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Itália pode eleger candidata sem rosto que foi vítima da Máfia

Piera Aiello concede entrevista com a cabeça coberta por véu e sem mostrar o rosto - Reprodução/ Youtube
Piera Aiello concede entrevista com a cabeça coberta por véu e sem mostrar o rosto Imagem: Reprodução/ Youtube

Do UOL, em São Paulo

02/03/2018 12h38

Os eleitores de Piera Aiello, que disputa uma vaga no parlamento italiano nas eleições deste domingo (4), podem conhecer bem as propostas da candidata. No entanto, uma coisa eles dificilmente vão saber: como é o rosto dela. Aiello, que disputa a eleição pelo Movimento Cinco Estrelas (M5S), considerado um partido antissistema, usa um véu que cobre todo seu rosto em qualquer aparição pública e anda cercada de seguranças. Ela também não pode ser fotografada ou filmada.

O motivo é que a vida de Piera Aiello, 51, corre riscos. Em 1991, ela presenciou o assassinato de seu marido por dois atiradores da Máfia.

Ela era casada com Nicolò Atria, filho de um mafioso da Sicília. Aos 14 anos, Aiello conheceu Atria. Na época, ela não sabia que ele era de uma família de mafiosos. Aiello só se deu conta quando o pai de Nicolò a obrigou a se casar com o filho. "Senão eu vou matar sua família inteira", disse o mafioso.

Ela não amava o marido e sofria maus tratos. Aiello diz que tomava pílula anticoncepcional porque não queria ter filhos dele. Mas ele descobriu e a espancou.

Em 1985, o sogro foi assassinado. Nicolò jurou vingança, mas sua promessa chegou aos ouvidos de mafiosos rivais, que decidiram matá-lo também. "Estávamos em uma pizzaria quando dois homens entraram. Eles olharam para meu marido e atiraram. Ele caiu em mim todo coberto de sangue", lembra Aiello.

Depois do crime, aconselharam Aiello a procurar o juiz Paolo Borsellino em Palermo, na Sicília. Foi ele que a ajudou a se tornar uma testemunha da justiça e depor contra a máfia.

Seu testemunho permitiu a prisão de dezenas de pessoas. Meses depois, a Máfia matou Borsellino em um atentado com carro-bomba.

Aiello está no programa de proteção do Estado. Ela não pode ter conta bancária, linha telefônica ou registrar sua filha em uma escola.

Como discurso de campanha, Aiello defende proteger pessoas como ela. "Fazer com que as pessoas que decidam se rebelar contra a máfia não sejam forçadas a viver como fantasmas", diz.

Na Sicília, mensagens anticorrupção e propostas de leis para políticos que lidam com mafiosos são populares. Mas o discurso de Aiello esbarra nas dificuldades de sua condição, sempre acompanhada de seguranças e incapaz de se promover com selfies com os eleitores.

"Decidi ser candidata porque eu, Piera Aiello, quero ter meu rosto de volta", disse ao jornal britânico The Guardian.

As eleições prometem ser as mais equilibradas - e até certo ponto caóticas - na Itália nas últimas décadas. Isso porque, de acordo com as projeções das pesquisas, nenhum grupo ou partido conseguirá uma maioria absoluta no Parlamento.