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Seis meses após terremoto, mexicanos ainda vivem em acampamentos provisórios

Crianças dormem em abrigo construído na Cidade do México  - Rebecca Blackwell/AP
Crianças dormem em abrigo construído na Cidade do México Imagem: Rebecca Blackwell/AP

Christopher Sherman e Rebecca Blackwell

Da AP, na Cidade do México

25/03/2018 04h00

Sob um abrigo improvisado feito de lonas sobrepostas e banners de vinil, dezenas de moradores do número 18 da rua da Independência se espremem dentro de barracas doadas, na via perto de seu prédio que foi danificado durante o terremoto do dia 19 de setembro.

Seis meses após o tremor, acampamentos improvisados como este, montados por moradores desalojados, estão entre os sinais mais visíveis de que nem todos superaram o terremoto que matou 228 pessoas na Cidade do México e mais 141 em outros lugares.

O Comissário para Reconstrução da Cidade do México, Edgar Oswaldo Tungüí Rodríguez, disse que há 27 acampamentos como esse em toda a capital, mas negou que houvesse pessoas morando em qualquer um deles. Ele disse que, na verdade, as vítimas do terremoto haviam somente montado guarda para vigiar suas propriedades.

Mas os acampamentos visitados por jornalistas da Associated Press mostravam uma realidade diferente.

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Maria Patrícia Rodríguez González passou os últimos seis meses vivendo embaixo de lonas na calçada perto do prédio da rua da Independência, junto com seu filho de 13 anos e sua filha de 27.

Os moradores ainda têm permissão para entrar no prédio, mas ninguém se arrisca a permanecer no local.

Moradores de acampamento deixam roupas para secar em meio às tendas, na Cidade do México - Rebecca Blackwell/AP - Rebecca Blackwell/AP
Moradores de acampamento deixam roupas para secar em meio às tendas
Imagem: Rebecca Blackwell/AP

O chão do quarto do apartamento de Rodríguez afundou desde o terremoto. O teto está cedendo e há gesso soltando das paredes. Com medo de usar o banheiro da casa, ela aquece água em um fogareiro embaixo das lonas e improvisa uma espécie de banho dentro de um banheiro portátil na calçada.

No começo, segundo Rodríguez e outros moradores, havia muita solidariedade na vizinhança. Alguns vizinhos deixavam que eles usassem seus banheiros e dividiam comida, após o terremoto de magnitude 7.1. Mas à medida que os dias foram virando semanas e depois meses, os sentimentos mudaram.

Os botijões de gás que eles usavam para aquecer a comida foram roubados. Carros quase chegaram a atravessar o acampamento. Alguns vizinhos pararam de falar com eles, outros os xingavam.

Ficamos tristes quando as pessoas insultam a gente sem saber a realidade que estamos vivendo. Não estamos aqui porque queremos. Estamos aqui por necessidade.”

Maria Patrícia Rodríguez

Os moradores desalojados receberam 3 mil pesos mexicanos (R$ 526) por mês do governo nos três primeiros meses. A ideia era que eles fossem alugar apartamentos em outro lugar. Mas os moradores dizem que a quantia não era suficiente para alugar imóveis no bairro e eles temem que, na sua ausência, ladrões levem seus pertences. Muitos residentes moravam nas 37 unidades do prédio havia mais de 30 anos.

Membros da família Marquez conversam em frente a tendas de acampamento temporário em frente a complexo habitacional danificado após terremoto, na Cidade do México - Rebecca Blackwell/AP - Rebecca Blackwell/AP
Membros da família Marquez conversam em frente a tendas de acampamento temporário em frente a complexo habitacional danificado após terremoto, na Cidade do México
Imagem: Rebecca Blackwell/AP

Rodríguez tenta ganhar a vida vendendo doces em uma banquinha na entrada de seu acampamento. Ela já vendia doces em seu apartamento, no térreo do prédio, antes do terremoto. Outros vão para seus empregos durante o dia enquanto algumas das mulheres mais velhas do prédio cuidam de seus filhos pequenos.

Quase todos estão com tosse e as crianças, especialmente, costumam ficar resfriadas, segundo a moradora Emma Alvarez Lopez, que ajuda a cuidar dos menores. Sua própria neta acabou deixando o acampamento depois de contrair pneumonia.

“Se formos embora, estaremos praticamente abandonando o prédio”, disse Alvarez. “Precisamos de alguma forma pressionar o governo a nos dar apoio”.

Por enquanto, eles estão aguardando uma determinação oficial por parte da prefeitura a respeito do prédio. A maioria acredita que ele precisará ser demolido.

Protestos por reconstrução

A história dessas pessoas é a mesma da de centenas de vítimas do terremoto que protestaram no centro da cidade na segunda-feira (19), exigindo que o governo pague pela reconstrução de seus apartamentos danificados durante o tremor.

De certa forma, aqueles que moravam em prédios que desabaram totalmente durante o terremoto tiveram mais sorte, pois não há dúvida sobre a necessidade de uma demolição completa, e o governo ofereceu autofinanciamento em alguns casos para a construção de mais apartamentos em terrenos existentes, onde as construtoras venderiam as unidades extras para pagar pela reconstrução.

Moradores fazem protesto durante cerimônia de homenagem às vítimas de terremoto na Cidade do México - Eduardo Verdugo/AP - Eduardo Verdugo/AP
Moradores fazem protesto durante cerimônia de homenagem às vítimas de terremoto
Imagem: Eduardo Verdugo/AP

É mais difícil para vítimas como Miguel Angel Rodríguez, 57, cujo prédio no bairro de Roma sofreu imensas rachaduras com o terremoto. Ele tem morado com parentes porque é perigoso demais voltar para seu apartamento, “e é muito desconfortável voltar para casa e viver como um hóspede não convidado”.

Fiscais de construção civil disseram que o prédio poderia ser consertado, “mas foi uma inspeção de dez minutos, superficial. Sabe-se lá se ele realmente pode ser arrumado”, disse Rodríguez.

Difícil incerteza

É essa incerteza que tornou a vida insuportável. Muitos se encontram há meses em uma rotina burocrática, tendo de fornecer uma papelada cada vez maior ao governo, enquanto os prédios aguardam vazios e cheios de rachaduras, muitas vezes com os pertences dos moradores ainda trancados do lado de dentro.

Assim como Rodríguez, Elizabeth Gutierrez, 56, também não sabe quem pagará por esses reparos tão caros e que ainda nem começaram, seis meses depois do terremoto. “É frustrante, dá raiva”, disse Gutierrez, que no começo acampou do lado de fora de seu prédio e depois foi morar com parentes.

Tungüí, o comissário de reconstrução, respondeu por escrito à reportagem que, até o momento, as autoridades municipais determinaram o que fazer com 757 das 911 estruturas de uma lista de prédios danificados compilada por um comitê de emergência. Alguns deles serão demolidos, outros consertados ou reforçados. Até agora, a prefeitura demoliu 28 prédios e está trabalhando em 15 outros atualmente, segundo o comissário.

A prefeitura anunciou na semana passada que se apropriou de um terreno onde um prédio de escritórios desabou, matando 49 pessoas. Ela pretende transformá-lo em um memorial para as vítimas do terremoto.