Por que Trump quer mudar o acordo nuclear com o Irã?
Considerado uma conquista para a segurança mundial quando firmado em 2015, o acordo nuclear do Irã foi colocado em uma corda bamba nas últimas semanas. Isso porque o presidente norte-americano, Donald Trump, ameaça cancelar unilateralmente um tratado cujo fim não aconteceria sem graves consequências para todos os países envolvidos, dizem especialistas de relações internacionais ouvidos pelo UOL. A decisão final sobre o tema deve ser anunciada nesta terça (8), às 15h (horário de Brasília).
O plano foi construído a duras penas pelo antecessor de Trump, Barack Obama, e assinado pelo Irã e o chamado Grupo 5+1 (EUA, Rússia, Reino Unido, França, China e Alemanha). Na ocasião Teerã se comprometeu a limitar seu programa nuclear, enquanto a comunidade internacional por sua vez aliviou as sanções econômicas impostas à república islâmica. Desde então a resolução funcionou muito bem, com todos os países envolvidos cumprindo sua parte. Até Trump ser eleito.
O presidente norte-americano considera o acordo fraco por se restringir à questão do enriquecimento de urânio para fins não pacíficos, quando há diversos outros pontos de conflito entre potências ocidentais e Irã. Entre esses pontos estão, por exemplo, a atuação do Irã em conflitos do Oriente Médio, como na Síria e no Iêmen.
Renegociar o Plano de Ação Conjunto Global, como é chamado o acordo, é também uma promessa antiga de Trump, coerente com sua posição em relação a diversos tratados internacionais --vários deles postos em xeque por sua administração, como o Acordo de Paris sobre Mudança do Clima.
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A princípio, a Casa Branca havia estabelecido o prazo de 12 de maio para que uma nova proposta para o plano, mais abrangente, fosse apresentada pelas potências europeias. Mas na segunda (7), o presidente se adiantou e publicou no Twitter que irá anunciar sua decisão final sobre o caso já nesta terça.
I will be announcing my decision on the Iran Deal tomorrow from the White House at 2:00pm.
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) May 7, 2018
O Irã, por sua vez, já afirmou que não aceita renegociar ou modificar o tratado. No domingo (6), o presidente Hassan Rouhani reiterou que os EUA caminham para um “arrependimento histórico”.
Entenda melhor o que é o acordo e quais são as discussões atuais sobre ele:
O que é o Plano de Ação Conjunto Global
O plano de ação conjunta foi acordado num contexto em que potências mundiais temiam o acelerado programa nuclear iraniano. Há mais de uma década, os Estados Unidos acusavam o país de estar desenvolvendo armas nucleares. As acusações tinham o respaldo de relatórios de agências internacionais, segundo os quais o Irã enriquecia urânio em níveis superiores ao necessário para a produção de energia.
No plano, grosso modo, o Irã se comprometeu a reduzir o enriquecimento do urânio a uma porcentagem considerada segura pelos órgãos internacionais, suspendendo as atividades em uma de suas instalações e reduzindo suas reservas de urânio em 98% ao longo de 15 anos.
Além disso, o texto prevê um monitoramento feito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU. Em troca, EUA e países europeus revogaram uma série de sanções econômicas que vinham sendo feitas ao país.
É importante ressaltar que o plano se restringe ao enriquecimento de urânio no Irã para fins nucleares, não tocando em outros pontos nevrálgicos como mísseis balísticos, grupos terroristas e influência em conflitos de países do Oriente Médio.
"O acordo foi muito importante na época, pois as relações dos EUA e da Europa com o Irã estavam num impasse muito problemático há muito tempo", diz Marcos Tourinho, professor de Relações Internacionais na FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo Tourinho, duas mudanças fundamentais permitiram que o plano fosse firmado, passada mais de uma década de embate: a chegada de John Kerry à secretaria de Estado norte-americana e a mudança da própria administração iraniana. As eleições do país em 2013 levaram ao poder Hassan Rohani, mais propício a negociações do que seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad.
