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Líbano estuda liberar cultivo de maconha, mas enfrenta oposição de grupos xiitas

Homem trabalha em plantação de maconha em Yammoune, no Líbano - Hassan Ammar/AP
Homem trabalha em plantação de maconha em Yammoune, no Líbano Imagem: Hassan Ammar/AP

Bassem Mroue

Da Associated Press, em Yammoune (Líbano)

27/07/2018 15h56

Nos campos desta pacata vila cercada por montanhas, homens e mulheres trabalham limpando sujeira e folhas secas de plantações de maconha, uma importante fonte de sustento nesta região empobrecida do Líbano.

O vale de Bekaa, no leste do país, uma região muito fértil, é conhecido há muito tempo como uma das regiões que mais produz narcóticos no mundo, cultivando canabis de boa qualidade que, na maioria das vezes, é transformada em haxixe. Hoje, o país é o terceiro maior produtor do mundo da droga, depois de Marrocos e Afeganistão, de acordo com a ONU.

Os moradores do vale raramente sentem os benefícios. Mas eles têm esperança de que seu trabalho logo se legalize, depois de décadas de repressão e batidas policiais.

Nesta semana, um projeto de lei que permite o cultivo e uso da maconha para fins médicos foi apresentado no Parlamento libanês.

A ideia alimentou os sonhos do Líbano de arrecadar centenas de milhões de dólares em vendas e exportações, uma fonte de renda desesperadamente necessária para um país sobrecarregado pelo baixo crescimento, alto desemprego e o fardo de uma das maiores dívidas do mundo.

O setor jurídico também criará empregos e trará ordem em Bekaa, região conhecida pela falta de lei, dizem os proponentes da lei.

"Eu quero encontrar uma solução para o que está acontecendo", disse o legislador Antoine Habchi, responsável por apresentar o projeto ao Parlamento. O objetivo é “permitir que os agricultores vivam com dignidade”.

Habchi, que vem de uma região que cultiva maconha no vale de Bekaa, afirmou que a lei deve trazer retornos econômicos e deve incluir medidas para prevenir e tratar o vício.

Vista geral de Deir al Ahmar, no vale de Bekaa, no Líbano - Hassan Ammar/AP - Hassan Ammar/AP
Vista geral de Deir al Ahmar, no vale de Bekaa, no Líbano
Imagem: Hassan Ammar/AP

De acordo com o projeto de lei, o cultivo deve ser rigidamente controlado. Empresas farmacêuticas privadas fornecerão sementes e mudas aos agricultores e, durante as colheitas, as plantas serão contadas para garantir que nada seja desviado. O tamanho dos campos também deve ser regulado.

Provavelmente, levará meses para o projeto passar por discussões antes que possa chegar a uma votação. Na semana passada, o presidente do Parlamento, Nabih Berri, informou à embaixadora norte-americana no Líbano, Elizabeth Richard, que a legislatura estava trabalhando no projeto de lei. No passado, os Estados Unidos forneceram ajuda para os esforços antidrogas no Líbano, tentando conter o tráfico.

A lei já cria controvérsias no país.

As partes do norte do Vale do Bekaa, onde a maconha é amplamente cultivada, estão sob a influência do Hizbollah, que se opõe ao uso e à produção de todos os tipos de drogas. A facção xiita e seus aliados dominam o Parlamento; ainda não se sabe se o grupo deve tentar impedir a aprovação da lei.

Os Estados Unidos acusaram o Hizbollah de tráfico de drogas por repetidas vezes, algo que o grupo nega veementemente.

A legalização parece ter ganho força no Líbano depois que a empresa de consultoria global McKinsey incluiu a medida entre as sugestões feitas ao governo para impulsionar a economia.

Ainda assim, os economistas estão divididos sobre os benefícios.

Louis Hobeika, economista da Universidade Notre-Dame do Líbano, alertou que os lucros da maconha não vão para os cofres públicos ou para os cidadãos, mas serão devorados pela corrupção generalizada entre a elite dominante.

