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Brasileira morta por engano planejava primeira viagem dos pais a Portugal

Ivanice, 36, foi morta pela polícia de Lisboa por engano - Arquivo Pessoal/Folhapress
Ivanice, 36, foi morta pela polícia de Lisboa por engano Imagem: Arquivo Pessoal/Folhapress

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

17/11/2017 16h50

Não faz muito mais de um mês que, ante um convite da mãe para vir ao Brasil para uma visita, Ivanice Carvalho da Costa, 36, fez uma contraproposta: compraria os "bilhetes", no dizer lusitano, para que Maria Luzia Silva Carvalho da Costa e o marido, Francisco Ivo Ferreira da Costa, fossem vê-la em Lisboa. Seria a primeira vez de ambos no país em que a moça vivia há 17 anos.

"Eu falei: tá bom, mas vamos esperar o ano que vem", relembrou Maria Luzia, ao UOL. Não deu tempo: há dois dias, na quarta-feira (15), ela recebeu uma ligação da irmã, Célia, que também vive em Portugal, informando-a de que Ivanice fora morta, por engano, numa desastrada abordagem da polícia local. O carro que o companheiro dela -- também brasileiro -- dirigia foi confundido com o de suspeitos de assaltar um caixa eletrônico.

Ao desobedecer um bloqueio policial, o veículo foi alvejado pelos policiais -- um dos disparos atingiu o pescoço de Ivanice, que morreu no local. A causa da desobediência à ordem de parar foi, provavelmente, bastante singela: o companheiro de Ivanice, que não teve a identidade divulgada, dirigia sem habilitação e sem o seguro obrigatório.

Segundo a família, a moça vivia legalmente em Portugal.

Desde que a notícia veio à tona, a rotina da pequena Amaporã (PR), uma cidade de menos de 6 mil moradores localizada a 534 km de Curitiba, no noroeste do Paraná, mudou. "Está todo mundo muito triste”, relatou Jéssica Santana, 17, que trabalha como recepcionista na prefeitura.

"A família de Ivanice é muito querida na cidade", contou a prefeita Terezinha Fumiko Yamakawa (PMDB), 68, ela mesma muito abalada com o caso --a moça assassinada em Portugal era sua afilhada.

"Estamos todos muito tristes, quem não ficaria, com um caso desses?", relatou a política. "Vou me lembrar de Ivanice como uma menina muito boa, comportada, estudiosa. Ela foi a Portugal em busca de uma vida melhor, e acabou acontecendo isso aí", lamentou.

Portugal: polícia prende motorista do carro em que brasileira foi morta por engano - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Ivanice não voltava há 10 anos

Ivanice esteve em Amaporã pela última vez em 2007. Ainda assim, o contato com a família era quase diário, via redes sociais. "A gente não imaginava que isso pudesse ocorrer por lá", resumiu Iasmin Carvalho da Costa, 22, uma das irmãs da brasileira assassinada. "Ela tinha adotado Portugal como terra dela. Não pensava mais em voltar."

Eu sempre insistia para ela voltar, dizia que ela conseguiria um emprego por aqui. Mas ela não queria, estava feliz, tinha um companheiro com quem vivia, gostava de lá."

Maria Luzia, mãe

"Ela era uma menina boa, sempre alegre, feliz, nunca me respondeu. Era um exemplo de filha, não merecia o fim que teve. Não que alguém mereça".

Maria Luzia nasceu onde hoje é o município de Amaporã numa família de migrantes pernambucanos que foram colonizar o noroeste paranaense. É uma região jovem, que se desenvolveu graças à cultura do café, inicialmente em pequenas lavouras de subsistência, e, em seguida, do algodão. A terra fértil também atraiu à região a família de Francisco Ivo Ferreira da Costa, que chegou ao Paraná aos 13 anos de idade, vindo do Rio Grande do Norte.

Após se casarem, os pais de Ivanice seguiram trabalhando em fazendas da região, como já faziam suas famílias. Foi numa dessas propriedades rurais, que pertencia à família da prefeita Terezinha Yamakawa, que a moça nasceu. Anos depois, com a pecuária ocupando as terras antes dedicadas à lavoura, os Carvalho da Costa foram para a cidade, onde passaram a viver numa casa descrita ao UOL como "simples, mas bem cuidada", em que nasceram os filhos mais novos -- Ivanice era a mais velha de quatro irmãos.

Empresa pagará por translado do corpo

Em Portugal, Ivanice ultimamente trabalhava num restaurante. "A empresa que tem seguro, e se dispôs a pagar todas as despesas", disse o advogado Fernando Sadao Tomizawa, 37, que, a pedido da prefeita de Amaporã, de quem é amigo, ajuda a família com os trâmites da liberação e traslado do corpo ao Brasil. Ajuda que veio em boa hora. "Não saberíamos o que fazer nem a quem procurar", resumiu Iasmin, que trabalha numa casa de produtos agropecuários na pequena cidade.

"Os trâmites de liberação estão sendo tocados pelo governo português. Falei hoje cedo com o Itamaraty, que me pediu para que eu enviasse um e-mail. Mandei, e ainda não tive resposta. Mas parece que está tudo bem. Ontem foi feita a autopsia, e hoje o corpo está sendo preparado", contou o advogado, que tem escritório em Paranavaí, a maior cidade da região.

Procurado pelo UOL, o Ministério das Relações Exteriores disse estar em "contato com a família, para prestar assistência", mas que "não há previsão orçamentária para traslado ao Brasil, com recursos públicos, de nacionais falecidos no exterior (leia a íntegra a seguir)".

"O que não sabemos ainda é se algum parente terá que vir acompanhando o corpo. Mas o pessoal de Amaporã está disposto a ajudar a família com as despesas, se for preciso", afirmou Tomizawa.

Nota do Ministério das Relações Exteriores

"A Embaixada e o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa tomaram conhecimento, na manhã de ontem, 16 de novembro, do falecimento de nacional brasileira em ação da polícia portuguesa, durante a madrugada do dia 15, em Lisboa.

"Desde então, as autoridades consulares brasileiras têm mantido contato com a família da cidadã, para prestar assistência. Recebida na manhã de 16 de novembro no Consulado do Brasil, a família informou que já conta com advogado constituído.

"A Embaixada e o Consulado em Lisboa seguirão em contato com a família e com as autoridades portuguesas, na expectativa de novas informações, no âmbito do inquérito realizado pela polícia.

"Em razão do sigilo da investigação policial em curso pelas autoridades portuguesas, e em respeito à privacidade da cidadã brasileira, não são fornecidas informações de cunho pessoal."

Finalmente, de acordo com a lei brasileira, não há previsão orçamentária para traslado ao Brasil, com recursos públicos, de nacionais falecidos no exterior.