Como é o curso que forma a elite mundial? Brasil pode estar no currículo
A tradicional Universidade de Oxford, no Reino Unido, se tornou o centro dos holofotes em assuntos intelectuais nos últimos meses. A instituição foi apontada em setembro como a melhor do mundo e, um mês depois, recebeu a ganhadora do prêmio Nobel da Paz Malala Yousafzai, que começou a estudar em seu curso mais famoso.
Formadora da elite do Reino Unido e de importantes lideranças internacionais, a instituição atrai estudantes de alto nível, se destaca por uma tradição de grandes estudos premiados e desenvolve pesquisas que ajudam até mesmo a entender o que acontece no Brasil contemporâneo.
A jovem ativista paquistanesa Malala Yousafzai --que levou um tiro aos 15 anos por escrever um diário sobre a vida sob o taleban, em 2012, e em seguida se tornou a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz--, começou a estudar na Lady Margaret Hall, uma das faculdades (colleges) de Oxford.
Malala começou a cursar graduação em Filosofia, Política e Economia (PPE, na sigla em inglês) na universidade. O curso é considerado um dos mais importantes do mundo, e é visto como uma fábrica da elite política e econômica não apenas do Reino Unido, mas de vários outros países.
PPE é um dos cursos mais difíceis e completos de Oxford, e oferece uma formação ampla nas três áreas que formam seu nome. Segundo o jornal britânico "The Guardian", este é "o diploma que governa o Reino Unido". Em uma reportagem sobre sua história e importância para o país, o jornal mostra como tudo o que acontece na política e na economia britânica nos dias de hoje passa por ex-alunos formados nesse curso de Oxford.
O curso é importante justamente por envolver várias áreas de pesquisa, avalia o professor João Roberto Martins Filho, em entrevista ao UOL. "A tradição multidisciplinar, a qualidade do corpo docente, o convívio com estudantes de inúmeros países e o acervo das bibliotecas. Seu renome vem também da quantidade de membros da elite britânica que aí se formaram", diz.
Sociólogo, cientista político e professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Martins Filho é especialista em política brasileira e passou várias temporadas realizando pesquisas na universidade britânica. Ele também é autor do livro "Oxford por um Brasileiro", em que trata da importância e da história centenária da instituição. "Oxford é uma experiência única, e 800 anos de história fazem a diferença."
O site de economia "Business Insider", entretanto, vai mais longe e indica que o PPE formou uma elite global, incluindo não apenas o ex-premiê britânico David Cameron e o líder oposicionista Ed Miliband (além de outros 20 ministros e ex-ministros recentes), como também três primeiros-ministros da Austrália, três premiês do Paquistão, a líder birmanesa Aung San Suu Kyi, o ex-presidente americano Bill Clinton e membros da Suprema Corte dos EUA.
PPE é o curso mais disputado de Oxford, com mais de 1.500 candidatos a cada ano (apenas um em cada sete é aceito). Trata-se de um curso multidisciplinar com muita flexibilidade. Os estudantes escolhem módulos que querem cursar dentro das três áreas que dão nome ao curso, e ao final do primeiro ano selecionam escolhem duas dessas áreas para se especializarem por mais dois anos. Estudantes que passam pelo PPE têm uma formação ampla e variada, passando desde clássicos gregos até a questões de política e economia contemporânea.
O curso foi criado em 1920, a partir da convicção de que o estudo do pensamento nessas três áreas ofereceria uma formação intelectual ampla. As aulas são dadas em turmas bem pequenas, com em média apenas três alunos, e com muito debate. Os estudantes aprendem a argumentar, analisar e debater temas variados, além de desenvolverem habilidades de redação em profundidade.
Alunos de PPE podem escolher diferentes ênfases para seus estudos, e podem cursar as disciplinas a partir de diferentes faculdades. Malala, por exemplo, como ativista de direitos da mulher, está estudando na Lady Margaret Hall (LMH), que é onde está o Centro Internacional de Estudos de Gênero.
“Existem vários pesquisadores que se concentram em questões relacionadas ao gênero em seu trabalho na LMH. Eles dirigem uma série de seminários com temas que se concentraram em questões de mulheres”, disse ao UOL a pesquisadora Rachel Randall, professora de português e estudos latino americanos de Oxford e pesquisadora da LMH.
Randall estuda a representação de trabalhadoras domésticas no Brasil, sua pesquisa atual se debruça sobre a forma como empregadas são retratadas na produção cultural do país. Ela defende que esta abordagem também é importante a partir de questões de gênero, já que "a maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil são mulheres", diz.
"É importante ressaltar o fato de que o trabalho de algumas empregadas domésticas (particularmente o das que moram nas casas em que trabalham) pode afetar negativamente suas vidas pessoais e familiares, porque elas não conseguem ter tempo para cuidar de seus próprios filhos, ou talvez tenha que deixá-los sob os cuidados dos outros", diz.
Oxford e o Brasil
Randall é apenas uma das pessoas de Oxford envolvidas em estudos que tratam de questões relacionadas ao Brasil, entretanto.
