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No Uruguai, maconha entre maiores de 55 anos cresce 229% após legalização

Em 2014, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a regulamentar o consumo da maconha, que passou a ser vendida em farmácias para usuários registrados - Nicolas Celaya/Xinhua
Em 2014, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a regulamentar o consumo da maconha, que passou a ser vendida em farmácias para usuários registrados Imagem: Nicolas Celaya/Xinhua

Fabiana Maranhão

Colaboração para o UOL, em Montevidéu

11/10/2018 04h01

Após a legalização da maconha, houve um crescimento de 66% no índice de pessoas que declaram ter consumido a erva no Uruguai, diz um estudo divulgado em setembro deste ano.

O índice de entrevistados entre 15 e 65 anos que afirmaram ter consumido cannabis nos últimos 12 meses passou de 9,3% em 2014, primeiro ano da descriminalização, para 15,4% em 2017.

O aumento é mais expressivo entre os adultos entre 55 e 65 anos: 229%, seguido pelas faixas etárias entre 35 e 44 anos (144%) e entre 45 e 54 anos (125%). 

O estudo "Evolução do consumo de cannabis no Uruguai e em mercados regulados" foi elaborado pelo Monitor Cannabis, um grupo que analisa o impacto da legalização da maconha no país, por especialistas de quatro universidades uruguaias e pelo Observatório Uruguaio de Drogas, ligado ao governo federal.

"Os adultos tinham uma participação pouco relevante entre as pessoas que usam a cannabis até a medição de 2014. Mas em 2017, eles aumentaram sua participação muito acima dos jovens, em termos relativos", afirmam os autores do estudo, Clara Musto e Gustavo Robaina.

A pesquisa revelou um aumento percentual maior na população feminina: o crescimento foi de 90% entre as mulheres e de 53% entre os homens. Também segundo o estudo, entre os moradores da capital Montevidéu, houve uma ampliação de 92% no índice de pessoas que disseram ter consumido a droga no último ano. Já entre a população que vive no interior do país, o aumento foi de 72%.

A investigação revelou ainda que, em 2017, a faixa etária de 19 a 24 anos era a com maior percentual de consumidores da cannabis (36,1%), em comparação com a população total nessa faixa etária, seguidos pelos adultos de 25 a 34 anos (25%) e pelos adolescentes de 15 a 18 anos (20,7%).

Desde o começo dos anos 2000, foram feitos no Uruguai cinco estudos sobre o uso de drogas no país: as Pesquisas Nacionais de Domicílio sobre Consumo de Drogas, realizadas pelo governo em 2001, 2006, 2011 e 2014, e a feita pelo Monitor Cannabis em 2017. "Em conjunto, essas pesquisas mostram um aumento constante do consumo de maconha e outras drogas durante os anos 2000 no Uruguai", dizem os pesquisadores.

Explicações para o aumento

Para os autores do estudo, o aumento do consumo de maconha se deu, em parte, por causa da "incorporação de novas populações ao mercado de cannabis e a permanência de usuários que transitam para a vida adulta, aumentando assim a base de usuários".

"Antes de 2014, as pessoas que utilizavam maconha no Uruguai tinham um perfil muito claro: eram principalmente homens, de Montevidéu e jovens com cerca de 20 anos. A partir de 2014, se acentua uma tendência que começou a se desenhar nos anos anteriores: aumenta a proporção de jovens, idosos, mulheres e, em menor medida, gente do interior do país".

Os pesquisadores também atribuem o crescimento ao fato de as pessoas que participaram da pesquisa terem sido "mais honestas sobre o consumo de maconha?"  "No Uruguai, segundo dados de 2017, 52% das pessoas que utilizam a droga dizem que hoje se sentem 'com mais liberdade para declarar que consomem maconha'. Sem dúvida, isso afeta as cifras".

Comparação com outros países

O estudo também compara o índice de consumo de maconha do Uruguai com o de outros países. Nas Américas, o país vizinho só fica atrás dos Estados Unidos, segundo maior consumidor de maconha do mundo (o primeiro é Israel).

De acordo com o Relatório Mundial de Drogas 2018 da ONU, o percentual de uso da droga no país norte-americano é de 17%. Nos EUA, o comércio de cannabis é criminalizado em nível federal, mas em sete Estados o uso recreativo é permitido.

O Chile é o terceiro país com o maior índice de utilização da maconha, segundo o mesmo relatório (15,1%). No país, o comércio da droga é ilegal. No Brasil, segundo o Relatório Mundial de Drogas 2018 da ONU, o percentual no Brasil é 2,5%.

"A prevalência do uso da cannabis tem aumentado tanto em países proibicionistas como em países com experiências de regulação da droga", explicam os pesquisadores uruguaios.

Eles citam os casos do Chile, onde "entre 2010 e 2016, a proporção de pessoas que declararam ter consumido maconha nos últimos 12 meses aumentou em 215%" e da Argentina, que registrou crescimento de 135% no mesmo período.

Os autores da pesquisa mencionam ainda a situação dos Estados norte-americanos do Colorado e Washington, que legalizaram a maconha na mesma época que o Uruguai. "Enquanto o Colorado teve um aumento de 11% entre 2013 e 2015, ou seja, quase imediatamente antes e imediatamente depois da regulação, Washington registrou queda de 12%".

"Todos os pesquisadores concordam que é preciso esperar mais tempo para ver resultados confiáveis, que não parece haver mudanças significativas e que, nos Estados que regularam [o comércio e uso da maconha], a situação é muito diferente do resto dos EUA, onde a declaração de consumo mensal cresceu 40% nesse mesmo intervalo de tempo".

Maconha no Uruguai

A produção, comercialização e uso da maconha foram regulados no Uruguai por meio de uma lei sancionada durante o governo do ex-presidente José Mujica em dezembro de 2013.

Para comprar maconha de forma legal no país, é preciso se registrar indo até os correios e apresentando um documento de identificação nacional e comprovante de que reside no país.

Turistas não podem se cadastrar e, por isso, não conseguem comprar a erva nas farmácias. Estrangeiros podem fazer o registro, mas precisam ter a chamada cédula de identidade uruguaia, documento obtido depois que se dá entrada no processo de residência temporária ou permanente.

Atualmente, há 28,1 mil pessoas registradas para comprar maconha de forma legal no Uruguai. Outras quase 6,8 mil pessoas têm licença para cultivar até seis pés de maconha em casa.

Uma terceira possibilidade oferecida pelo governo é fazer parte de um clube de membros, que são organizações civis que têm autorização para produzir e distribuir cannabis entre seus sócios. Existem 107 clubes licenciados no país.

Os dados são do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA, na sigla em espanhol). O órgão é responsável pelo controle da plantação, colheita, produção e distribuição da maconha.

Assim como o álcool, o consumo de maconha no Uruguai é permitido em espaços públicos, mas proibido para menores de 18 anos e também para quem esteja dirigindo. A lei veta qualquer tipo de propaganda da maconha.

Mesmo sem autorização para comprar ou plantar, qualquer pessoa pode carregar maconha para uso pessoal, na quantidade de até 40 gramas, sem que isso acarrete algum tipo de punição.