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Após legalizar aborto, Uruguai vê melhora na saúde de bebês não planejados, segundo estudo

Getty Images
Imagem: Getty Images

Fabiana Maranhão

Colaboração para o UOL, em Montevidéu

16/08/2018 04h01

Encerrado na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro sem data para votação e rejeitado pelo Senado da Argentina, o debate sobre a legalização do aborto está em outro estágio no Uruguai. No país, a prática é permitida desde 2012, e os uruguaios, agora, analisam os efeitos dessa liberação. 

Um estudo publicado em abril deste ano sugere que o impacto da lei foi além da saúde da mulher - um dos principais pontos dos defensores do direito de interromper a gravidez. Segundo os pesquisadores, os bebês frutos de gestações não planejadas nascem mais saudáveis do que antes da lei.

De acordo com o artigo Efeitos de curto prazo da lei de interrupção voluntária da gravidez no Uruguai sobre os nascimentos, os filhos de mulheres que não planejaram a gravidez nasceram, em média, 29 gramas mais pesados do que antes da lei e chegaram a 3 quilos e 285 gramas, em média.

Para efeito de comparação, os filhos de mulheres que planejaram a gravidez ganharam menos peso: 10 gramas, durante o mesmo período, chegando a 3 quilos e 299 gramas.

Para o estudo, os pesquisadores compararam dados referentes aos nascimentos 19 meses antes da lei, com o mesmo período após a entrada em vigor da permissão ao aborto.

Foram avaliados os nascimentos em Montevidéu (93.768 bebês), o que corresponde à metade dos partos realizados no país.

O artigo foi produzido pela Universidade da República do Uruguai e publicado na revista Health Economics, uma das mais importantes da área no mundo.

Seleção positiva

O levantamento aponta também melhora em indicadores relativos aos controles de pré-natal.

Uma das explicações para a evolução é uma seleção positiva: com a possibilidade de interromper a gravidez, as mães que levam a gestação adiante são aquelas com mais disposição ou condições de seguir recomendações médicas e realizar exames. As que não planejaram engravidar e consideram não ter poder de levar a gravidez adiante, com a lei, passaram a abortar.

A pesquisa identificou uma diminuição de 8% nos nascimentos decorrentes de gravidez não planejada. Entre as mulheres de 20 e 34 anos, com Ensino Médio completo, a redução foi de 11%. No Uruguai, o percentual de nascimentos de gestações não planejadas é de 40% do total.

“As gestações não planejadas são as de ‘pior qualidade’, porque são menos controladas, são as que o recém-nascido tem menos peso ao nascer e piores resultados do 'Apgar' - testes realizados no primeiro e no quinto minutos após o nascimento", disse ao UOL Zuleika Ferre, uma das autoras do estudo.

"Como houve uma redução na quantidade de nascimentos decorrentes de gestações não planejadas, o que se teve foi uma melhora na qualidade dos nascimentos", completou Ferre.

O estudo também indica que, em paralelo à lei de aborto, o governo uruguaio implementou iniciativas de apoio às grávidas que cogitavam abortar - o que pode ter colaborado para a melhora de indicadores de saúde dos bebês.

Aborto no Uruguai

No Uruguai, a mulher tem direito a abortar até a 12ª semana de gestação. Em casos de estupro, o prazo é até a 14ª semana, e não há limite de tempo quando a gestante corre risco de morte ou em caso de má formação do feto. A lei é válida para cidadãs uruguaias naturais ou legais e estrangeiras que comprovem morar no país há pelo menos um ano.

Em 2017, foram registrados no país 9.830 abortos realizados de forma legal no sistema de saúde. Em comparação a 2013, primeiro ano de vigência da lei, houve um acréscimo de 37%.

A legislação uruguaia entrou em vigor em outubro de 2012, depois de passar por votações apertadas no Congresso. Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei teve 50 votos a favor e 49 contrários. No Senado, foram 17 votos favoráveis e 14 contra. 

Na América Latina, além do Uruguai, o aborto é legalizado em Cuba, Porto Rico, Guiana e na Cidade do México.

Críticas à lei uruguaia

Passados quase seis anos de sua aprovação, a legislação uruguaia sobre o aborto é elogiada por setores que apoiam o direito à interrupção da gravidez, mas também recebe críticas. 

Martha Naranjo, uma das diretoras do Instituto Uruguaio da Família, valoriza as medidas previstas pela lei, mas desaprova as políticas de educação sexual no país.

“O aborto é uma figura importante dentro dos direitos da mulher, mas os avanços na legislação não foram acompanhados de políticas educativas sobre sexualidade e reprodução para que não seja preciso recorrer ao aborto, que é uma situação limite”, declarou à reportagem do UOL.
 
Para María Scaniello, do coletivo feminista Mujeres en el Horno, a lei é “uma garantia de acesso ao aborto seguro”, mas falha ao ser um “procedimento complicado e burocrático”.

A lei determina que a mulher inicialmente se consulte com um médico, que irá solicitar uma ecografia e depois encaminhá-la a uma equipe multidisciplinar formada por ginecologista, psicólogo e assistente social. Depois, é preciso esperar ao menos cinco dias --o que a lei chama de "período de reflexão".
 
“Em uma pesquisa que fizemos no ano passado, as mulheres reivindicaram que não houvesse esse prazo, que para elas não era necessário porque já tinham tomado sua decisão, só tornando o processo mais burocrático”, afirmou.

Scaniello também critica o fato de as mulheres não poderem escolher o método para a realização do aborto, que só pode ser feito por meio de medicação. Uma opção seria a aspiração intrauterina.

Ainda segundo ela, embora o aborto seja legal no Uruguai, as mulheres têm dificuldades para ter acesso a informações corretas sobre como realizar a interrupção da gravidez. Por isso, a organização oferece desde 2014 um serviço telefônico gratuito para esclarecer dúvidas e também dar apoio. O 0800 recebe uma média de 15 a 20 ligações por semana, e cerca da metade das chamadas se trata de perguntas sobre os passos a seguir para fazer o aborto.