parlamentares aumentasse de 23% na última semana de janeiro para 33% no início de abril, segundo pesquisa do jornal “Bild am Sonntag” em parceria com o instituto Emnid.
Isso o coloca em empate técnico com o partido de Merkel, que também tem 33% das intenções de voto. Uma pesquisa do site Spiegel Online realizada através de diversos sites e publicada no final de fevereiro de 2017 aponta a CDU de Merkel com uma ligeira vantagem, mas em empate técnico: 32,8% das intenções de voto contra 32,5% do SPD.
Caso obtenha a maioria nas eleições, o SPD apontaria o chanceler e teria maior poder para ditar a política alemã - atualmente, o partido é o segundo mais bem representado no Parlamento, o que faz com que atue no governo, mas em segundo plano, via, por exemplo, o vice-chanceler e ministro das Relações Exteriores Sigmar Gabriel
Independente do resultado das eleições, a ascensão de Schulz tem sido enxergada como um sinal positivo para as instituições alemãs. Isso porque seu sucesso ajuda a barrar a migração de votos dos insatisfeitos para a AfD (Alternativa para a Alemanha), um partido nacionalista conservador com tendências populistas que vem fortalecendo sua presença no país à base, por exemplo, de campanhas que retratam imigrantes negros sorrindo com as mãos cheias de euros.
Em entrevista ao UOL, o pesquisador Gero Neugebauer, cientista social da Freie Universität Berlin especializado em social-democracia afirma que “nos últimos 10 anos o SPD nao teve nenhuma pessoa capaz de motivar os participantes e funcionários do partido como Schulz”. Ele tem injetado energia no ambiente político alemão seguindo um caminho oposto ao dos fenômenos Brexit e Trump.
Apesar do ar de novidade, o fato de que Schulz era presidente do Parlamento Europeu e de que seu partido já é atualmente coligado com o governo também pode significar continuidade em diversos aspectos da política alemã e europeia.
O UOL esteve presente no dia 10 de abril em uma coletiva de imprensa de Schulz voltada a jornalistas estrangeiros na Willy-Brandt-Haus, o quartel general do SPD. Nela, Schulz apoiou reformas trabalhistas e cortes de gastos em países em crise, defendidos pela cúpula da União Europeia e apoiados pelo governo Merkel.
“A República Federal da Alemanha tem um grande interesse em que a Zona do Euro cresça com estabilidade. Para que isso ocorra são necessárias reformas nesses países. Agora, nós observamos que uma série de mudanças resultaram em sucesso parcial. A Espanha, por exemplo, teve crescimento econômico e uma queda do desemprego entre jovens homens e mulheres”, afirmou.
Schulz é um grande defensor da União Europeia, e manteria, caso eleito, a Alemanha como peça central contra a desintegração do bloco econômico. “Tanto Merkel quanto Schulz condenam o Brexit. Este com mais força”, diz Neugebauer.
“O debate em torno do Brexit mostrou a necessidade premente de fortalecer a União Europeia. Nós somos um país exportador, e a maior parte de nossas exportações vai para a União Europeia. O fortalecimento desse mercado é do interesse da Alemanha”, afirmou Schulz na coletiva de imprensa.
Questionado sobre qual seria a política Alemã em relação à América Latina, Schulz deu uma resposta que se pareceu com a de um candidato à presidência do bloco europeu.
“Os europeus atingiram uma integração regional via União Europeia. Quando se pensa em Cone Sul, Mercosul, Unasul e Pacto Andino também há elementos de integração regional na América Latina. Se eles forem aprofundados, isso se tornaria economicamente muito interessante para ambos os lados. Isso não diz respeito apenas à relação entre Alemanha e América Latina, mas entre os Estados participantes da União Europeia em conjunto”, afirmou.
A Alemanha recebeu, desde 2015, cerca de um milhão de refugiados, mas Schulz promete aprofundar a política de acolhimento de imigrantes. Isso porque o SPD avalia que o envelhecimento da população e a baixa natalidade tornam a vinda de estrangeiros necessária. O partido defende, por exemplo, uma lei segundo a qual o governo definiria anualmente quantos imigrantes de fora da União Europeia podem se estabelecer no país.
O governo de Angela Merkel, por outro lado, perdeu apoio de sua base conservadora com a política de acolhimento de refugiados e não apresenta um projeto similar ao do SPD.
Mas o que explica o entusiasmo com o candidato?
O sucesso de Schulz
Schulz se beneficia do fato de que construiu sua trajetória política no Parlamento Europeu, relativamente afastado de Berlim, o que faz com que seja encarado como um nome fresco no SPD e na política interna alemã.
Para Neugebauer, outro fator é sua trajetória: Schulz tem origens relativamente humildes, passou por crises pessoais, mas “chegou lá”. “Com a sua própria imagem ele promove um exemplo de biografia social-democrata, em que a ideia de ascensão social se efetivou”, afirma Neugebauer.
Apesar de falar seis línguas (além do alemão, fala francês, inglês, holandês, italiano e espanhol), Schulz foi um mau aluno na adolescência e não chegou a terminar o ensino secundário.
Ele passou pela formação técnica de vendedor de livros, que marcou o começo de uma vida profissional modesta. Na juventude, desenvolveu alcoolismo e correu o risco de ser despejado antes de parar completamente de beber, uma história de superação que é destacada pelo próprio político.
Em entrevista concedida em 2015 ao jornal “Berliner Zeitung”, Schulz afirmou: “comecei a beber muito mesmo aos 18, 19 anos. Mas tive a sorte de perceber relativamente cedo que o álcool me destruía. Aos 24 anos, decidi passar a viver em abstinência”.
Carismático, o político usa sua própria biografia para defender a ideia de justiça social e igualdade, antigos ideais dos social-democratas que ele aponta como parte de um futuro possível.
Em discurso realizado no final do abril durante a apresentação da candidatura para o SPD, Schulz afirmou: “quando tanto o pai quanto a mãe de uma família com crianças trabalham e mal podem pagar o aluguel em um centro urbano, isso não é justo. Quando o chefe de uma empresa toma decisões desastrosas e mesmo assim recebe milhões em bônus, e uma vendedora, por sua vez, é demitida por um pequeno erro, isso não é justo”.
Para Neugebauer, Schulz “formula uma narrativa de um futuro em que as pessoas terão uma boa vida com segurança social, econômica e interior e não sofrerão os resultados negativos da globalização”.
Após um período de euforia em torno do candidato, seu poder de puxar votos tem sido, no entanto, relativizado recentemente. O motivo é o resultado pouco impressionante do partido nas eleições realizadas em março para o parlamento de Saarland, um pequeno Estado ao Sul do país com população de cerca de um milhão de habitantes. O chamado “efeito Schulz” não foi o suficiente para que o SPD, que obteve 29,6% dos votos, superasse a CDU, que obteve 40,7%.
Para Neugebauer, no entanto, a decepção é exagerada. “Quando se leva em conta que uma mudança de poder em Saarland só seria possível com a cooperação de partidos de esquerda e o Partido Verde, então o resultado do SPD, apesar de insatisfatório, não foi catastrófico.”
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