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Entenda a tensão entre Arábia Saudita e Irã em que até o Brasil pode ter função

8.nov.2017 - O rei da Arábia Saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud (esq.) ao lado de seu filho e príncipe Mohammed bin Salman, em Riad - Saudi Press Agency via Reuters
8.nov.2017 - O rei da Arábia Saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud (esq.) ao lado de seu filho e príncipe Mohammed bin Salman, em Riad Imagem: Saudi Press Agency via Reuters

Daniel Buarque

Colaboração para o UOL, de Londres

09/11/2017 09h34

Uma série de eventos que poderiam parecer notícias separadas deixou o Oriente Médio em clima de tensão nos últimos dias.

No foco da escalada de notícias marcantes da política local estão o Líbano, cujo primeiro-ministro renunciou, a Arábia Saudita, que passa por mudanças políticas internas, o Iêmen, de onde teria sido lançado um míssil contra a Arábia Saudita, e o Irã, acusado de "ato de guerra" e criticado por criar a agitação entre os países por conta da sua rivalidade com os sauditas.

Um pouco mais afastado, Israel acompanha a situação apreensivo e preparado para reagir. De longe, os Estados Unidos vivem um momento imprevisível sob comando de Donald Trump, o que abre espaço para ainda mais tensão no Oriente Médio.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, a crise estabelece um novo período para a política do Oriente Médio, com origem na Primavera Árabe e influenciada pela luta contra o Estado Islâmico. A nova situação representa uma escalada na rivalidade regional entre Irã e Arábia Saudita e pode ter consequências no resto do mundo, e há até quem defenda que o Brasil pode ajudar a tentar contornar a tensão na região.

"A rivalidade iraniano-saudita é o conflito central do Oriente Médio hoje. Cada um tem seus aliados: o Irã tem o Hezbollah, os rebeldes houthi e o governo da Síria. Arábia Saudita tem Egito, Bahrein, Emirados Árabes e outros", disse Hady Amr, pesquisador sênior do Centro de Política do Oriente Médio do Instituto Brookings, nos EUA.

Amr acompanha questões de política e economia da região há três décadas e trabalhou como diplomata dos EUA no Oriente Médio durante o governo Obama. Segundo ele, é possível ouvir ecos da Primavera Árabe na situação atual.

"A Primavera Árabe desencadeou muitas forças que levaram a manifestações em larga escala e, em última instância, a revoltas violentas em muitos países árabes, incluindo o Iêmen e a Síria. Nesse contexto, a guerra fria entre o Irã e a Arábia Saudita expandiu-se para que hoje muitos na região sejam forçados a escolher os lados: seja pró-saudita ou pró-iraniano."

Mapa Oriente Médio - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Além da origem em uma situação anterior, o professor Hicham Safieddine, que ensina história moderna do Oriente Médio no King's College London, diz que a escalada recente pode ser compreendida como dois acontecimentos principais interconectados.

O primeiro, segundo ele, é a luta pelo trono saudita e a consolidação do poder pelo príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman. "O último grupo de príncipes rivais, ricos e influentes sofreu um expurgo -- sob o pretexto de combater a corrupção", disse ao UOL.

O segundo desenvolvimento é a série de vitórias militares --com apoio russo-- do Irã e seus aliados no Iraque, Síria e Líbano contra a Arábia Saudita e seus aliados, bem como a série de derrotas do Estado Islâmico.

"A Arábia Saudita reagiu ao escalar sua guerra diplomática contra o Irã e exigiu plena fidelidade de seus aliados no Golfo e região. Isso levou à imposição de um embargo ao Qatar e, mais recentemente, à súbita demissão do principal aliado saudita no Líbano, o primeiro-ministro libanês Saad Hariri", disse.

