O que está acontecendo na Venezuela?
A Venezuela passa por um período conturbado em que é palco de série de protestos contra o governo de Nicolás Maduro. Além das denúncias por atos autoritários e repressão, o país tem sinais de rebeldia militar, que o governo diz ter controlado rapidamente, e o confronto entre legisladores oposicionistas e constituintes, estes últimos eleitos em um pleito considerado ilegítimo para alguns governos estrangeiros e observadores.
Esses acontecimentos geram dúvidas sobre o que realmente está acontecendo no país e sobre os meios de o governo atuar para garantir a sua estabilidade.
O UOL entrevistou especialistas para buscar esclarecer o que está acontecendo no país.
Venezuela é uma ditadura?
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o que se tem visto na Venezuela é um "abuso na democracia", que pode mostrar que a Venezuela está em um "processo de autoritarismo".
De acordo com Marília Barbosa, professora de relações internacionais da FECAP, existe uma deformidade no processo democrático, que pode se tornar um autoritarismo.
"Mesmo dentro da democracia, o governo pode regimentar o parlamento de forma para governar de acordo com o seu interesse. Deste modo, o processo democrático pode se tornar um autoritarismo", disse Marília.
O professor de relações internacionais da FAAP, Marcos Vinicius de Freitas, também acredita que dentro da democracia pode existir uma transição de poder e isso pode significar uma ditadura. Para ele, Maduro está utilizando instrumentos "supostamente democráticos" para criar um poder paralelo, no caso a Assembleia Constituinte, que é um poder legítimo que pode sobrepor-se ao poder do Congresso e lhe garantir a permanência no poder.
"A função da Assembleia Constituinte é exclusivamente minar o poder do Congresso constituído e aumentar o poder do presidente e não criar uma nova constituição.", disse Freitas.
Outro ponto questionado pelos críticos que afirmam que a Venezuela já é uma ditadura é o de que todo ato autoritário é característico de um governo ditatorial, e a violência contra os manifestantes e as perseguições contra a oposição podem ser indícios de que o país já vive uma ditadura.
Porém, segundo Marilia Barbosa, nos governos democráticos existem atos que são padrões de governos autoritários, como o uso de força excessiva, por exemplo.
Alguns governos democráticos, como o da Rússia e da Ucrânia, são conhecidos por reprimir manifestações legítimas contra o governo.
O professor de relações internacionais da PUC-SP, Carlos Gustavo Poggio, acredita que as ações autoritárias do governo afastam a Venezuela da democracia e que são fortes indícios de um autoritarismo.
"Em uma democracia existe um respeito à oposição...Hoje temos diversos indícios de autoritarismo, os presos políticos, por exemplo, são um desses indícios.", disse Carlos.
A ONU denuncia tortura, detenções arbitrárias e uso sistemático de força excessiva contra manifestantes desde abril. As forças de segurança venezuelanas usaram de força excessiva para reprimir protestos, matando dezenas de manifestantes, e detiveram mais de cinco mil pessoas desde abril deste ano – mil delas ainda estão presas. As declarações foram feitas na terça-feira (8) pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A agência da ONU disse ter investigado 124 mortes, das quais 46 atribuídas às forças de segurança venezuelanas. Das mortes, 27 seriam de responsabilidade de grupos armados pró-governo. A autoria do restante das fatalidades ainda não foi esclarecida.
"Estamos preocupados que a situação na Venezuela esteja sendo alvo de uma escalada, e essas violações dos direitos humanos não estão dando sinais de redução", disse a porta-voz da ONU para Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani.
O comunicado da ONU também afirma que as Nações Unidas documentaram o uso "generalizado e sistemático da força e detenções arbitrárias contra manifestantes na Venezuela".
As violações de direitos humanos no país também incluíram buscas nas casas [de opositores], tortura e maus-tratos de detentos que têm relação com os protestos." A ONU deverá divulgar um relatório sobre a crise na Venezuela no final deste mês.
Na segunda-feira (7), a União Europeia acusou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de minar a perspectiva de retorno à ordem democrática no país – afirmação rejeitada pelo governo venezuelano.
A Venezuela tem duas Assembleias?
A Assembleia Constituinte venezuelana aprovou na terça-feira (8) um decreto que subordina os poderes públicos do país a ela. A decisão foi anunciada um dia depois de a maioria da oposição no Congresso afirmar que não reconheceria as decisões da Constituinte, ampliando a retórica e aprofundando a crise política na Venezuela.
