Topo

Fato ou fake news: o que Trump disse em seu discurso anual corresponde com a realidade?

Da Associated Press

Em Washington

31/01/2018 12h35

A agência Associated Press checou a precisão dos comentários do presidente Donald Trump no discurso que do Estado da União, feito na noite de terça-feira (30). Veja algumas afirmações analisadas (citações extraídas do discurso conforme apresentado ou conforme divulgado pela Casa Branca antes da apresentação):

VISTOS DE DIVERSIDADE
Trump: "O terceiro pilar (do meu plano de imigração) extingue a loteria de vistos --um programa que distribui aleatoriamente 'green cards' sem consideração pela capacidade, o mérito ou a segurança de nossa população".

Fatos: É uma caracterização altamente enganosa. O programa não é tão aleatório, e leva em conta capacidade, mérito e segurança.

O programa de vistos de diversidade concede até 50 mil green cards [vistos de residência] por ano a pessoas de países com pouca representação nos EUA, principalmente da África. Ele exige que os solicitantes tenham concluído o ensino secundário ou tenham pelo menos dois anos de experiência nos últimos cinco anos em uma série de campos identificados pelo Departamento do Trabalho.

Os vencedores são então escolhidos aleatoriamente por computador, entre o grupo de candidatos que preencham os requisitos. Os vencedores devem passar por extensa verificação de seu passado, como qualquer outro imigrante.

CARVÃO
Trump:
"Encerramos a guerra ao lindo e limpo carvão".

Fatos: O carvão não é limpo. Segundo o Departamento de Energia, mais de 83% dos principais poluentes do ar --dióxido de enxofre, dióxido de carbono, mercúrio tóxico e partículas de fuligem perigosas-- das usinas de energia vêm do carvão, embora o carvão represente apenas 43% da geração de energia. As usinas são a principal fonte desses poluentes.

O carvão produz quase duas vezes mais dióxido de carbono, que capta o calor, por energia criada que o gás natural, diz o departamento.

Em 2011, a queima de carvão emitiu mais de 6 milhões de toneladas de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, contra 430 mil toneladas das outras fontes de energia combinadas.

IMIGRAÇÃO ILEGAL
Trump: "O primeiro pilar de nosso esquema oferece generosamente um caminho para a cidadania a 1,8 milhão de imigrantes ilegais que foram trazidos para cá por seus pais ainda crianças --isso cobre quase três vezes mais pessoas que a administração anterior".

Fatos: Nem tanto. O governo Obama pressionou pela legalização da situação de muito mais imigrantes e foi impedido pelo Congresso e os tribunais de oferecê-la. Uma lei de 2013 que foi aprovada no Senado, mas morreu na Câmara, teria legalizado a situação de cerca de 8 milhões de pessoas, segundo uma estimativa do Escritório de Orçamento do Congresso.

Em 2014, o governo Obama anunciou um programa expandido que incluía os pais de jovens imigrantes que foram protegidos da deportação pelo Programa de Ação Retardada para Chegadas na Infância. Segundo o Instituto de Política de Migração, apartidário, a medida teria legalizado a situação de até 4 milhões de pessoas. A Suprema Corte ficou num impasse sobre o plano, deixando valer uma decisão de um tribunal inferior que o bloqueou.

TERRORISTAS
Trump:
"No passado, libertamos tolamente centenas e centenas de terroristas perigosos, só para reencontrá-los no campo de batalha, incluindo o líder do EI, (Abu Bakr) al-Baghdadi, que capturamos, que nós tínhamos... que nós libertamos".

Fatos: Trump está certo de que al-Baghdadi foi libertado após ser preso em Abu Ghraib e Camp Bucca, presídios americanos no Iraque. Mas Trump fez o comentário enquanto anunciava que tinha assinado um decreto para manter aberto o polêmico centro de detenção dos EUA na baía de Guantánamo, em Cuba. Se ele quis dizer que "centenas e centenas" dos detidos de Guantánamo foram libertados e voltaram ao campo de batalha, errou na matemática.

O escritório do Diretor da Inteligência Nacional disse neste verão em seu mais recente relatório sobre o assunto que dos 278 detidos que foram libertados de Guantánamo 122 estão "confirmados" e 90 são "suspeitos" de voltar a participar de atividades hostis.

OPIOIDES
Trump: Mudanças nas políticas de imigração, incluindo mais segurança na fronteira, "também vão apoiar nossa reação à terrível crise dos opioides e dependência de drogas".

Fatos: As drogas que são trazidas cruzando as fronteiras são apenas uma parte do problema, contribuindo para a crise de opioides no país.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), cerca de 40% das mortes por opioides em 2016 envolveram analgésicos vendidos sob prescrição médica. Essas drogas são feitas por companhias farmacêuticas. Algumas são consumidas em excesso por pessoas que têm prescrições; outras são roubadas e vendidas no mercado paralelo.

O fluxo de heroína do México para os EUA é um grande problema, mas as drogas que são trazidas de outros países não passam por fronteiras terrestres. Versões ilícitas de opioides sintéticos poderosos, como fentanyl, que são um grande fator no aumento do número de overdoses, estão sendo enviadas diretamente da China para os EUA.

Trump: "Meu governo está comprometido com o combate à epidemia de drogas e ajudar a conseguir tratamento para os que precisam".

Fatos: A Associação Nacional de Governadores, bipartidária, não acredita que ele cumpre esse compromisso. No início deste mês, os governadores pediram que Trump e o Congresso façam mais para financiar e coordenar uma reação à epidemia de opioides.

