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'Califado' reduzido, dinheiro escasso e falta de líderes: O que é o Estado Islâmico hoje?

Entenda a origem do Estado Islâmico

AFP

Do UOL, em São Paulo

19/10/2017 04h00

A perda de Raqqa, antiga capital de seu proclamado califado, na terça-feira (17), é a derrota mais recente do Estado Islâmico, que tem sua força cada vez mais reduzida na Síria e no Iraque desde o seu auge, entre 2014 e 2015.

Nos últimos dois anos, o grupo terrorista que ameaçou o Oriente Médio com sua ofensiva militar e o mundo ocidental com atentados como os de Paris e Bruxelas perdeu territórios, líderes e capacidade de financiamento.

O grupo hoje está limitado territorialmente entre a Síria e o Iraque e perdeu cerca de 80% de sua renda. Com isso, o grupo também parece perder a atração que tinha sobre estrangeiros para seu exército. 

Área limitada

O Estado Islâmico foi expulso de duas cidades simbólicas nos últimos meses: Mossul, no Iraque, em julho, e Raqqa, na Síria, em outubro, locais que formavam as bases de sustentação do 'califado' que dominou boa parte do território dos dois países. 

O Estado Islâmico teve sua área de ocupação reduzida de 60 mil km² para cerca de 24 mil km², só neste ano. O grupo agora está limitado ao vale do rio Eufrates, entre a cidade síria de Deir Ezzor e a fronteira com o Iraque. O terreno íngreme e deserto ajuda a proteger os terroristas.

Em dois anos, o grupo viu aumentar o contingente de suas forças opositoras: as Forças Democráticas Sírias, formadas por sírios árabes e curdos com apoio da coalizão internacional comandada pelos Estados Unidos, e as tropas do regime de Bashar al-Assad, apoiadas por Rússia e Síria. 

Os bombardeios russos e americanos são frequentes nas áreas ocupadas pelo grupo.

Uma lista de cidades invadidas pelo EI desde 2013 já foram retomadas: além de Raqqa e Mossul, as sírias Palmira, Mayadin, Aleppo e Homs e as iraquianas Tikrit e Tal Afar, entre tantas outras, não estão mais nas mãos dos extremistas.

Financiamento

Segundo estimativas da consultoria britânica IHS Markit, em estudo publicado em junho, o grupo perdeu cerca de 80% de sua renda em três anos, faturando cerca de 16 milhões de dólares no segundo bimestre de 2017.

De acordo com a consultoria, desde 2015, o rendimento do Estado Islâmico caiu tanto no lucro com venda de petróleo (redução de 88% no faturamento mensal) quanto na arrecadação de impostos (79%). "As perdas de território são o principal fator para essa queda", afirma Ludovico Carlino, analista da IHS Markit, enfatizando as quedas do grupo em locais populosos como Mossul e ricos em petróleo como as províncias de Raqqa e Homs.

A falta de dinheiro também afetou diretamente o Estado Islâmico no trabalho de atrair estrangeiros, além de manter seus próprios soldados.

Líderes

O paradeiro do autoproclamado califa [líder] do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, permanece misterioso. Sua morte chegou a ser anunciada em julho pelo Observatório Sírio de Direitos Humanos, após o governo russo dizer que ele poderia ter sido morto em um bombardeio a Raqqa em junho.

Em setembro, no entanto, o Estado Islâmico divulgou uma mensagem de áudio que seria de Al-Baghdadi, convocando militantes a resistir aos ataques, sem negociar ou se render às forças militares - não ficou comprovado se a gravação era recente, apesar de a mensagem conter referências a batalhas em Mossul e Raqqa. Os Estados Unidos também disseram ter informações de que Al-Baghdadi estava vivo, escondido no vale do Eufrates.

Apesar da incerteza em relação ao 'califa' o Estado Islâmico perdeu vários outros líderes --no último dia 7, Abu Abdala al Tayiki, que formava franco-atiradores para o grupo e era próximo a Al-Baghdadi, foi assassinado pelas forças iraquianas em um bombardeio.

Segundo a revista alemã "Der Spigel", pelo menos 80% dos líderes do grupo foram mortos nos últimos três anos, principalmente por drones e mísseis americanos. Entre os mortos estão cinco dos mais importantes comandantes do EI.

O grupo não conta mais com uma cadeia de comando militar centralizada; cada unidade está combatendo por conta própria. Ordens não assinadas são anotadas em folhas de papel e entregues via mensageiro. 

Planejamento de atentados

O Estado Islâmico mantém a prática de reivindicar atentados terroristas na Europa e nos Estados Unidos, como os atropelamentos e ataques com bombas ou metralhadoras em Londres, Manchester, Barcelona, Nice, Las Vegas e Orlando nos últimos dois anos.

Mas não há conexão verificável entre os atentados, geralmente praticados por extremistas "lobos solitários", e o grupo que está entrincheirado na Síria e no Iraque - diferentemente dos ataques promovidos em Paris e Bruxelas, em novembro de 2015 e março de 2016, planejados e organizados a partir do território do "Califado".

Com o EI perdendo terreno, as reivindicações duvidosas a cada vez que um atentado acontece pelo mundo se multiplicam, como foi o caso do atirador de Las Vegas.

Ouvido pela agência AFP, o especialista em movimentos islâmicos Mathieu Guidè diz que há certa improvisação nas reivindicações.

"O EI, que publica os comunicados através da agência Amaq (órgão de propaganda do EI), está diante de uma televisão, assistindo CNN e AL Jazeera, e aí os reivindica. Ninguém pede provas [ao grupo], então existe uma tendência de reivindicar quase tudo o que se vê."