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Sanções funcionam? Coreia do Norte ganha dinheiro com crimes e confisco de salários

Dinheiro norte-coreano traz imagem de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte - Wong Maye-E/ AP
Dinheiro norte-coreano traz imagem de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte Imagem: Wong Maye-E/ AP

Gabriel Melo*

Do UOL, em São Paulo

07/08/2017 04h00

Por ter uma das economias mais centralizadas e fechadas do mundo é difícil se rastrear a origem do dinheiro que financia a Coreia do Norte e seu programa nuclear, porém é possível identificar algumas fontes do governo norte-coreano.

Segundo Melissa Hanham, pesquisadora sênior do CNS (Centro de Estudos de Não-Proliferação, na sigla em inglês) o governo da Coreia do Norte utiliza vários meios para fazer dinheiro e faz uma "combinação de comércios criminosos e legais".

O principal meio legal que o país utiliza para ganhar dinheiro é a exportação de recursos naturais (produtos primários) como carvão, têxteis, produtos agrícolas e minérios. A China é a maior compradora de carvão e outras commodities norte-coreanas e segundo diversos especialistas ela é responsável por 80% das negociações externas do país, sendo a principal base da economia da economia norte-coreana. Porém as sanções contra a Coreia do Norte e a pressão internacional vêm fazendo com que a China diminua as importações, o que não necessariamente signifique que as negociações entre os países tenham diminuído, pois outras formas de comércio surgiram.

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Para James Pearson, autor do livro "North Korea Confidential "[Coreia do Norte Confidencial] e correspondente da Reuters na Coreia do Sul, a Coreia do Norte possui uma economia de mercado interno em expansão, que está sendo impulsionado pelo comércio privado e pela taxação aos ricos e que é contrária à crença, de que o dinheiro em grande maioria vem de fontes externas e de maneira ilegal.

"O dinheiro real vem de fontes internas. A Coreia do Norte, na verdade, tem uma economia incrivelmente voltada para o mercado interno. Os ricos norte-coreanos em empresas estatais têm bastante autonomia para fazerem o que quiserem, desde que passem 70% de seus lucros para o Estado. Os outros 30% são livres para investirem no que escolherem", disse James.

Para ele a economia norte-coreana está crescendo graças a uma abordagem de marketing voltado à comercialização, que é claramente capaz de financiar em parte o programa nuclear e esse dinheiro melhorou muitos os padrões de vida das pessoas comuns.

Porém apesar da existência da economia interna, a Coreia do Norte, atualmente, utiliza outras fontes de dinheiro e nos últimos anos investiu em métodos para driblar as sanções e desenvolveu 'habilidades' para conseguir dinheiro por meios ilegais e imprevisíveis (difícil de serem detectados). Um relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSC) deste ano disse que as técnicas de evasão da Coreia do Norte estão "aumentando em escala, alcance e sofisticação".

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Garçonete arruma cadeiras no terraço de um restaurante em Pyongyang, Coreia do Norte
Imagem: Wong Maye-E/ AP

Crimes

Os norte-coreanos possuem uma densa lista de atividades criminosas que utilizam e que se tornaram especialistas, como ciberataques, falsificação de moedas, tráfico de drogas e de armas, falsificação de produtos e uso de empresas de fachada. Além de exportar trabalho forçado, o que de acordo com Amanda Berger, pesquisadora sênior do CNS (Centro de Estudos de Não-Proliferação, na sigla em inglês), só é considerado ilegal se entidades sancionadas estiverem envolvidas.

De acordo com um levantamento da agência de notícias Associated Press (AP), as atividades norte-coreanas estão presentes em diversos lugares e foi identificado que a Coreia do Norte atua na Angola, Congo, Egito, Eritreia, Kuait, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Oman, Qatar, Rússia, Sudão, Síria, Uganda e Emirados Árabes Unidos.

Na Rússia, China, e no Oriente Médio, por exemplo, por meio da venda de trabalho forçado o governo norte-coreano consegue dinheiro. Ele envia milhares de trabalhadores para trabalharem em indústrias ou em outros setores em condições de trabalho 'escravo'.

Relatos feitos pelo "The New York Times" mostram que norte-coreanos trabalham na Rússia em setores de construção, inclusive na construção de estádios para a Copa do Mundo de 2018, e tem grande parte de seus ganhos confiscados pelo Estado norte-coreano. Ficando apenas com o dinheiro necessário para manter os custos de vida.