O governo Trump permitiu que os Estados comecem a pedir autorização para usar o Medicaid para cobrir o tratamento de dependentes em instalações maiores --medida que os defensores consideram necessária.

SEGURANÇA NAS FRONTEIRAS
Trump: "Durante décadas, as fronteiras abertas permitiram que drogas e gangues inundassem nossas comunidades mais vulneráveis".

Fatos: "Fronteiras abertas" é um exagero. As prisões nas fronteiras, uma medida útil, embora imperfeita, das travessias ilegais, caíram acentuadamente na última década.

Os governos dos presidentes George W. Bush e Barack Obama aproximadamente duplicaram o número de membros da Patrulha de Fronteiras, e Bush ampliou as cercas para cobrir quase um terço da fronteira durante seu último ano no cargo. O governo Obama deportou mais de 2 milhões de imigrantes durante os oito anos de mandato, mais que os governos anteriores.

Estudos de vários anos concluíram que os imigrantes apresentam menor probabilidade de cometer crimes do que pessoas nascidas nos EUA.

IMIGRAÇÃO FAMILIAR
Trump: "Sob o atual sistema defeituoso, um único imigrante pode trazer virtualmente um número ilimitado de parentes distantes".

Fatos: Isso não está acontecendo porque a lista de espera é muito longa.

Atualmente não há espera para cidadãos americanos trazerem seus cônjuges, filhos com menos de 21 anos e pais. Mas os cidadãos devem apresentar pedidos para irmãos e filhos adultos, e os detentores de "green cards" devem fazer o mesmo para cônjuges e filhos.

Em 1º de novembro, havia 4 milhões de pessoas na fila para vistos baseados em parentesco, segundo o Departamento de Estado. A espera é mais longa para China, Índia, México e Filipinas. Em janeiro, irmãos mexicanos de crianças americanas que solicitaram em novembro de 1997 estavam sendo chamados, uma espera de mais de 20 anos.

Um imigrante poderia teoricamente trazer um tio ao trazer um pai ou mãe que depois traz seu irmão, mas a espera seria interminável para a maioria.

LEI DE SAÚDE DE OBAMA
Trump: "Nós rejeitamos o núcleo do desastroso Obamacare --a obrigatoriedade individual não existe mais".

Fatos: Não, não deixou de existir. Vai deixar em 2019. As pessoas que não tiverem seguro-saúde neste ano ainda estarão sujeitas a multas.

O Congresso rejeitou a exigência impopular de que a maioria dos americanos tenha seguro-saúde ou se arrisquem a uma penalidade, mas isso entra em vigor no ano que vem.

É muito distante do que Trump e o Congresso liderado pelo Partido Republicano quiseram fazer no ano passado, que era eliminar a maior parte da abrangente lei de saúde da era Obama e substituí-la por uma alternativa republicana. O projeto republicano teria deixado mais milhões de americanos sem seguro, tornando-o ainda mais impopular que o "Obamacare".

Outras partes importantes da reforma continuam valendo, como a expansão do Medicaid, proteções para pessoas com doenças preexistentes, benefícios de saúde "essenciais" garantidos e seguro-saúde particular subsidiado para pessoas de baixa renda.

CARROS
Trump: "Muitas companhias de carros estão construindo e expandindo fábricas nos EUA --algo que não víamos há décadas".

Fatos: Ele está errado sobre as últimas décadas. A indústria de automóveis tem inaugurado e expandido regularmente fábricas desde antes de sua Presidência. A Toyota abriu uma fábrica no Mississípi em 2011. A da Hyundai no Alabama é de 2005. Em 2010, a Tesla adquiriu e atualizou uma antiga fábrica para produzir seus veículos elétricos.

Trump também declarou que "a Chrysler está mudando uma grande fábrica do México para Michigan". Não é exatamente o caso, tampouco. A Chrysler anunciou que vai transferir a produção de caminhonetes pesadas do México para Michigan, mas a fábrica do México não será fechada. Ela começará a produzir outros veículos para vendas globais e não se preveem mudanças em sua força de trabalho.

ESTADO ISLÂMICO
Trump:
 "No ano passado eu prometi que trabalharíamos com nossos aliados para extinguir o EI da face da terra. Um ano depois, orgulho-me de relatar que a coalizão para derrotar o EI libertou quase 100% do território antes detido por esses assassinos no Iraque e na Síria. Mas há muito mais trabalho a ser feito. Continuaremos nossa luta até que o EI seja derrotado".

Fatos: Embora seja verdade que o Estado Islâmico perdeu quase 100% do território que ocupava na Síria e no Iraque quando os EUA começaram os ataques aéreos nos dois países, em 2014, a Síria continua destruída pela guerra civil, com grande parte do país controlada pelo governo do presidente Bashar Assad, aliado da Rússia, e não por grupos aliados aos EUA. O governo iraquiano se declarou totalmente livre do EI.

O progresso citado por Trump não começou com sua Presidência. A coalizão liderada pelos EUA recapturou muito território, incluindo várias cidades chaves no Iraque, antes de ele assumir o cargo. E o ataque a Mossul, que era o principal enclave dos extremistas no norte do Iraque, começou durante o governo Obama. Mas no último ano a campanha anti-EI se acelerou, com base amplamente na abordagem que Trump herdou.

Ele tem razão de que resta muito a fazer para eliminar o EI como ameaça extremista, mesmo depois de sua derrota militar. O grupo ainda é capaz de inspirar ataques no Ocidente baseados em sua ideologia, e está tentando fazer incursões em lugares como o Afeganistão e a Líbia.