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O dia em que a Cidade do México recebeu milhares de migrantes da caravana que tenta entrar nos EUA

Caravana de migrantes cruza ponte entre Chiapas e Oaxaca, no México - Rodrigo Abd/AP
Caravana de migrantes cruza ponte entre Chiapas e Oaxaca, no México Imagem: Rodrigo Abd/AP

Eloísa Farrera

Colaboração para o UOL, na Cidade do México

17/11/2018 04h01

Parece conto, mas é vida real. Doze mil imigrantes chegaram a uma das maiores metrópoles do mundo, a Cidade do México, quase ao mesmo tempo, quase de repente.

Tudo é quase: na prática, eles foram chegando em um intervalo de alguns dias. Mas era tanta gente que a sensação era a de uma avalanche. Foi quase de repente porque, no fundo, ninguém foi pego de surpresa: desde 12 de outubro, quando partiram de Honduras, jornais e sites registram passo a passo o cotidiano deste que é um dos maiores êxodos humanos da última década.

Agora que muitos se aproximam do destino final, a fronteira com os Estados Unidos, a Cidade do México ainda se lembra da passagem da caravana de migrantes na segunda semana de novembro.

Estar entre os imigrantes é assistir a um panorama que, de longe, parece uniforme, mas, olhando de perto, se prova bastante diverso.

Estádio na Cidade do México vira abriga de migrantes - Eloisa Farrera / Colaboração para o UOL - Eloisa Farrera / Colaboração para o UOL
Na Cidade do México, estádio de futebol virou abrigo para migrantes da caravana
Imagem: Eloisa Farrera / Colaboração para o UOL
Alguns riem, outros têm o olhar perdido. Alguns jogam cartas ou futebol, principalmente as crianças. Outros preferem ficar sentados, sozinhos, pensativos.

Alguns se aglomeram em torno de uma tomada para recarregar a bateria de seus celulares. Outros se juntam para rezar e celebrar missa.

Alguns fazem fila para receber atendimento médico ou para ganhar um cobertor, enquanto outros assistem a assembleias para receber instruções sobre como obter asilo político ou o que fazer quando chegar à fronteira com os Estados Unidos.

Apelidado de "Cidade Palito", o estádio da Cidade do México foi habilitado para abrigar 5.000 refugiados centro-americanos. Parecia transbordar. As barracas, instaladas como dormitórios no campo de futebol, não eram suficientes.

As pessoas também dormiam nas arquibancadas e nos jardins ao redor. Algumas famílias tinham barracas de camping, mas muitas dormiam em cabanas improvisadas, feitas de tábuas, plásticos e lençóis.

Havia filas para tudo. Para receber comida, para ir ao banheiro, para consultar o dentista, para cortar o cabelo ou receber remédios.

Apesar de todos esses problemas, o cenário não era caótico. Foram instalados vários refeitórios, e organizações civis e religiosas, nacionais e internacionais, como a ONU, a Cruz Vermelha e a Oxfam, estavam presentes.

Os imigrantes ganharam assessoria jurídica, atendimento médico e psicológico, roupas e acesso a ligações telefônicas. Foram organizadas brincadeiras e outras atividades lúdicas para as crianças. Cidadãos também chegavam de carro, de metrô ou a pé para doar mochilas, sapatos, abrigos, pasta de dentes e outros artigos.

"Que Deus amoleça o coração de Trump"

O sentimento geral dos imigrantes é de agradecimento ao México. Nunca lhes faltou comida, água nem caronas.

A caravana começou em Honduras com mil pessoas, mas, no caminho, foram se somando grupos da Guatemala e de El Salvador.

Ir juntos "para o outro lado" lhes deu mais visibilidade, mas também mais segurança e proteção. Eles não se importam que o presidente dos EUA, Donald Trump, ameace deportá-los ou enviar militares à fronteira.

Têm "muita fé" e continuarão avançando até o país, apesar das feridas nos pés, do cansaço físico e mental e, inclusive, diante da possibilidade de receber asilo político no México. "O povo unido jamais será vencido", diz Jayson Castillo, 35, da Guatemala.

"É muito arriscado, mas já estamos aqui, no lombo da mula. Eu peço a Deus que amoleça o coração dessa pessoa [Trump], que veja e não só critique. Que ele veja que a maioria de nós é gente boa, de paz e lutadora. Que percebam que nós 'catrachos' [hondurenhos] trabalhamos", afirma Carmen Gardona, 59.

Migrante hondurenho na Cidade do México - Eloisa Farrera, colaboração para o UOL - Eloisa Farrera, colaboração para o UOL
Hernandez, 31, é um dos migrantes que passaram pela Cidade do México
Imagem: Eloisa Farrera, colaboração para o UOL
Ela nunca havia pensado em emigrar. Carmen e o marido trabalharam durante vários anos em uma "lojinha de roupas de segunda" para manter os dez filhos. No entanto, a situação econômica e social de seu país piorou: estudar e conseguir emprego se tornou mais difícil, os serviços básicos encareceram, e as extorsões, os roubos e a violência dos bandos criminosos recrudesceram.

"Em Honduras, não podemos nem dar um copo de água. Ou dizer a alguém: 'Venha, tome banho aqui'. Meus netos se lavam com uma caneca. A água é impagável. Você poderia dar a alguém um pouco de água assim? E a luz também é muito cara. Você não pode nem emprestar sua tomada para que as pessoas carreguem o telefone. Minha vida em Honduras é miséria, como quem anda pedindo [dinheiro] na rua", conta Carmen, que acompanha um de seus filhos e cinco de seus netos na viagem.

Eles se juntaram à caravana para escapar das "maras", bandos que chantageiam os jovens para que façam parte deles. "Meu país está destruído. É fatal", conclui.

Jonnys Hernández, 31, é outro hondurenho que teve de deixar os três filhos. Sua mulher foi para a Espanha em 2014, e agora são os avós --um deles com câncer-- que cuidam das crianças. Hernández trabalhava no Walmart como auxiliar de caixa, mas o corte de pessoal no início do ano e a falta de oportunidades de emprego em seu país complicaram a situação.

Nesses 25 dias de caminhada, ele soube de roubos de crianças, de migrantes que se perderam nas estradas e de famílias que se separaram. Às vezes se sente triste, mas também está contente por viajar com a caravana, e não sozinho, porque assim evita os "coiotes", o narcotráfico e o crime organizado. O maior sonho dele é trabalhar nos EUA e poder ver sua família unida novamente.

Os migrantes ficaram dois dias na Cidade do México para descansar e esperam outras caravanas que se formaram no caminho. Especula-se, inclusive, que chegarão outros 5.000 refugiados ao estádio Jesús Martínez "Palillo". "O povo unido jamais será vencido", como disse Castillo.