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Um relatório do Banco de Dados do Centro para Direitos Humanos Norte-Coreanos, um grupo de Seul, disse que o Partido dos Trabalhadores da Coreia fica com 80% dos salários pagos aos trabalhadores que extraem madeira, por exemplo, e que as autoridades coreanas ganham pelo menos US$ 120 milhões (cerca de R$ 374 milhões) por ano dos trabalhadores enviados para a Rússia. Outro relatório, feito pela ONU em 2015, estima que os trabalhadores são forçados a trabalhar até 20 horas por dia, com apenas um ou dois dias de descanso por mês e sofrem abuso, ameaças e vigilância constante.

Na região do Golfo também se observa uma grande presença de trabalhadores norte-coreanos, segundo a Associated Press. Estima-se que existam 6 mil norte-coreanos por lá, menos do que a Rússia, que abriga quase 50 mil. As condições de trabalho dos norte-coreanos nos países da região, principalmente nos Emirados Árabes Unidos, Kuait e Qatar, também são bem ‘forçadas’.

Um desertor norte-coreano entrevistado disse que o seu trabalho poderia ser considerado "escravo", uma vez que ele não recebia o salário mensal prometido de US$ 120 (cerca de R$ 374) dos gerentes das empresas de construção, enquanto trabalhadores indonésios ganhavam de US$ 450 (cerca de R$ 1.405) a US$ 750 (cerca de R$ 2.343) por mês.

Atualmente a contratação de trabalhadores norte-coreanos é proibida em países que estão em conformidade com as sanções da ONU, e o Qatar é um deles, porém em um comunicado enviado para a AP, o Qatar disse que não renovará o visto dos trabalhadores.

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Trabalhador norte-coreano arruma chuteiras em fábrica em Dandong, na China
Imagem: Aly Song/ Reuters

Ciberataques

Além de exportar mão-de-obra, a Coreia do Norte também tem recrutado jovens desde o começo dos anos 90, para ensiná-los a hackear computadores, de acordo uma matéria do "The New York Times", e desde 2009 especialistas em cibersegurança sul-coreanos começaram a identificar ataques de hackers norte-coreanos, que visavam obter dados secretos e causar transtorno social, porém hoje os ataques mudaram de foco e não visam mais somente informações secretas, mas sim dinheiro.

Um instituto apoiado pelo governo sul-coreano aponta que os norte-coreanos estavam por trás de diversos ciberataques, incluindo um roubo digital, ocorrido este ano, de US$ 81 bilhões de um banco central de Bangladesh.

A empresa de cibersegurança russa Kaspersky identificou grupos hackers norte-coreanos que foram responsáveis por ataques em instituições financeiras de pelo menos 18 países. Um deles, conhecido como "Bluenoroff" foi responsável por pelo menos sete ataques, nos últimos dois anos.

Os grupos de hackers atuam roubando cartões de crédito e retirando dinheiro dos clientes de bancos, vendem dados bancários para o mercado negro, utilizam malwares ou vírus para trapacear em sites de poker online e de apostas e roubam moedas digitais. Segundo os especialistas do instituto sul-coreano, acredita-se que hoje, a Coreia do Norte patrocine 1700 hackers, que contam com uma equipe de mais de 5 mil supervisores.

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Homem usa pistola de jogo eletrônico em casa de diversões em Pyongyang
Imagem: Wong Maye-E/ AP

Lavagem de dinheiro

As técnicas modernas da Coreia do Norte conseguir dinheiro não se limitam somente aos roubos digitais. Uma prática muito utilizada por eles é o uso de empresas de fachada para lavar dinheiro, vender ou adquirir produtos ilegais.

A abertura dessas empresas só é possível porque a Coreia do Norte utiliza a participação de pessoas, terceiros facilitadores, norte-coreanos ou de outras nacionalidades que gerenciam e abrem diversos tipos de negócios em outros países, onde na maioria das vezes se cria uma rede que permite que um esquema de tráfico de armas e minérios sancionados seja feito de maneira discreta.

No painel de especialistas das Nações Unidas, é possível identificar diversos relatos de casos de empresas e indivíduos ligados à Coreia do Norte que foram sancionados após terem o seu esquema descoberto. É possível observar diversas táticas, onde as empresas conseguiram utilizar brechas das leis dos países e driblar as sanções. Na maioria dos casos há alteração nos nomes e endereço das empresas, porém a cada dia se descobrem novos esquemas.

Em um caso citado no painel, por exemplo, foi descoberto que o governo norte-coreano havia aberto uma filial ilegal de um banco vietnamita na Coreia do Norte. O detalhe é que o banco foi aberto por dois diplomatas vietnamitas que permitiram a abertura do banco sem terem informado o governo do Vietnã, que só ficou sabendo da existência da filial, após o esquema ser descoberto.

