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Kim "paz e amor" vem aí? Como entender os passos recentes da Coreia do Norte

O líder norte-coreano Kim Jong-un (dir.) cumprimenta o chefe da delegação sul-coreana, Chung eui-Yong, durante encontro em Pyongyang - KCNA via Reuters
O líder norte-coreano Kim Jong-un (dir.) cumprimenta o chefe da delegação sul-coreana, Chung eui-Yong, durante encontro em Pyongyang Imagem: KCNA via Reuters

Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo

07/03/2018 08h02

O ditador norte-coreano Kim Jong-un começou 2018 com uma postura diferente. Já em seu discurso de Ano-Novo, o líder da Coreia do Norte acenou para uma aproximação com a vizinha Coreia do Sul. Desde então, autoridades dos dois países se encontraram na fronteira, atletas do Norte participaram da Olimpíada de Inverno em PyeongChang e, num ato histórico, a irmã de Jong-un  encontrou-se com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

A última das iniciativas de aproximação entre as duas Coreias foi o anúncio, nesta terça-feira (6), de uma cúpula a ser realizada pelos dois países em armistício desde 1953. O encontro acontecerá em uma vila fronteiriça localizada no interior da zona desmilitarizada de Panmunjom.

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Para o professor Alexandre Uehara, coordenador do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, a mudança no discurso de Jong-un não surpreende e faz parte de uma estratégia coerente do líder norte-coreano. A estratégia, no entanto, demorou a ser percebida pelo Ocidente.

Além disso, Jong-un conta com um contexto político favorável para tomar as atitudes mais recentes: um arsenal bélico desenvolvido, um interlocutor receptivo e um governo norte-americano cada vez mais ausente da diplomacia internacional. "Como diria Maquiavel, o príncipe, o líder político, tem que ter a sabedoria e a fortuna", diz o professor.

Entenda cada um desses aspectos:

Arsenal bélico desenvolvido

Esta não é a primeira vez que as Coreias se aproximam. No passado, encontros foram feitos em 2000 e 2007, porém sem grandes resultados. Diferentemente das experiências anteriores, no entanto, desta vez a Coreia do Norte detém um poder de dissuasão maior, graças ao desenvolvimento de seu arsenal bélico. É o que afirma Alexandre Uehara:

"Por mais que se questione o grau de eficiência dessas armas, como a precisão dos mísseis ou a potência das bombas nucleares, não dá para discutir que a Coreia do Norte conseguiu desenvolver um armamento relevante", diz o professor.

Segundo ele, essa capacidade militar faz com que outros países que poderiam ser ameaças à segurança nacional, como os Estados Unidos, estejam menos dispostos a arriscar movimentos agressivos. Ou seja, ao ir para a mesa de negociação, a Coreia do Norte não precisa mais se preocupar com sua soberania. A lógica é a mesma à adotada pelas potências mundiais no período da Guerra Fria: militarizar-se não necessariamente para atacar, mas para ter poder de negociação. 

"Se em um primeiro momento o objetivo era atingir o poder militar, avançar nisso já não é mais lógico", diz Uehara, lembrando a escalada das tensões em 2017, quando Jong-un realizou uma série de testes de mísseis e ogivas nucleares. É nesse contexto que Jong-un muda o seu discurso. "Chegando a esse ponto, qual seria o próximo passo?". A resposta é sentar novamente à mesa.

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O líder norte-coreano Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12 em imagem divulgada em setembro de 2017
Imagem: KCNA via Reuters

Moon Jae-in disposto

Nos últimos anos, a Coreia do Sul foi governada por líderes conservadores que reduziram ou eliminaram o canal de diálogo com a Coreia do Norte. Esse não é o caso de Moon Jae-in, eleito em 2017 após o impeachment de sua antecessora, Park Geun-hye.

Filho de imigrantes norte-coreanos que cruzaram a fronteira ainda no período da guerra (1950-1953), Jae-in defende uma Coreia do Sul menos dependente dos norte-americanos - em particular, quando se trata das relações com a vizinha do norte - e desde sua campanha já se mostrava empenhado em trabalhar na aproximação dos dois países. Nesse sentido, a Olimpíada de Inverno foi um episódio conveniente.

Em seu discurso na virada do ano, enquanto reservou ameaças aos Estados Unidos, Jong-un mostrou interesse em enviar uma delegação aos jogos que aconteceriam na Coreia do Sul. Jae-in respondeu prontamente ao sinal. O episódio deu início as iniciativas de aproximação que se seguiram desde então.

Estados Unidos ausente

Por fim, segundo Uehara, um ator influente na política da região tem se distanciado: os Estados Unidos.

De acordo com o professor, desde que assumiu o poder, e a despeito de sua presença incisiva e comentários insólitos nas redes sociais, Donald Trump tem se afastado de questões internacionais como um todo, dando espaço para outros países ocuparem esse vácuo de influência. A movimentação é válida para esferas do debate internacional como meio ambiente e economia.

"É interessante observar, por exemplo, como nos últimos meses a China tem tido um discurso liberal", diz Uehara. "Semana passada Trump elevou as taxas de importação de aço e alumínio e a China, em contrapartida, saiu em defesa do comércio liberal no mundo. Até um tempo atrás era o contrário. Hoje a China passou a ser a guardiã do liberalismo, um espaço que era dos EUA, porque o Trump deu um passo para trás."

O mesmo vale para a segurança. Apesar de discursos e declarações feitos pelo presidente, os EUA não parecem tão propensos a terem uma participação nas negociações como tinha no passado. Prova disso é a ausência de um encarregado para a Coreia do Norte, desde que o veterano Joseph Yun se aposentou. O caminho fica assim livre para as Coreias assumirem o protagonismo do debate. 

"É cedo para dizer que as iniciativas vão levar à pacificação entre as Coreias e, também, entre a Coreia do Norte e a comunidade internacional, mas há sinais positivos nesse sentido, que abriram um canal de conversação inexistente até o final de 2017", conclui.

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AFP