A presidente da Assembleia Constituinte, a ex-ministra de Relações Exteriores Delcy Rodríguez disse que, a partir de agora, os poderes constituídos não poderão de forma alguma impedir as decisões do novo organismo, segundo afirmou a agência de notícias venezuelana estatal.
A Assembleia Constituinte da Venezuela iniciou sua sessão plenária desde que tomou posse, no espaço do Palácio Legislativo que normalmente é ocupado pela Assembleia Nacional (Parlamento).
Após a formação da Assembleia Constituinte, a Venezuela passou a ter a Assembleia Nacional, que é o parlamento em si, e a Assembleia Constituinte, que são os representantes encarregados de fazer a nova Constituição.
Segundo Carlos Gustavo Poggio, a Venezuela está em uma situação de "desarranjo constitucional", onde um autogolpe foi realizado e existe um enfrentamento entre o poder legislativo, dominado pela oposição, e o poder executivo comandado pelo governo.
Para ele, a questão de o país ter hoje "dois parlamentos" também indica que não existe legitimidade no governo.
"Hoje existem governos paralelos e isso pode mostrar que não existe legitimidade no governo e quando você perde legitimidade você perde autoridade.", afirma Poggio.
Para Poggio a Assembleia Constituinte também contribui para o "desarranjo constitucional" a medida em que ela não tem uma data para terminar e as eleições podem ser adiadas durante esse período.
A Assembleia Constituinte pode legislar por até dois anos e poderia ir até o fim de mandato do presidente Nicolás Maduro.
Segundo o professor Marcus Vinicius de Freitas, a Assembleia Constituinte é ilegítima, pois não existiu nenhum fator que pudesse ter dado origem a ela."Uma nova Assembleia normalmente é derivada de uma revolução ou grande momento de transformação, onde existe um apelo popular para que ela seja realizada, o que não ocorreu na Venezuela", diz.
Na terça-feira (8), ministros das Relações Exteriores e representantes diplomáticos de 17 países da América condenaram a ruptura da democracia na Venezuela, e desconheceram a recente instalação de uma Assembleia Constituinte, durante reunião em Lima. Em um comunicado lido à imprensa pelo chanceler peruano, Ricardo Luna, expressaram "sua condenação à ruptura da ordem democrática na Venezuela" com a Constituinte eleita em 30 de julho, que substituiu a Assembleia Nacional controlada pela oposição, e a "sua decisão de não reconhecê-la" e os atos derivados dela.
Os militares apoiam Maduro incondicionalmente?
Tanto o governo de Nicolás Maduro quanto o de Hugo Chávez privilegiaram as Forças Armadas venezuelanas, e essa política fez com que ambos sempre tivessem o apoio dos militares.
Atualmente Maduro conta com o apoio de tropas que lhe juraram "lealdade" e que seguem seus comandos para manter a ordem no país.
Segundo Carlos Gustavo Poggio, o que garante poder ao governo são os militares e o uso da força, e o apoio existem porque Maduro "controla o dinheiro e o sistema burocrático e com isso alguns grupos militares e também paramilitares".
Para manter o apoio dos militares, Maduro chegou a promover em um único dia 195 oficiais para o cargo de general. Hoje existem mais de 2 mil generais venezuelanos que possuem uma série de privilégios e ocupam diversos cargos políticos no país. Dos 32 ministros do gabinete do presidente, doze são militares. Os militares também comandam diversas empresas nacionais, como um canal de televisão, um banco e uma montadora de carros.
Mas uma rebelião ocorrida no último domingo (6) onde um grupo de militares atacou a base militar Forte Paramacay, levantou dúvidas de que o regime Maduro poderia estar perdendo o controle sobre os grupos militares e consequentemente o controle da nação.
Desde a fundação da República, a Venezuela passou por diversos golpes militares e, por ter esse histórico, muitos começaram a questionar se esse era mais um desses momentos.
Segundo Marilia Barbosa o ato não significou uma perda de controle, mas um indício de que existe alguma insatisfação entre os militares contra o governo.
"O ato não significa que ele [Maduro] chegou a perder o controle porque ambos [militares e governo] têm uma ligação muito forte e porque o setor militar é muito privilegiado pelo governo, porém o ocorrido pode mostrar que existem setores dentro das forças armadas que estão com a oposição", diz Barbosa.
O governo venezuelano negou que tenha ocorrido uma rebelião e classificou o ato como um "ato terrorista".
Segundo Marcos Vinicius de Freitas, professor de relações internacionais da FAAP, novas resistências militares podem surgir.
"A hora que o soldado começar a dar conta que ele luta por algo que lhe oferece um benefício mínimo e que ele está machucando os cidadãos, podem surgir novas resistências.", diz.
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