"O acordo representou uma sinalização de boa vontade tanto do Irã quanto dos países negociadores de chegar num lugar ganha-ganha para os dois pólos", explica Pérola Abreu Pereira, mestre em relações internacionais pela UnB (Universidade de Brasília). "Há tempos que esses países não se encontravam num ponto que fosse possível sentar à mesa, ceder um pouco, para que o programa se desenvolvesse de forma que a comunidade internacional não se sentisse ameaçada."
Por que Trump não gosta do plano
Segundo os analistas, o acordo foi muito bem-sucedido em parar a agenda nuclear e reduzir as tensões nesse sentido. Havia no entanto uma segunda camada de intenções nas negociações que nunca se concretizou: a melhoria mais ampla das relações entre Irã e seus adversários.
Isso não aconteceu por diversos motivos que vão além das animosidades de Donald Trump e sua abordagem agressiva em mesas de negociação. Esses motivos estão associadas ao complexo xadrez político do Oriente Médio. A aproximação da nova administração norte-americana com o governo de Israel e os conflitos na Síria e no Iêmen, basicamente, ajudam a explicar a rejeição ao plano.
Entenda cada um desses pontos:
1. Perfil agressivo de Trump para negociações
O magnata assumiu o poder prometendo rever não apenas o acordo com o Irã, mas uma série de outros tratados de naturezas diferentes, considerados por ele insatisfatórios. Estiveram sob escrutínio o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLC), o Acordo de Livre Comércio Transpacífico (TPP) e o Acordo de Paris sobre a mudança do clima, entre outros. Cada um teve um desfecho diferente.
Nesse sentido, renegociar com o Irã faz parte de uma estratégia mais ampla da administração Trump. “Ele acredita que pode conseguir negociações melhores se tiver uma posição negociadora mais dura”, explica Tourinho.
2. Conflitos na Síria e no Iêmen
Desde 2015, a dinâmica do Oriente Médio mudou: novos conflitos surgiram e outros, se acirraram. O Irã tem uma participação ativa em ao menos dois deles: na Síria e no Iêmen. Ambos mobilizam forças militares mundiais. Ou seja, o Irã segue operando na região, embora não no âmbito nuclear, e isso gera incômodo nos Estados Unidos e em seu principal aliado local, Israel.
“No caso da Síria, por exemplo, EUA e Irã têm tropas se enfrentando indiretamente”, lembra Pereira, sobre o fato de os dois países apoiarem lados opostos do conflito. O mesmo vale para o Iêmen: “A situação do tabuleiro coloca os dois em uma situação muito franca de oposição. Há esse grande pano de fundo geopolítico.”
Marcos Tourinho ainda acrescenta que, enquanto para Barack Obama fazia sentido resolver o problema nuclear, a despeito dos demais pontos de incômodo provocados por Teerã, para Trump, essas questões são inseparáveis.
“Se você enxerga a pasta nuclear como associada a todos os outros pontos, o acordo é de fato insuficiente. Ele resolve só a questão nuclear, que na época, na iminência de uma guerra, era essencial”, diz.
3. Lobby israelense
Cercado por inimigos por quem se sente ameaçado, Israel é um agente bastante influente na política de Trump. O país fortalece o ponto de vista de que a participação iraniana no Oriente Médio é tão preocupante quanto o enriquecimento de urânio no país persa. Portanto, negociar apenas esse ponto não é o suficiente.
As intenções israelenses para que o acordo entre em colapso ficaram evidentes após uma apresentação feita pelo premiê Benjamin Netanyahu no dia 30 de abril. Lançando mão de imagens, gráficos e frases escritas em letras garrafais em slides de power point, Netanyahu fez uma apresentação em inglês transmitida globalmente, na qual afirmou ter provas de que o Irã mantem um programa nuclear com fins armamentícios.