A nomeação de Hariri como primeiro-ministro, disse o professor Safieddine, fazia parte de um acordo entre os aliados do Irã e da Arábia Saudita no Líbano. "Sua renúncia é uma indicação de que a Arábia Saudita deixou de considerar esse arranjo como benéfico e reflete sua escalada de tensões com o Irã." A renúncia, complementou, deve ser entendida no contexto da política externa da Arábia Saudita em relação ao Líbano à rivalidade com o Irã.

Líbano pressionado

No meio dessa escalada, o Líbano é quem enfrenta o maior risco, segundo Amr, pois o país está pressionado pelos dois rivais e ainda sofre ameaça de um novo conflito contra Israel.

"O maior risco para o Líbano hoje é a perspectiva de outra guerra israelense apoiada pelos EUA, possivelmente financiada pelos sauditas", afirmou Safieddine, o professor na universidade britânica. Para ele, apesar da retórica de guerra da Arábia Saudita, eles não estão em condições de representar uma séria ameaça militar para o Líbano.

"As ameaças de guerra pelo governo israelense não são nada de novo, mas aumentaram em frequência e tom recentemente. A presença de Trump na Casa Branca e as recentes ameaças de guerra da Arábia Saudita encorajaram os israelenses", disse.

Um segundo risco, e um cenário mais provável, segundo o professor, é a imposição de novas sanções econômicas ao Hezbollah, o que prejudicaria todo o país. "A ameaça de guerra e a imposição de sanções levará a uma maior instabilidade à luz da deterioração das condições sociais e econômicas no país."

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Mediação externa

Enquanto a tensão e a rivalidade crescem no Oriente Médio, especialistas veem a necessidade de mediação externa para contornar o problema. Segundo Amr, há espaço até para envolvimento brasileiro, pois Donald Trump mudou a equação no Oriente Médio, fazendo os EUA "desistirem" de seu papel de mediador.

"É importante que os Estados Unidos desempenhem um papel mediador para reduzir o conflito. O Brasil também é um poder crescente no mundo. Deve transmitir aos países da região que ninguém sairá ganhando em caso de guerra. Sei que muitos brasileiros são de ascendência libanesa. Eles devem instar seu governo a desempenhar um papel moderador no Oriente Médio", disse.

Safieddine também acha que o governo americano tem responsabilidade na escalada da tensão. Para ele, Israel está buscando fortalecer sua aliança com regimes árabes como a Arábia Saudita e controlar a influência do Irã. E aproveitará esta oportunidade para fazê-lo.

"A presença de Trump na Casa Branca, a sua imprevisibilidade e seu discurso bélico certamente conduziram Riad e Tel Aviv a assumirem as suas políticas agressivas na região. É impensável que Bin Salman tenha realizado esse expurgo que ameaça criar abismos sérios dentro da família real sem autorização de Washington”, disse.

Oriente Médio pós-EI

Além das disputas entre os países, um outro ponto importante do contexto da atual escalada de tensão no Oriente Médio é o enfraquecimento do Estado Islâmico. Para analistas e veículos da imprensa americana a situação atual está desenhando uma ordem pós-EI na região.

"A derrota do EI, agora mais iminente do que nunca, acabou com um curto período de distorção", afirmou Safieddine. Segundo ele, haverá uma nova consolidação das relações entre israelenses e sauditas e uma escalada política entre a Arábia Saudita e o Irã, mas não é uma guerra em grande escala envolvendo os EUA e Israel.

Segundo o professor do King’s College, o futuro da região dependerá do sucesso ou do fracasso de Bin Salman na consolidação do seu poder na Arábia Saudita e da vontade de Trump de apoiar seus aliados. "Enquanto isso, a grande maioria das pessoas na região continuará a sofrer os estragos da guerra, deslocamento e negação de direitos políticos, sociais e econômicos básicos."

Segundo Amr, é importante ainda salientar que a derrota do EI não significa o fim do terrorismo na região. "O extremismo islâmico permanecerá, mas o Oriente Médio continuará a evoluir. A era da estagnação acabou."

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