Para Melissa Hanham, é comum que a Coreia do Norte utilize empresas de fechada que em alguns casos são ou tem o endereço de embaixadas, onde são utilizadas também para solicitar itens que são normalmente considerados de duplo uso, mas que na verdade podem ter uma aplicação civil ou militar.

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Mulher para em quiosque que vende lembranças e flores em Pyongyang enquanto pedestre de sombrinha aguarda para atravessar a rua
Imagem: Wong Maye-E/ AP

"Isso é possível porque todos os países exigem um license requirement [licença de requerimento] para que os objetos deixem o país, mas é possível disfarçar o destino final e existem várias técnicas, como o transshipment, onde o produto é enviado para um país intermediário e depois pode ter o seu destino alterado para a Coreia do Norte", disse Melissa.

Melissa reconhece que esse é um problema muito difícil de se resolver. "Reconheço que é um problema desafiador, porque é muito fácil começar e fechar uma empresa e ter muitas nacionalidades, identidades, exportadores envolvidos e coordenar tudo ao mesmo tempo... É muito difícil ter vários países cooperando em uma atividade como está", afirmou.

Leo Byrne, especialista em Coreia do Norte e analista no site NK News, disse que os norte-coreanos também falsificam documentos para transportar objetos. "Eles falsificam manifestos de carga e escondem itens em contêineres de transporte. Esses contêineres podem até ser levados por grandes empresas que respeitam as leis, mas que desconhecem que estão movendo artigos sancionados que eventualmente acabarão na Coreia do Norte", disse Leo Byrne.

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Como parar a economia da Coreia do Norte

Muitos acreditam, principalmente os EUA, que a melhor forma de evitar que a Coreia do Norte ganhe dinheiro e desenvolva a tecnologia militar é aumentando as sanções contra o país.

Porém segundo Andrea Berger, atualmente existe um debate sobre o objetivo das sanções, mas que o foco é o desenvolvimento militar. "O que pode se dizer é que o papel principal das sanções é o de retardar o tempo de desenvolvimento nuclear, aumentando os custos e os esforços necessários, além de impedir que a Coreia do Norte venda a tecnologia militar para outros lugares", disse.

Segundo ela, os EUA argumentam que em um sistema como o da Coreia do Norte, qualquer receita, seja de fontes legais ou ilegais, pode, em teoria, ser canalizada para os programas nucleares e portanto, é preciso restringir a economia do país, pois esse seria um dos meios de mudar a mente dos norte-coreanos.

James Pearson acredita que quanto mais sanções existirem contra a Coreia do Norte, maior será o seu esforço para criar meios de escapar das sanções e que existe isso pode até ser comparado com a guerra ao tráfico de drogas. "Ao legalizar as drogas você tem mais controle sobre como ela se espalha. Agora se torna-la ilegal, aqueles que a estão produzindo, vendendo, ou comprando irão encontrar novas maneiras criativas de não serem pegos", disse James.

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Imagem divulgada pela agência oficial norte-coreana mostra o ditador Kim Jong-un assinando documentos para o teste do míssil balístico intercontinental em um local não identificado na Coreia do Norte
Imagem: KCNA via KNS e AFP

O Conselho de Segurança da ONU aprovou no sábado (5), por unanimidade, novas sanções contra a Coreia do Norte, que incluem uma proibição de importar bens deste país, privando Pyongyang de US$ 1 bilhão em ingressos anuais. Com as novas sanções, a Coreia do Norte perde um terço da receita de suas divisas no exterior, que chegam a US$ 3 bilhões por ano, de acordo com um diplomata próximo da negociação.

Outra maneira de barrar a Coreia do Norte defendida pelos americanos e outros países é pressionar a China a diminuir ou acabar com as ligações comerciais com a Coreia do Norte, já que ela é responsável por grade parte do comércio exterior do país.

Andreia Berger afirma que se isso ocorresse haveriam consequências humanitárias na Coreia do Norte. "Sem dúvida, teria consequências humanitárias generalizadas para o país e, possivelmente, reforçaria os esforços para incentivar mudanças sociais positivas na Coreia do Norte. No entanto, para aqueles que acreditam que a Coreia do Norte deve ser incapacitada economicamente esse é um caminho de ação desejável, então é preciso pressionar a China", disse.

Muito se debate também sobre a eficácia das sanções em vigor, mas o que se sabe é que é muito difícil fazer com que elas funcionem 100%, uma vez que cada país membro da ONU é responsável por criar e fiscalizar as próprias leis e isso não ocorre de maneira perfeita.

* Colaborou Talita Marchao