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Entrega de sangue e proteção de civis: como drones ajudam a salvar vidas

Maláui ganhou em 2017 o primeiro corredor aéreo para uso humanitário de drones  - Amos Gumulira/AFP
Maláui ganhou em 2017 o primeiro corredor aéreo para uso humanitário de drones Imagem: Amos Gumulira/AFP

Juliana Carpanez

Do UOL, em São paulo

20/08/2017 04h01

Derrubando a crença de que o céu é o limite, os drones ganharam espaço no registro de imagens aéreas e nas promessas de entregas ultrarrápidas --a Amazon já testa este serviço, que levará a compra ao cliente em até 30 minutos. Menos comercial e de maior impacto, no entanto, são as muitas possibilidades que os chamados Vants (veículos aéreos não tripulados) levam a lugares remotos e de difícil acesso.

De reforçar a segurança na República Democrática do Congo a entregar sangue para hospitais na Ruanda, esses veículos --paradoxalmente também usados em ataques militares-- já causam transformações que podem salvar vidas. E não é apenas maneira de falar. Acesso a áreas de desastres, entrega de medicamentos, busca e resgate, conexão à internet em áreas remotas e gerenciamento de recursos naturais são algumas das possibilidades listadas pelo Banco Mundial.

Confira a seguir iniciativas em que os drones já levam ajuda aos mais necessitados.

Corredor aéreo de uso humanitário
Drone2 Maláui testa uso de drones para iniciativas que podem beneficiar comunidades locais    - Amos Gumulira/AFP  - Amos Gumulira/AFP
Maláui testa uso de drones para iniciativas que podem beneficiar comunidades locais
Imagem: Amos Gumulira/AFP

Em julho de 2017, o governo do Maláui e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) iniciaram os testes de um corredor aéreo baseado em Kasungu para o uso humanitário de drones --o primeiro do mundo, segundo as instituições envolvidas. Na prática, trata-se de um espaço com raio de 40 km usado pelo setor privado, por universidades e por instituições em iniciativas que possam beneficiar as comunidades locais. 

São três as principais áreas de testes, a serem realizados até junho de 2018.

A primeira delas prevê a coleta e análise de imagens aéreas para agilizar o desenvolvimento e facilitar o planejamento de ações durante crises humanitárias, alagamentos e terremotos. Depois, conectividade: explorar a possibilidade de os drones estenderem sinal de Wi-Fi e celular em áreas de difícil acesso, principalmente em emergências. Por fim, transporte: entregar itens médicos (como vacinas) e coletar amostras para exames laboratoriais (como testes de HIV).

Mapeamento de áreas de enchente
Drone3 Vista aérea da inundação que atingiu Makhanga, no Malauí, em 2015  - Amos Gumulira/AFP  - Amos Gumulira/AFP
Vista aérea da inundação que atingiu Makhanga, no Maláui, em 2015
Imagem: Amos Gumulira/AFP

Em muitos lugares do mundo, enchentes impedem que equipes de resgate cheguem até os locais afetados. Por isso, os drones têm um papel importante de mapeamento dessas áreas, facilitando o planejamento de assistência e a avaliação de danos causados durante as cheias. Também é possível saber com antecedência quem são os moradores das áreas afetadas a serem contatados em casos de emergência --falar com as pessoas certas aumenta o entendimento da situação e agiliza a tomada de decisões. 

A organização Médicos sem Fronteiras realizou em junho de 2017 esse trabalho de mapeamento na remota ilha de Makhanga (Maláui), que ficou totalmente inundada em 2015. Com isso, também conseguem identificar todas as áreas de acesso e encontrar caminhos alternativos a serem percorridos pelas missões.

Há iniciativas parecidas em outras partes do mundo. No início do ano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento usou um drone para mapear as Ilhas Maldivas, bastante vulneráveis a mudanças climáticas e elevação do nível do mar. Em 2016, o Banco Mundial se associou a uma instituição chamada Uhurulabs para fazer o mapeamento em regiões da Tanzânia afetadas por enchentes, no intuito de desenvolver estratégias para lidar com o problema antes que ele aconteça.

Envio de sangue 
Drone5 Drone da Zipline joga do ar a entrega, que cai próxima ao destinatário com um paraquedas  - Divulgação/Zipline  - Divulgação/Zipline
Drone da Zipline joga do ar a entrega, que cai próxima ao destinatário com paraquedas
Imagem: Divulgação/Zipline

A empresa norte-americana Zipline começou oficialmente sua operação na Ruanda em outubro de 2016. Sua área de atuação ainda é bastante inusitada: distribuição de sangue, plasma e plaquetas para 21 hospitais. As entregas são feitas via drone, e a encomenda é jogada do ar com uma espécie de paraquedas (há um cálculo prévio das condições climáticas, para que o pacote chegue o mais próximo possível do destinatário).

O drone não pousa e volta para o centro de distribuição em Muhanga, onde a companhia recebe os pedidos via internet, telefone ou mensagens de celular. A promessa é de entregas em até 45 minutos --eles dizem chegar em 17 minutos até o hospital de Muhororo, sendo que pela estrada o mesmo trajeto levaria quatro horas.

