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Grupos LGBT na Alemanha defendem nudez de trans para combater a discriminação

7.jul.2017 - A modelo trans Giuliana Farfalla durante desfile de moda em Berlim, Alemanha - Serene Stache/dpa via AP
7.jul.2017 - A modelo trans Giuliana Farfalla durante desfile de moda em Berlim, Alemanha Imagem: Serene Stache/dpa via AP

Clarissa Neher

Colaboração para o UOL, em Berlim

18/01/2018 04h00

A edição alemã da revista masculina Playboy trouxe pela primeira em sua capa uma modelo trans, na edição de fevereiro. A revista justificou a escolha como uma contribuição contra a discriminação. Na Alemanha, a iniciativa foi bem recebida por organizações mobilizadas na luta pelos direitos de transgêneros.

Para essas organizações, a iniciativa é um passo importante para a valorização de pessoas cujo gênero não corresponde com o esperado pela sociedade, além de promover a quebra de estereótipos.

"A Playboy dá vários sinais a pessoas trans que não devem ser subestimados: que elas não estão sozinhas, que merecem uma atenção positiva e que estão sendo um pouco menos invisíveis ou vítimas de tabu", afirmou Leo Yannick Wild, porta-voz da organização TransInterQueer, uma associação política, cultural e de pesquisa sobre transgênero e intersexualidade com sede em Berlim.

Wild acrescentou que a iniciativa da revista transmite para o público a beleza da diversidade, além de mostrar que pessoas trans devem ser vistas, aceitadas e respeitadas.

A Associação Alemã de Lésbicas e Gays (LSVD) também apoiou a decisão da revista masculina. "A autoconfiança e a visibilidade da autodeterminação de mulheres trans contribui para o questionamento de estereótipos transfóbicos e clichês", diz o porta-voz da LSVD, Markus Ulrich.

De reality show para a Playboy

Giuliana Farfalla, de 21 anos, foi a eleita da Playboy para estampar a primeira capa da revista com uma modelo transgênero na Alemanha. A jovem segue os passos da pioneira Caroline Cossey, que se tornou a primeira trans a ser retratada numa capa da publicação masculina, na versão americana em 1981. No Brasil, a modelo trans Roberta Close estampou a capa da Playboy brasileira em maio de 1984.

"Foi uma grande honra ser escolhida pela Playboy", afirmou Farfalla no vídeo de promoção do ensaio. Ela ficou conhecida na Alemanha após a sua participação no reality show Germany's Next Top Model, apresentado pela top model alemã Heidi Klum, que busca descobrir entre jovens comuns a nova sensação da passarelas alemãs.

 

Em entrevista à publicação masculina, Farfalla contou que com sua participação no reality desejava encorajar outras pessoas trans. Na época em que foi ao ar, no início de 2017, a modelo afirmou que o programa foi importante para sua autoestima. "Ouvir com frequência que sou forte e bonita é simplesmente bom devido à minha história", disse à revista semanal alemã Stern. Ela revelou ainda que se inscreveu no reality para "provar que não seria excluída por ser diferente".

Nascida em Freiburg, no sul da Alemanha, como Pascal Radermacher, Farfalla disse que desde criança sentia que estava no corpo errado. Com 16 anos, tomou a decisão de realizar uma cirurgia de redesignação sexual para se transformar numa mulher. "Todos têm o direito de se autodeterminar", acrescentou em entrevista à Playboy.

A jovem disse ainda que deseja ser reconhecida e alcançar o sucesso como mulher e não como modelo transgênero.

Discriminação faz parte do cotidiano

Apesar do sinal positivo da revista, a discriminação ainda faz parte do cotidiano dos entre 60 mil e 100 mil transgêneros -- incluindo pessoas que não fizeram alterações clínicas no corpo -- que vivem na Alemanha, de acordo com estimativas da Sociedade Alemã para Transidentidade e Intersexualidade (GDTI, na sigla em alemão).

Uma pesquisa recente da Agência da União Europeia (UE) por Direitos Fundamentais revelou que 54% dos entrevistados já sofreram discriminação pela aparência trans em países do bloco.

"Tornar visível essa humanidade na capa da Playboy é uma contribuição pequena, mas importante, da qual é preciso muito mais", diz Wild.

Exclusão no mercado de trabalho e na sociedade, ameaças, insultos verbais, cometidos inclusive por funcionários públicos e de saúde, além de violência física e sexual são as agressões mais comuns enfrentadas diariamente por trans na Alemanha. Há ainda uma lacuna na representação deste grupo na mídia em geral.

Em 2008, uma pesquisa da União Europeia sobre crimes de ódio transfóbico no bloco revelou que 79% dos entrevistados sofreram algum tipo de assédio em público. Entre as formas mais comuns estavam comentários discriminatórios, além de violência física e sexual. A Alemanha, ao lado do Reino Unido e da Grécia, lideravam nos casos de abusos verbais, tendo sido praticados contra 25% dos entrevistados.

A discriminação na Alemanha atinge especialmente jovens, como Farfalla. Segundo um estudo da Associação Alemã Trans, crianças e jovens transgêneros são o grupo que mais sofre com essa exclusão, que causa depressão, isolamento, chegando a levar ao suicídio.

Os principais problemas enfrentados por jovens trans são a carência de orientação especializada, a dificuldade de serem reconhecidos pelo gênero que escolheram, a falta de aceitação pelos familiares, o pouco preparo de professores para lidar com a questão e a imensa burocracia para a mudança de nome e para a aprovação da cirurgia de redesignação sexual.

Reforma legislativa

Na década de 1980, a Alemanha foi um dos países pioneiros no reconhecimento legal de direitos a transgêneros, ao garantir, desde 1981, a pessoas trans a mudança de gênero no registro de nascimento. Segundo no mundo a aprovar esse tipo de lei, o país, no entanto, parecer ter parado no tempo em relação a essa questão.

A lei sobre transgênero é um dos principais alvos de críticas de associações que lutam pelos direitos trans. Mais de 35 anos depois de sua aprovação, especialistas afirmam que a legislação é antiquada.

Atualmente, para conseguirem a mudança de nome e realização de cirurgia da redesignação sexual, além de enfrentar uma batalha burocrática, trans precisam de laudos clínicos e psicológicos, feitos muitas vezes por profissionais não familiarizados com o tema.

Por isso, especialistas exigem uma reforma na legislação. Entre as recomendações para a mudança estão a diminuição da burocracia destes processos, o reconhecimento do direito do indivíduo se autodeterminar sem precisar de laudos e a garantia do acesso a tratamentos de saúde especializado no serviço público.

Para combater a discriminação, as organizações pedem ainda o reconhecimento legal de crimes de ódio contra transgênero e a obrigatoriedade de banheiros unissex em prédios públicos. Outro ponto que contribuiria nesta questão é aumento da visibilidade de pessoas trans na mídia.

E, neste aspecto, Farfalla pretende continuar a empreitada que começou no Germany's Next Top Model. A jovem segue nos holofotes. Seu próximo passo é participação no reality de sobrevivência Dschungelcamp (Acampamento na selva), no qual a modelo ficará confinada com outras 11 celebridades numa floresta na Austrália durante três semanas. O programa vai ao ar a partir desta sexta-feira (19).