"Este é uma medida que visa financiar a máfia política no Líbano", disse ele.

Habchi discorda, dizendo que os agricultores e trabalhadores finalmente teriam seus direitos garantidos no comércio. Tradicionalmente, os traficantes de drogas se beneficiam mais, impondo um preço de compra aos agricultores e vendendo o produto por valores muito mais altos.

O Vale de Bekaa se tornou famoso pelo tráfico de drogas durante a guerra civil que durou de 1975 até 1990, movimentando cerca de US$ 500 milhões por ano em ópio e maconha. Depois da guerra, as autoridades lançaram medidas de repressão nas plantações e incentivaram cultivos diferentes como batatas, tomates e maçãs.

O plantio de maconha floresceu mais uma vez após a eclosão da guerra civil na Síria em 2011, com as autoridades libanesas focadas em outras preocupações de segurança.

Mayez Shreif, 65, trabalha há décadas nas plantações de maconha em Yammoune - Hassan Ammar/AP - Hassan Ammar/AP
Mayez Shreif, 65, trabalha há décadas nas plantações de maconha em Yammoune
Imagem: Hassan Ammar/AP

Dirigindo pelas aldeias nas regiões de Baalbek e Hermel no leste do Líbano, plantações de maconha são vistas na beira de estradas e em jardins. Em alguns casos, os postos de controle das forças de segurança ficam a poucos metros de distância. Existem mais de 40 mil mandados de prisão contra os moradores do vale do Bekaa, muitos relacionados com drogas.

Na maioria das vezes, as autoridades preferem fechar os olhos.

Moradores bem armados estão prontos para se defender de qualquer força que tente destruir suas plantações. Quando as forças de segurança avançam para destruir campos com escavadeiras e caminhões, os moradores ficam sob a linha de fogo de armas automáticas ou granadas lançadas por foguete.

Na segunda-feira (23), tropas cercaram um complexo na vila de Hamoudiyeh, comandado por um conhecido traficante de drogas, Ali Zeyd Ismail, que tinha dezenas de mandados expedidos contra ele. Uma batalha de horas de duração deixou oito pessoas mortas, incluindo Ismail, que ficou conhecido como Escobar do Líbano.

O haxixe também é contrabandeado para fora do país. Dificilmente uma semana se passa sem as autoridades apreenderem drogas no aeroporto ou em portos marítimos.

A legalização poderia transformar isso em um mercado legal de exportação. Vários países da Europa e da América do Sul, assim como a Austrália e o Canadá, permitem a importação de maconha para uso medicinal. O Canadá e a Holanda dominam as exportações. Vários Estados dos EUA permitem a maconha medicinal ou recreativa, mas a importação é ilegal.

Em Bekaa, os agricultores dão as boas-vindas à legalização, dizendo que trará empregos muito necessários.

"Deixe-os lidar com isso da maneira como lidam com o tabaco", disse Mayez Shreif, se referindo à empresa estatal que monopoliza as compras de tabaco dos agricultores. Ele deu entrevista em uma manhã desta semana enquanto comia frutas e tomava café em um jardim perto de campos de maconha.

Shreif, de 65 anos, trabalha há décadas nas plantações de maconha em Yammoune. O clima seco da área, sua elevação acima do nível do mar e suas nascentes d'água são ideais para fabricar um dos melhores produtos do mundo.

Os moradores tentaram plantar maçãs, tomates e batatas, mas na maioria das vezes perderam dinheiro, disse ele. Cultivar batatas custa 15 vezes mais do que a maconha e o ganho é muito menor. Com a cannabis, o agricultor apenas coloca sementes e água e a plantação cresce, afirmou.

Em Yammoune, um sírio que trabalhou por sete anos em lavouras de maconha disse que seu patrão libanês lhe paga US$ 500 por mês (cerca de R$ 1.800), sete vezes o salário médio na Síria. Ele pediu que seu nome não fosse revelado por medo de represálias das autoridades.

"O haxixe me mantém empregado durante grande parte do ano", disse ele.

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