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Por causa de uma foto, médico do Iêmen diz ter sido torturado por rebeldes

Farouk Baakar demonstra como ele foi algemado a uma parede enquanto era torturado em uma prisão dirigida por rebeldes houthis - Nariman El-Mofty/AP
Farouk Baakar demonstra como ele foi algemado a uma parede enquanto era torturado em uma prisão dirigida por rebeldes houthis Imagem: Nariman El-Mofty/AP

Maggie Michael

Da AP, em Marib (Iêmen)

08/12/2018 04h00

O erro de Farouk Baakar foi tirar uma foto.

O médico iemenita estava trabalhando no hospital al-Rashid no dia em que um homem sangrando foi levado ao pronto-socorro com ferimentos de bala e sinais de tortura. Ele havia sido abandonado ao lado de uma estrada depois de permanecer em uma prisão administrada por milicianos houthis que controlam o norte do Iêmen. Eles o chicotearam nas costas e o deixaram suspenso por seus pulsos por dias.

Baakar passou horas removendo as balas e reparando ferimentos nos intestinos. O homem foi seu paciente por 80 dias e finalmente concordou em tirar uma foto com ele.

Semanas depois, agentes de segurança houthis levaram o homem de volta, revistaram o telefone e encontraram a foto.

Vários milicianos invadiram o hospital no porto de Hodeida, vendaram Baakar e o levaram em uma caminhonete. Após sua prisão em meados de 2016, ele passou 18 meses na prisão. Durante esse tempo, ele contou que foi queimado, agredido e acorrentado ao teto pelos pulsos.

Baakar e seu paciente estão entre os milhares de prisioneiros nas mãos dos rebeldes houthis na guerra civil que já dura quatro anos no Iêmen.

Uma investigação da Associated Press descobriu que muitos deles sofriam torturas extremas: eram agredidos em seus rostos com cassetetes, ficavam penduravam por seus pulsos ou genitais por semanas a fio ou eram queimados com ácido.

A Associated Press falou com 23 pessoas que afirmam ter sobrevivido ou testemunhado tortura nos centros de detenção houthis, assim como com oito familiares de detentos, cinco advogados e ativistas e três agentes de segurança envolvidos em trocas de prisioneiros e que viram marcas de tortura em prisioneiros.

Estes relatos colocam em evidência a importância de um acordo de troca de prisioneiros firmado na quinta-feira na Suécia, no início das negociações de paz patrocinadas pela ONU (Organização das Nações Unidas) entre rebeldes xiitas houthis e o governo iemenita, que é apoiado pelos EUA e pela Arábia Saudita. Em uma medida para aumentar a confiança, ambos os lados concordaram em libertar centenas de prisioneiros, embora detalhes ainda precisem ser acertados.

Mas, enquanto o governo libera combatentes houthis capturados, os rebeldes vão liberar, em sua maioria, civis, como Baakar, que foram capturados durante os ataques focados na luta contra a oposição e foram presos para serem trocados por um resgate ou por militantes detidos pelo outro lado.

A União das Mães de Sequestrados, uma associação de parentes de detidos por houthis, documentou mais de 18 mil casos nos últimos quatro anos, incluindo mil de tortura em uma rede de prisões secretas, de acordo com Sabah Mohammed, representante do grupo na cidade de Marib.

O grupo de mães afirmou que pelo menos 126 presos morreram de tortura desde que os houthis tomaram a capital, Sanaa, no final de 2014.

Enfermeiras trocam os curativos de Monir al-Sharqi, que foi detido e torturado por rebeldes houthis - Nariman El-Mofty/AP - Nariman El-Mofty/AP
Enfermeiras trocam os curativos de Monir al-Sharqi, que foi detido e torturado por rebeldes houthis
Imagem: Nariman El-Mofty/AP

A Anistia Internacional disse que "abusos dos direitos humanos, bem como crimes de guerra, estão sendo cometidos em todo o país por todas as partes envolvidas no conflito".

No entanto, a indignação internacional com o derramamento de sangue no Iêmen está principalmente voltada para os abusos cometidos pela coalizão militar apoiada pelos EUA, liderada pela Arábia Saudita, que luta ao lado do governo iemenita.

A AP expôs casos de tortura em prisões secretas administradas pelos Emirados Árabes Unidos e seus aliados iemenitas e tem documentado as mortes de civis em bombardeios de drones na campanha dos EUA contra o braço iemenita da Al Qaeda.

Os abusos cometidos pelos houthis são menos visíveis para o mundo exterior.

Os líderes houthis negaram anteriormente o uso de tortura, embora não tenham respondido a um pedido da AP para comentar sobre o assunto nas últimas semanas. O Ministério dos Direitos Humanos dos houthis disse, no final de 2016, que "não há política ou uso sistemático de tortura contra prisioneiros".

No entanto, dentro do movimento, uma facção moderada reconheceu os abusos e procurou acabar com eles. Yahia al-Houthi, irmão do líder do grupo, criou um comitê em 2016 para investigar relatos de tortura. Isso ajudou a libertar 13,5 mil prisioneiros nos primeiros três meses.

A comissão enviou um vídeo ao líder Abdel-Malek al-Houthi, em que mostrava cenas de celas superlotadas junto com depoimentos de houthis importantes no comitê que alegaram ter visto sinais de tortura. O vídeo não foi divulgado, mas a AP obteve uma cópia.

Baakar, o médico, relata que, depois de sua prisão, os milicianos o penduraram do teto, tiraram suas roupas, o açoitaram e arrancaram suas unhas e cabelos. Ele desmaiou. Uma vez que eles o queimaram com plástico derretido, que foi derramdo em sua cabeça, pescoço e coxas.

No final, Baakar foi transferido para o Castelo de Hodeida, uma fortaleza otomana de 500 anos. Em um porão sujo conhecido como "Câmara de Pressão", ele permaneceu suspenso por seus pulsos por 50 dias até que seus captores pensaram que estivesse morto. Quando seus executores viram que ele ainda estava vivo, permitiram que outros prisioneiros o alimentassem e o limpassem.

Quando ele se recuperou, outros torturados pediram ajuda médica. Ele tratou das feridas e chegou, até mesmo, a fazer cirurgias simples, sem anestesia e usando cabos elétricos, a única ferramenta que ele tinha em mãos.

Baakar, que foi liberado em dezembro de 2017 depois que sua família pagou o equivalente a US$ 8.000, lembra que um homem teve o pênis e os testículos amarrados. Outro foi queimado gravemente, quando derramaram ácido em suas costas, quase grudando suas nádegas uma contra a outra. Baakar teve de usar fios para fazer uma abertura e, com os dedos, remover as fezes.

"Quando pedi ajuda aos guardas e lhes disse que o homem estava morrendo, eles apenas disseram: 'Deixe-o morrer'."