Relatório da ONU denuncia "crimes de guerra" no Iêmen
A ONU (Organização das Nações Unidas) afirmou, nesta terça-feira (28), que todas as partes envolvidas no conflito do Iêmen cometeram potenciais "crimes de guerra".
Em um relatório que investiga as violações e abusos no país de setembro de 2014 a junho de 2018, o grupo de especialistas internacionais e regionais criados pelo conselho de direitos humanos da organização declarou possuir motivos razoáveis para acreditar que membros do governo iemenita, dos rebeldes houthis e da coalizão árabe liderada pela Arábia Saudita "executaram ataques que violam os princípios de distinção (do alvo), proporcionalidade e precaução que podem constituir crimes de guerra".
A aviação da coalizão teria provocado "a maior quantidade de vítimas civis diretas" em bombardeios que atingiram "zonas residenciais, mercados e inclusive instalações médicas", informa o documento da missão presidida pelo tunisiano Kamel Jendoubi.
A coalizão militar, integrada por países árabes, começou a atuar no Iêmen em março de 2015 para ajudar o governo do país contra os rebeldes houthis, que controlavam grande parte do país.
Na quinta-feira da semana passada, um bombardeio da coalizão matou 26 crianças, segundo a ONU.
No dia 9 de agosto, outro ataque da coalizão na província de Saada, um reduto rebelde, provocou as mortes de 40 crianças que viajavam em um ônibus.
Crianças recrutadas para o combate
Além disso, o grupo de especialistas declarou possuir "informações substanciais" que permitem afirmar que crianças estão sendo utilizadas como parte das hostilidades pelo "governo do Iêmen, as forças apoiadas pela coalizão e as forças houthis"
"Na maioria dos casos, as crianças tinham entre 11 e 17 anos, mas temos indícios regulares sobre o recrutamento e utilização de crianças de oito anos de idade", afirmaram.
A ONU afirmou também que o bloqueio imposto pela coalizão aos portos iemenitas e ao aeroporto de Sanaa pode ser considerado um crime de guerra, de acordo com o princípios do direito internacional.
"Apelo a todas as partes para que adotem as medidas necessárias para suprimir as restrições desproporcionais à entrada segura e rápida no Iêmen da ajuda humanitária e de outros bens indispensáveis para a população civil", disse Jendoubi.
A ONU convocou negociações sobre o Iêmen para o dia 6 de setembro, em Genebra.
O secretário norte-americano de Defesa, Jim Mattis, defendeu a coalizão liderada pela Arábia Saudita, mas destacou que o apoio de Washington não é "incondicional".
"Durante vários anos cooperamos com os sauditas e com os Emirados (Árabes Unidos) fazendo tudo para reduzir o risco de mortes e ferimentos entre pessoas inocentes", declarou em entrevista. "Não é incondicional", e a coalizão deve fazer "tudo humanamente possível para evitar qualquer perda de vida de inocentes e apoiar o processo de paz mediado pela ONU".
Para entender o conflito
Em 2011, como parte dos movimentos da Primavera Árabe --a série de protestos que eclodiu nos países do Oriente Médio naquele ano --, o então presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, deixou o poder após 33 anos no cargo, passando o comando do país ao seu vice, Hadi. No entanto, o recém-nomeado presidente enfrentou uma série de problemas como movimentos separatistas no sul do país e ataques da Al Qaeda.
A fraqueza do governo possibilitou aos rebeldes xiitas houthis -- que seguem uma corrente do islamismo conhecida como zaidismo -- a se rebelarem, tomando para si a província de Saada, no nordeste do país, região que consideram como sua terra.
O grupo já havia enfrentado o governo de Saleh na década anterior.
Muitos iemenitas, desiludidos com a transição dos governos, apoiaram os rebeldes que, em setembro de 2014, tomaram controle da capital do país, Sanaa, levando à fuga do presidente Hadi, em 2015.
O crescente poder houthi deixou alarmado os países sunitas da região, que viam por trás das forças rebeldes a influência do Irã, país de maioria xiita.
Então, uma coligação formada por oito estados sunitas árabes tendo como líder a Arábia Saudita e o apoio dos Estados Unidos, Reino Unido e França, passou a lutar contra os rebeldes iemenitas.
O conflito se estende até hoje e estima-se já ter deixado um saldo de 10 mil mortos e 50 mil feridos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
* Com AFP
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