As evidências apontadas eram anteriores a 2003.
O arrojo israelense foi prontamente desqualificado por especialistas do tema e pelos governos europeus. Segundo eles, Netanyahu não apresentou nada que já não fosse conhecido sobre o programa nuclear iraniano.
“Israel quer mostrar que o problema do Irã é existencial. Não é que eles estão fazendo alguma coisa errada, mas é que praticamente eles são errados, que são pouco confiáveis”, explica Tourinho.
Jeffrey Lewis, diretor do centro James Martin de estudos sobre não proliferação, escreveu na revista “Foreign Policy” que Netanyahu montou “um teatro” com a intenção de chamar a atenção de um presidente facilmente impressionável por imagens e frases de efeito: Donald Trump. Para Lewis, no entanto, o tiro saiu pela culatra: o argumento de que o Irã é um país pouco confiável justifica a necessidade da existência do tratado.
Quais seriam as consequências de o plano cair
Considerando as declarações recentes de ambos presidentes, é difícil imaginar um final feliz para o impasse. Os especialistas que falaram ao UOL concordam que a margem de manobra dos países europeus para adaptarem o texto é bastante restrita, dada a polarização entre EUA e Irã.
Uma quebra de contrato traria consequências ruins para todos os envolvidos, dizem. Entre elas, perdas econômicas, incertezas e, em última instância, a retomada de um programa nuclear agressivo.
1. Perdas econômicas
“O fim do acordo possivelmente levaria a uma retomada de sanções que não necessariamente interessa a todos da mesma maneira”, lembra Pérola Pereira. “Além de prejudicar o país alvo e a população civil, prejudica os próprios países que impõem as sanções, pois eles ficam sem a possibilidade de comercializar com o Irã”.
Segundo Pereira, os europeus seriam os mais prejudicados, o que pode ser o grande motivo pelo qual estão tão empenhados em salvar o acordo. Tanto o presidente francês, Emmanuel Macron, como a chanceler alemã, Angela Merkel, estiveram recentemente na Casa Branca discutindo o assunto.
Tourinho ainda chama atenção para o fato de que o poder das sanções é geralmente superestimado. Segundo ele, nem no caso do Irã, nem mais recentemente no da Coreia do Norte, foram os embargos econômicos responsáveis pela abertura de negociações.
“As sanções de fato causam danos, causam impacto negativo na economia, mas esse dano econômico não necessariamente se traduz em uma conformidade política como os EUA querem”, diz.
2. Incerteza sobre programa nuclear
Os pesquisadores também chamam atenção para o fato de que, com o fim do acordo, o sistema de monitoramento das atividades nucleares iranianas desapareceria.
“Enquanto hoje as atividades do Irã são altamente monitoradas em regimes de inspeções os mais rígidos já estabelecidos, isso desaparecer é um problema, porque gera mais incerteza sobre qual é o estado do enriquecimento nuclear do país”, acrescenta Tourinho.
O professor da FGV chama atenção para o fato de que incertezas podem gerar guerras desnecessárias, como aconteceu no Iraque, em 2003. Na ocasião, o então presidente norte-americano George W. Bush determinou a invasão do país sob a justificativa de que os iraquianos tinham armas de destruição em massa. As armas nunca foram encontradas em oito anos de conflito.
3. Influência nas negociações com Coreia do Norte
O término do tratado tem o potencial de influenciar as negociações de desnuclearização com a Coreia do Norte. É esperado que o presidente Donald Trump se encontre com o líder norte-coreano Kim Jong-un nas próximas semanas.
“O que vai convencer a Coreia do Norte de que um acordo feito será mantido?”, questiona Tourinho. Por outro lado, diz ele, até aqui, o fechado país asiático se mostrou propenso a uma barganha mais ampla do que aquela realizada com o Irã, envolvendo outros aspectos políticos e econômicos que não apenas a desnuclearização. “Mas isso continua muito imprevisível”, conclui.
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