O centro de estudos latino-americanos da instituição possibilita a interação com especialistas em outros países do continente, o que permite pensar o Brasil no contexto regional, explica o professor Martins Filho. "A universidade oferece oportunidades para uma sólida formação teórica e metodologia na área de Humanidades. A Biblioteca Bodleian é excelente. O Centro de Estudos Brasileiros levou mais de cem pesquisadores brasileiros a Oxford", diz.
Segundo ele, entretanto, apesar de estar presente na universidade, a área de estudos brasileiros não é especialmente forte em Oxford. O que faz a diferença são as pessoas, como "brasilianistas de primeira", como o cientista-político Timothy J. Power, diretor do programa de estudos brasileiros.
Para Randall, a melhor universidade do mundo pode contribuir de muitas maneiras diferentes para o conhecimento acadêmico sobre o Brasil.
"Existem estudantes de pós-graduação brasileiros pesquisando diferentes tópicos na universidade, alguns dos quais ganharam financiamento através de esquemas apresentados pelo governo brasileiro, por isso é muito importante que estes continuem porque eles têm o potencial de criar relacionamentos frutíferos entre universidades do Reino Unido e brasileiras que contribuem ao conhecimento acadêmico e ao intercâmbio", afirma.
Ela explica que os dois principais centros de pesquisa sobre o Brasil dentro da universidade são a sub-faculdade de Português e o Centro Latino-Americano. Membros da sub-faculdade, que são palestrantes e estudantes de doutorado, pesquisam literatura brasileira, cinema, rádio e história.
"A professora Claire Williams, que estuda mulheres brasileiras e escrita de minorias, entre outros assuntos, realizará uma conferência em Oxford neste mês que unirá pesquisadores de diversos países, incluindo o Brasil, para marcar o 40º aniversário da morte de Clarice Lispector e avaliar a evolução nela recepção crítica, bem como o impacto de seus trabalhos em tradução", diz.
"A sub-faculdade organiza uma Semana do Brasil todos os anos para coincidir (mais ou menos) com o Carnival, que inclui exibições de filmes e conversas sobre uma variedade de questões sociais, políticas e culturais. (A Semana do Brasil do ano seguinte se concentrará na Tropicália)", acrescenta.
Além disso, o Centro Latino-Americano realiza eventos relacionados à pesquisa no Brasil e executa um programa de Estudos Brasileiros, com foco em relações internacionais, política comparada, língua e cultura e estudos ambientais. "Eles realizaram uma conferência muito interessante em fevereiro chamada 'Brazilian Democracy From Dilma to Temer' (democracia brasileira, de Dilma a Temer)."
Modelo diferente do brasileiro
A Oxford foi apontada como melhor universidade do mundo pelo ranking da Times of Higher Education, em setembro. Segundo esta lista, uma das mais respeitadas, a instituição é o melhor lugar para estudar no mundo.
"Como uma universidade moderna e voltada a pesquisas, Oxford tem vários pontos fortes, particularmente nas ciências, tendo sido considerada recentemente a número um em medicina e se classificando entre as dez melhores globalmente para ciências da vida, ciências físicas, ciências sociais e artes e humanidades", diz o levantamento.
O ranking ressalta ainda que Oxford tem 22 mil alunos, 44 faculdades e mais de 100 bibliotecas, e que a universidade tem mais de 250 mil ex-alunos em atuação no mundo, incluindo 120 ganhadores de medalhas olímpicas, 26 ganhadores de Prêmios Nobel, 7 poetas premiados e 30 líderes internacionais --como Bill Clinton, Aung San Suu Kyi, Indira Gandhi e 26 primeiros-ministros do Reino Unido.
O principal trunfo de Oxford é a tradição, explica o professor João Roberto Martins Filho, em entrevista ao UOL.
"A capacidade de se manter na vanguarda, com qualidade", diz, é o que faz com que Oxford seja a melhor universidade do mundo. Segundo ele, questões históricas, de recursos e dessa tradição fazem com que a universidade (junto com sua "irmã" em Cambridge) tenham se tornado um modelo único, inimitável.
"É preciso entender que séculos de um sistema de ensino voltado para a elite geraram um fluxo de recursos, na forma de doações, fabuloso, com doações muitas vezes em forma de propriedades, que foram muito bem administradas. Quase todo centro de Oxford pertence à instituição, e seus colleges. Por último a eficiência do sistema de tutoria, por definição só possível numa universidade com alta relação professores-alunos", explica.
O professor ressalta ainda que é um modelo de ensino muito diferente do brasileiro, que adere mais à tradição americana da especialização. Segundo ele, brasileiros que pensem em ir estudar em Oxford precisam se preparar bem, mas podem se beneficiar da tradição internacionalista da instituição. "O sistema hoje em dia é baseado mérito. Não há outra forma de entrar. Por outro lado, os colleges competem para ter o maior número de Nacionalidades entre seus alunos."
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