Trata-se de um sistema de entrega de sangue sob demanda, onde a geografia e a infraestrutura são obstáculos para questões urgentes. À publicação “Technology Review”, os funcionários do hospital de Kabgayi disseram que o serviço já permitiu o tratamento imediato de pacientes que, em outras situações, teriam de esperar até buscarem o tipo de sangue de que precisavam.

Demarcação de terras
Área mapeada no Kosovo, onde drones permitem o registro da posse de terra  - Divulgação/Banco Mundial  - Divulgação/Banco Mundial
Área mapeada no Kosovo, onde drones permitem o registro da posse de terra
Imagem: Divulgação/Banco Mundial

Conflitos de terra são bastante comuns em diversas partes do mundo, considerando que comprovar a posse é um processo complexo, que demanda tempo e dinheiro. Em alguns países, a solução encontrada foi o uso de drones, que facilitam o registro formal dessas áreas e permitem que a população conte com a terra como uma fonte de renda --seja para plantar, criar animais ou como garantia para adquirir um empréstimo.

Em 2016, o Banco Mundial divulgou que o uso de drones gerou 300 mil títulos de posse de terra na Tanzânia. Sevina Mwangamweru, uma agricultora entrevistada pela instituição, contou que até suas atividades de agricultura não tinham qualquer garantia e os conflitos de terra eram inevitáveis.

Também no ano passado, a mesma instituição anunciou um programa parecido no Kosovo, onde muitos morreram por causa de conflitos em 1999. Desde então, os sobreviventes tentavam reconstruir suas comunidades, mas enfrentavam o problema da falta de registro formal de suas casas e terras. O Banco Mundial investiu US$ 12 milhões (cerca de R$ 38 milhões) em um programa baseado no uso de drones, para a realização de um cadastro nacional comprovando essa posse.

Proteção de civis em áreas de risco
Drone8 Veículo não tripulado usado pela ONU na República Democrática do Congo  - Abel Kavanagh/Divulgação/ONU - Abel Kavanagh/Divulgação/ONU
Veículo não tripulado usado pela ONU na República Democrática do Congo
Imagem: Abel Kavanagh/Divulgação/ONU

Desde 2014, a ONU (Organização das Nações Unidas) usa na República Democrática do Congo drones para a proteção de civis --a instituição reforça que esses veículos não carregam armas, como alguns países fazem para uso militar. Com o registro de imagens em tempo real, autoridades podem agir de forma rápida em situações de risco e conflito ou antecipar emboscadas e ataques nessas áreas de risco. 

Um exemplo prático deste uso foi em maio de 2014, quando um barco virou no lago Kivu. Um drone sobrevoava a região e, à distância, o operador do veículo conseguiu emitir um alerta. Segundo a ONU, 16 pessoas foram salvas. Não se tratava de um ataque, mas acidentes deste tipo são comuns por causa de sobrecarga, falta de manutenção e pouca fiscalização nos barcos que, muitas vezes, carregam centenas de refugiados.

Contagem de botos
Drone6 Expedição de cinco dias para contagem de botos foi realizada em rios e lagos da Amazônia - João Cunha/Divulgação - João Cunha/Divulgação
Expedição de cinco dias para contagem de botos foi realizada na Amazônia
Imagem: João Cunha/Divulgação

Neste caso, o uso de drones não beneficia humanos, mas pode ajudar na preservação dos botos da Amazônia. Como esses animais vivem em águas turvas, fica difícil vê-los e estudá-los. Por isso, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a WWF-Brasil realizaram duas expedições com drones para contar esses mamíferos.

Concluída em junho de 2017, a segunda fase do projeto durou cinco dias, percorreu 110 km sobre rios e lagos amazônicos e rendeu dez horas de material para análise, incluindo aí muitas cenas inéditas de observação e comportamento dos animais. Além de uma voadeira (barco a motor) com a equipe do drone, havia outro barco com os responsáveis pela contagem tradicional.

"Essa tecnologia pode elucidar alguns pontos que, durante a observação, nós não conseguimos. Como a formação de grupos de botos, qual é o tamanho daquele grupo, se duas ou três observações vistas pela proa podem ser ou não o mesmo grupo de indivíduos", explicou Daiane da Rosa, pesquisadora do Instituto Mamirauá.

Diagnóstico de tuberculose
Drone4 Drone da Matternet foi usado em testes da organização Médicos Sem Fronteiras, em Papua-Nova Guiné  - Divulgação/Matternet  - Divulgação/Matternet
Drone da Matternet foi usado nos testes realizados em Papua-Nova Guiné
Imagem: Divulgação/Matternet

A organização Médicos Sem Fronteiras adotou em 2014 o uso experimental de drones para facilitar o diagnóstico de tuberculose em Papua-Nova Guiné, onde este é um grave problema de saúde.

No caso de suspeita dessa doença em pacientes de comunidades remotas, eles eram instruídos pelos profissionais de saúde a cuspir em um pote. O material era então levado via drone até um hospital onde era possível fazer o diagnóstico. Apesar da divulgação da iniciativa, a organização de saúde não informa se ela foi continuada.