Imigrantes catalães se sentem brasileiros, mas não espanhóis
Longe de sua terra natal, catalães que vivem no Brasil defendem a independência como a "única opção" para a Catalunha. O argumento repetido pelos entrevistados é de que o povo da região possui um idioma próprio, cultura diferente de outros locais e ainda que o governo espanhol limitaria a liberdade da Catalunha em sua autogestão. Esses elementos também fazem os entrevistados se identificarem como catalães e não espanhóis. Por outro lado, os imigrantes catalães que vivem no Brasil dizem ter uma forte identidade brasileira.
"O imigrante tem o privilégio de ter duas pátrias. Eu tenho a felicidade de estar em contato permanente com a Catalunha por causa da minha identidade e isso nos une", diz Mario Vendrell, 67, nascido em Barcelona e presidente da Associação Cultural Catalonia no Brasil.
"Eu sempre me considerei catalão e não espanhol porque eu considero que tenho uma língua, uma cultura e na minha opinião não existe uma nacionalidade espanhola. Cada região da Espanha tem uma identidade própria", diz Vendrell.
José Blanes, 59, nascido em Sabadell --cidade próxima de Barcelona, onde morou até os 19 anos de idade-- e professor de Relações Internacionais na UFABC, diz que se sente tão brasileiro quanto catalão. "Eu me sinto bem morando fora, as minhas raízes estão na Catalunha, mas os galhos, folhas e a fruta estão por aqui. Eu me sinto tão brasileiro, quanto catalão. Mas eu floresci aqui".
Segundo Blanes, o que o faz se sentir catalão é a língua materna, pois ela foi decisiva para formar a sua identidade. "O que me faz sentir catalão é a minha língua materna. Acho que isso é um fator preponderante para a identidade de qualquer indivíduo. Eu nasci em uma Espanha onde o franquismo ainda dominava e o catalão era proibido. Nasci com uma identidade controversa e acho que isso acabou reforçando os meus laços com essa língua materna, o catalão", diz.
O discurso dos entrevistados repete os principais pilares do desejo separatista que floresce na região espanhola. Ao longo da história, o objetivo da Catalunha era unir uma sociedade exposta a sucessivas ondas de imigração. O resultado foi uma identidade nacional exaltada que estimulou o nacionalismo. Fomentando suas diferenças culturais durante décadas, a Catalunha semeou o atual desejo de independência de parte da população.
A Constituição da Espanha concede ampla autonomia em matérias como educação, saúde e segurança, mas limita as competências regionais em termos fiscais. Ou seja, limita a capacidade da Catalunha de administrar seus próprios recursos.
O ensino de catalão nas escolas é uma "maneira de integrar todas as partes da sociedade catalã e evitar a fragmentação social", disse Gabriel Colomé, professor de Ciências Políticas da Universidade Autônoma de Barcelona, à agência de notícias AFP.
A "normalização" da língua catalã, reprimida durante a ditadura de Francisco Franco (1939-1975), concentrou boa parte das políticas dos nove governos sucessivos (1980-2003) do nacionalista conservador Jordi Pujol. O catalão passou então do círculo familiar, ao qual havia permanecido restrito, a âmbitos públicos como a justiça, a economia, a ciência ou o cinema.
"É evidente que a imersão linguística teve um papel muito importante na construção da nação catalã", diz o filósofo e analista político catalão Josep Ramoneda.
A televisão pública regional, criada em 1983, também teve um papel considerável, que aumentou com o passar dos anos com canais dedicados ao esporte, cultura, notícias ou crianças.
Ferran Requejo, professor de Ciências Políticas na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona, também cita os 'castells', as torres humanas presentes em todas as manifestações a favor da independência.
O clube de futebol FC Barcelona também tem um papel de "aglutinar", afirma o professor, já que sua torcida não está apenas na cidade, mas "em toda Catalunha".
Esteve Jaunlet, 76, nascido em Barcelona, local em que morou até os 20 anos, e que hoje vive no Brasil, diz que se considera catalão e não espanhol porque ele vê a Espanha como um aglomerado de diversos povos. Segundo Jaunlet, o catalão compartilham ideais, cultura e a mesma língua, o que forma uma identidade própria.
"Ser catalão é fazer parte de um povo, uma nação. Um grupo de pessoas que se unem não só por terem o mesmo vínculo, mas também pelos ideais, o modo de ser, a cultura e os costumes. Eu me sinto catalão, porque me sinto bem com esse povo e passei os primeiros 20 anos de minha vida lá e foi a época que me formei para o futuro", diz Jaunlet. "A principal identidade catalã é a língua, porque eu penso na realidade a partir da língua", completou.
Jaunlet diz que a independência hoje seria uma forma de garantir o direito de expressão da Catalunha e isso só pode acontecer em um autogoverno. O catalão acredita que esse direito está sendo limitado pelo governo espanhol. "Hoje, defendo a independência, porque tenho o direito de expressar o que sou, o que falo, e o que penso e acredito e sou eu que determino o meu futuro, o autogoverno. Autogoverno significa poder organizar a realidade em volta em função das metas da sua vida. E acredito que esse direito está sendo limitado pelo governo espanhol", diz.
Após a explosão da crise econômica espanhola de 2008, muitos passaram a defender a independência da Catalunha.
Com a crise, o governo central promoveu cortes na rede de bem-estar social do país e políticas de austeridade que fomentaram um desejo separatista antes restrito a um quinto da população catalã. Ainda que a comunidade autônoma tenha se saído melhor do que outras regiões durante a crise, os independentistas alegam que estariam em uma situação mais favorável se Barcelona tivesse plena autonomia para administrar seus impostos.
Atualmente, a Catalunha abriga cerca de 7.000 multinacionais e uma renda per capita de 27,6 mil euros, contra 24,1 mil euros da média espanhola. Já a taxa de desemprego está em 13,2%, enquanto no país o índice é de 17,2%.
O descontentamento aumentou com decisões como a retirada em 2010, pelo Tribunal Constitucional espanhol, do estatuto de autonomia catalão.
O desejo de viver sem os limites impostos por Madri também é um dos pilares do anseio separatista na Catalunha, sentimento que cresceu com as constantes recusas do primeiro-ministro Mariano Rajoy em aceitar um plebiscito de independência.
"A cultura espanhola é muito autoritária, muito ligada sempre à figura do monarca. A Espanha teve curtos períodos republicanos. É muito centralizadora e autoritária. Na Espanha houve pouco espaço para outras formas de pensar, que é o contrário da Catalunha. A cultura catalã tem uma característica de liberdade muito grande, por exemplo para a produção artística, opiniões políticas. A Catalunha foi o berço do anarquismo", diz Blanes.
Ferran Royo, 68, empresário catalão que vive no Brasil há 15 anos, diz que perdeu a confiança no governo espanhol. "Os governos da Espanha já mostraram infinitas vezes que nunca cumprem suas promessas ou compromissos. Não são confiáveis. Independência é a única opção de Catalunha", afirma. (*Entrevistas no Brasil para Gabriel Melo. Com as agências internacionais)
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