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É feriado nos países vizinhos, mas nem Nossa Senhora, nem crianças são o motivo

Estátua de Cristóvão Colombo em Washington, capital dos EUA - Mandel Ngan/AFP
Estátua de Cristóvão Colombo em Washington, capital dos EUA Imagem: Mandel Ngan/AFP

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

12/10/2018 08h02

Se no Brasil 12 de outubro é o dia de os católicos rezarem para Nossa Senhora Aparecida, as crianças ganharem presentes ou simplesmente descansar durante o feriado, nos países a data é alvo de polêmicas e mudanças de nome.

Celebrado pelos nossos vizinhos latino-americanos, este dia nada tem a ver com a padroeira do Brasil ou com o Dia das Crianças. Com abordagens diferentes, 12 de outubro é lembrado em toda a América Latina, além de Estados Unidos e Espanha, como o dia em que o navegador Cristóvão Colombo chegou à América Central em 1492.

Na Espanha, país colonizador, a data é comemorada nacionalmente como o “Dia da Hispanidade”, cujo objetivo é celebrar a cultura hispânica e a união das nações de origem espanhola.

Durante décadas, os países latino-americanos, colonizados, celebraram a chegada dos europeus, como temos por aqui em 22 de abril, usando diferentes nomes.

Argentina, Venezuela, Chile, México e Uruguai, por exemplo, celebravam o “Dia das Américas”. Já Colômbia, Equador, El Salvador, Peru e muitos outros marcavam “Dia da Raça” em 12 de outubro, que celebra a miscigenação étnica e cultural ocorrida nestes países.

No entanto, desde o fim dos anos 1980, diferentes líderes e estudiosos destes países começaram a refletir sobre o motivo de comemorar o “descobrimento”. Se a celebração de uma data diz muito sobre um povo, por que não comemorar a própria cultura em vez de dar luz à chegada do colonizador?

Grupos da sociedade civil, em especial ligados à cultura indígena começaram a questionar a noção eurocêntrica de civilização (ou seja, como uma terra em que já havia nativos pode ser “descoberta”?) e a forma de colonização espanhola, que, como no Brasil, foi marcada pelo extermínio de povos.

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Desenho da caravela Santa Maria, uma das três embarcações utilizadas pelo navegador genovês
Imagem: Reuters/US

“No dia 12 de outubro de 1992, em vez de celebrações festivas, houve, em muitos desses países, manifestações em sinal de luto, rememorando a destruição das comunidades indígenas pelas potências imperialistas do passado e do presente”, conta o historiador Antônio Mitre, coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

“Nos países de forte composição indígena, movimentos de caráter étnico aproveitaram a ocasião para levar ao Tribunal Internacional de Haia uma demanda simbólica, mas certamente significativa, contra a Espanha e o Vaticano pelas atrocidades cometidas na conquista e evangelização dos povos indígenas”, conta Mitre.

A onda pegou. O que antes era quase unanimidade, hoje é minoria: quase todos os países da América Latina abandonaram a celebração do descobrimento, ainda forte na Espanha e nos Estados Unidos. Alguns deles, em especial na América Central, mantiveram o “Dia da Raça”, mas a maioria decidiu por um novo caminho.

Dede 2000, o Chile rebatizou a celebração como o “Dia do Descobrimento de Dois Mundos”, que busca celebrar tanto a cultura espanhola quanto a nativa. Já o governo de Hugo Chávez, na Venezuela, mudou o nome para “Dia da Resistência Indígena” em 2002, pois considerava “Dia da Raça” algo preconceituoso. O mesmo aconteceu na Argentina de Cristina Kirchner, que mudou o nome do feriado para “Dia da Diversidade Cultural Americana” em 2010, e na Bolívia de Evo Morales, que mudou para o “Dia da Descolonização” em 2011.

“A história e o significado dessas mudanças envolvem uma trama complexa de fatores de caráter nacional e continental”, afirma Mitre. “Entre estes últimos, está o posicionamento dos países latino-americanos com relação a política dos Estados Unidos e à doutrina pan-americanista emanada de Washington.”

Nos Estados Unidos, que não teve colonização latina, é celebrado o “Dia de Colombo”, um feriado flexível, comemorado toda segunda segunda-feira de outubro. O objetivo, no entanto, não é falar da influência hispânica no país, mas celebrar a cultura italiana.

Nem por isso os americanos estão livres da polêmica. Movimentos da sociedade civil americana, em especial na Costa Oeste, também questionam a celebração de datas como o “Dia de Colombo” e o “Dia de Ação de Graças”.

“Ao mesmo tempo, o 12 de outubro virou um simples dia de folga e alavanca do turismo para a maior parte dos países da região, e, para outros, uma ocasião para rememorar as atrocidades do passado e, às vezes, para justificar as barbaridades do presente”, conclui Mitre.

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Desfile em celebração do Dia de Colombo na 5ª Avenida, em Nova York
Imagem: Tina Fineberg/AP

O Brasil não tem nada a ver com isso

O Brasil nunca teve o costume de celebrar o descobrimento da América por Cristóvão Colombo, embora comemoremos o nosso descobrimento por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500.

Em vez disso, no dia 12 de outubro, além do simbólico “Dia das Crianças”, é celebrado por aqui o “Dia de Nossa Senhora de Conceição Aparecida”, padroeira nacional.

Não há, no entanto, ligação direta entre as celebrações internacionais e a nossa. O dia da padroeira foi instituído como feriado nacional pela Lei nº 6.802, assinada pelo general João Figueiredo em junho de 1980, quando o Papa João Paulo II visitava o país pela primeira vez.

A data foi escolhida porque, segundo a tradição, foi em um dia de outubro de 1717 que três pescadores encontraram a imagem de Nossa Senhora da Conceição no Rio Paraíba do Sul, em São Paulo. Feita de terracota, com 36 centímetros de altura e 2,5 quilos, a imagem ganhou fama de milagreira.

Em 1745, foi erguida uma capela nas redondezas em sua homenagem. Hoje, o local abriga a Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida na cidade que também ganhou o nome da santa.